No Pará, juiz realiza cruzada contra movimentos sociais.
por jpereira
Contribuidores: Rogério Almeida
Carlos Henrique Haddad, que condenou três militantes do MST a pagar multa de R$ 5 milhões, tem histórico de condenações a trabalhadores organizados e de absolvições de latifundiários e transnacionais
Carlos Henrique Haddad, que condenou três militantes do MST a pagar multa de R$ 5 milhões, tem histórico de condenações a trabalhadores organizados e de absolvições de latifundiários e transnacionais
25/07/2008
Rogério Almeida
Fossem realizar uma pesquisa para se conhecer o poder que melhor escancara as vísceras das desigualdades econômicas e sociais do país, difícil algum superar o poder Judiciário. Creio que somente a mídia o equivale em parcialidade. No Rio Grande do Sul, o governo tucano deseja criar um estado de exceção contra o MST, onde mesmo almeja impedir a qualquer custo reunião que seja de uma dupla de pessoas. E se trajarem vermelho, mesmo que seja camisa do Sport Club Internacional, serão enquadrados como hereges. Na corte superior, o cacique máximo se empenha em libertar o mais notável gangster do sistema financeiro nacional.
Já nas bandas do Norte do país, mais precisamente em Marabá, cidade pólo do sudeste do Pará, o juiz Carlos Henrique Haddad desponta como um ás na cruzada em criminalizar as ações dos movimentos sociais da região da nação mais delicada na disputa pela terra.
Talvez se o fôlego da justiça sobrasse em sentido oposto, tanto crimes contra a vida de dirigentes sindicais e seus pares estivessem impunes. Talvez a grilagem de terras freasse, e mesmo as terras apropriadas indevidamente fossem revistas. Talvez Benedito Mutran não tivesse vendido terras públicas usadas em regime de comodato para o banqueiro Daniel Dantas... Talvez uma porrada de coisas...
Nesta semana, o juiz Haddad de Marabá encorpou ainda mais os serviços prestados aos poderosos com um gol de placa, ao condenar mais três militantes de organizações sociais. Os eleitos dessa vez são Luis Salomé de França, Erival Carvalho Martins e Raimundo Benigno Moreira, que integram o MST e o Movimento dos Trabalhadores na Mineração (MTM), a pagarem uma multa de R$ 5 milhões por obstrução da ferrovia da Vale no município de Parauapebas, no sudeste do Pará.
O mesmo juiz já havia condenado a dois anos de prisão o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Batista Afonso, um dos mais aguerridos defensores dos direitos humanos da região e Raimundo Nonato Santos Silva, ex- militante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará (Fetagri).
O currículo do notável juiz é de encher de orgulho qualquer representante das elites locais e de outras plagas com interesses econômicos na região. Entre os prestimosos serviços prestados, uma nota de repúdio das organizações dos movimentos sociais resume os seguintes pontos:
1. A revogação da prisão preventiva do fazendeiro Aldimir Lima Nunes, o “Branquinho”, denunciado pelos crimes de homicídio, trabalho escravo, aliciamento, ameaças a autoridades federais e grilagem de terra. Preso pela Polícia Federal, depois de ter fugido da delegacia regional de Marabá pela porta da frente, mesmo assim, foi posto em liberdade em 2004, pela então juiz federal de Marabá.
2. A decretação da prisão de um trabalhador rural, pelo simples fato de o mesmo ter deixado de comparecer a uma audiência de interrogatório, porque estava com medo de sair de sua residência e vir a ser assassinado, uma vez que havia sofrido uma emboscada de pistoleiros dias antes, tendo levado quatro tiros. Esse trabalhador inclusive havia pedido proteção policial.
3. Deferimento de liminares reintegrando fazendeiros que ocupam ilegalmente lotes em projetos de assentamento – uma das decisões favoreceu o fazendeiro Olavio Rocha que acumulava ilegalmente 19 lotes no Assentamento Rio Gelado, município de Novo Repartimento.
4. Decisões favorecendo fraudadores da Sudam e grileiros de terras públicas na região de Anapú – em janeiro de 2004, o então juiz da vara federal de Marabá (que ainda responde pela vara na ausência do atual juiz titular), cassou mais de uma dezena de liminares que devolviam milhares de hectares de terras públicas na Gleba Bacajá ao Incra. Tais terras tinham sido griladas por madeireiros e fraudadores da Sudam, entre eles, Regivaldo Pereira Galvão e Vitalmiro Bastos de Moura, acusados de serem mandantes do assassinato da missionária Dorothy Stang, crime que ocorreu meses após a decisão da justiça federal de Marabá. A decisão prejudicou também centenas de famílias que lutavam pela implantação dos PDSs junto com Dorothy.
5. Decisão de requisitar o Exército para dar cumprimento a liminar em fazenda improdutiva ocupada por famílias sem-terra e em processo de desapropriação pelo Incra, no município de Marabá.
6. Deferimento imediato de liminares em favor da Vale, sem ouvir o MPF em ações de interdito e reintegrações de posse envolvendo movimentos sociais.
7. Concessão de liminares para vários fazendeiros da região impedindo o Incra de realizar vistoria em fazendas parcialmente ocupadas, embora o Supremo Tribunal Federal já tenha decidido que nestes casos não há obstáculo para que o Incra vistorie o imóvel.
8. Expedição de liminar de reintegração de posse em terra pública onde famílias estão assentadas há cinco anos – devido ao Incra não aceitar pagar, num processo de desapropriação, por uma área que descobriu ter sido grilada por um fazendeiro de Tucuruí, o juiz federal, arbitrariamente determinou o despejo de 112 famílias assentadas, no PA Reunidas, onde existem dezenas de casas construídas e estradas feitas, escola em funcionamento e as famílias produzindo.
9. De seis processos encontrados na Justiça Federal de Marabá onde a Vale responde por crime ou dano ambiental, em quatro deles não há sentença, sendo que um se encontra em fase de investigação pela Polícia Federal há mais de quatro anos. Em outro houve acordo para reparação pecuniária do dano e no último, uma Ação Civil Pública movida pela Funai e o Ministério Público Federal processando a Vale por dano ambiental, o juiz julgou improcedente o pedido favorecendo a Vale.
10. Mais de 30 lideranças dos movimentos sociais investigadas pela Polícia Federal ou com processos na Justiça Federal de Marabá.
Agora só falta a Assembléia Legislativa render homenagens ao juiz. A Câmara Municipal de Marabá um dia chegou a fazer do major Curió, que acaba de perder o assento de chefe do Executivo da cidade que tem o nome em sua homenagem. A mesma casa legislativa, muito tempo depois voltou atrás.
Rogério Almeida, jornalista, é colaborador da rede www.forumcarajas.org.br.
Fonte: Brasil de Fato.
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