Legenda do movimento operário
Por Especial 68
Entrevista José Ibrahim
ImageA maior greve operária de 68, a segunda depois do golpe de 64 (ocorrera uma de menor dimensão, antes, em Contagem, MG), foi possível graças a uma liderança corajosa, determinada, extremamente forte e, ao mesmo tempo, nascida de uma personalidade tranqüila, fala mansa e com muitas histórias para contar.
José Ibrahim, ativo militante do movimento operário brasileiro, antecipou lutas e conquistas. Dez anos antes, realizou na Osasco de1968 um feito semelhante ao de Lula à frente dos metalúrgicos do ABC, em 1978. Com apenas 21 anos, o jovem operário e líder sindical simplesmente parou fábricas da cidade – na época, Osasco era o centro metalúrgico nevrálgico e vital do Brasil.
"Eu comecei a trabalhar na Cobrasma ainda menor, com 14 anos, em 1961, mas já entrei participando porque eu era politizado, era secundarista e já tinha um certo nível de conhecimento, de literatura marxista e de fazer política". Organizado, imbatível no chão de fábrica, Ibrahim foi um dos responsáveis pela rearticulação de base dos trabalhadores naquele período.
O movimento sindical vinha sendo duramente reprimido pela ditadura desde 64 com intervenções, diretorias "pelegas", eleições que favoreciam recondução de interventores e até mesmo a extinção de sindicatos. "Definimos que o caminho contra a ditadura era a retomada da democracia, passando pela retomada do nosso sindicato ( de Metalúrgicos de Osasco). Nesta perspectiva, conseguimos organizar a primeira comissão de fábrica que existiu nesse país – a da Cobrasma".
No 1º de Maio de 68 da praça da Sé, histórico pelo confronto entre forças da ditadura e trabalhadores - que venceram e ocuparam a praça e por pedradas que atingiram o governador do Estado - ou na grande greve em16 de julho daquele ano, lá está Ibrahim. É um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, sobrevivente da luta armada, da tortura, do banimento e do exílio. Viveu 10 anos longe do Brasil.
Como ele próprio define, aceitou ser "boi de piranha" e voltou meses antes da decretação da anistia em 1979, sabendo que o mais provável é que seria preso no desembarque. Criou uma das maiores convulsões naquele ano no regime, que não permitiu seu desembarque em Congonhas, remanejou o avião que o trazia da Bélgica para Viracopos, detiveram-no, mas não puderam prendê-lo porque 5 mil pessoas o receberam mobilizadas no aeroporto em Campinas.
Na entrevista exclusiva concedida ao Especial 68, o incansável José Ibrahim narra as batalhas e conquistas do movimento operário e, 40 anos depois, revela sua visão crítica sobre o sindicalismo atual. A ele, aplicam-se muito bem estes versos do poema de Bertold Brecht:
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis
[Especial 68] Como foi a organização da greve dos metalúrgicos de Osasco, em 1968, a primeira grande paralisação depois do golpe militar de 1964? Quais eram as reivindicações e como vocês organizaram num quadro de extrema dificuldade de mobilização?
[Ibrahim] Vou fazer um breve histórico. Ao contrário do que afirmam muitos intelectuais que fizeram e publicaram estudos e detalhes a respeito, afirmando que ela foi um movimento "espontaneísta", não foi nada disso. Osasco sempre teve uma tradição de luta. Isso ocorreu no período de emancipação, quando se tornou município, desmembrando-se da Capital, época em que também o sindicato tornou-se autônomo desmembrando-se do sindicato metalúrgico de São Paulo.
Com o golpe de 64, a repressão se abateu duramente sobre Osasco. A repressão ao movimento sindical e operário foi desigual. Na Baixada Santista foi muito forte porque tinha tradição - e Osasco está neste perfil. Muitos companheiros foram presos e o de Osasco foi um dos primeiros sindicatos a sofrer intervenção. Na época, o presidente do sindicato era o Conrado Del Papa. Ele era do antigo Partido Socialista Brasileiro (PSB), mas tinha uma aliança muito forte com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão, na cidade.
O caminho contra a ditadura
passava pela retomada do sindicato
Todo aquele movimento de massa que até 64 tinha uma liderança, uma cúpula bastante articulada e já dentro de partidos políticos de esquerda, esse pessoal caiu fora. Foi preso, teve que sair do Brasil, boa parte para o exílio, outros para a prisão. Alguns foram parar até no navio-prisão Raul Soares porque eram consideradas considerados pessoas perigosas. Mas, a repressão não chegou dentro das fábricas porque tinha uma militância intermediária e quadros sindicais que foram se formando naquele processo – e aí eu me coloco como um deles, apesar da minha juventude.
Comecei a trabalhar na Cobrasma ainda menor, com 14 anos, em 1961, mas já entrei participando porque eu era politizado, secundarista e já tinha certo nível de conhecimento, de literatura marxista e de fazer política. Coube a nós, nessa liderança intermediária que restou nas fábricas de Osasco, a rearticulação do movimento. Foi a partir daí, depois do golpe, que definimos que a tarefa principal era reorganizar e retomar o sindicato sob intervenção. Sem organização, não tinha como sustentar a luta. A realidade também era outra numa ditadura militar. O inimigo era bastante visível.
Definimos que o caminho contra a ditadura era a retomada da democracia, passando pela retomada do nosso sindicato. Nesta perspectiva, e com a junção de forças de um pessoal de origem cristã progressista, da Frente Nacional do Trabalho (FNT) , conseguimos organizar a primeira comissão de fábrica que existiu nesse país – a da Cobrasma. Inicialmente clandestina.
[Especial 68] Era gente ligada à Ação Popular (AP)?
[Ibrahim] Tinham proximidade com a AP, mas era um movimento mais da chamada FNT e que pregava a conscientização, a organização de base. Gente que tinha uma visão crítica da estrutura sindical. Conseguimos fazer essa unidade de ação e legalizar a comissão de fábrica. Ela começou a ser organizada no período do golpe, quando tínhamos um grupo dentro da empresa onde eu trabalhava.
[Especial 68] Em 1964/65?
[Ibrahim] A legalização foi em 65, mas o trabalho de base já vinha desde a época do golpe e a repressão não chegou lá. Através dessa unidade na ação, consolidamos a comissão, fizemos vários tipos de manifestação e teve até uma paralisação logo depois do golpe. Foi momentânea e deixou a empresa não exatamente assustada, mas percebendo: "está acontecendo alguma coisa". Nós dizíamos: "queremos negociar. Tem muitos problemas aqui dentro da fábrica e a gente acha que o sindicato não se ocupa (deles), não nos representa e, temos aqui uma representação". Era esse o discurso.
Acumulamos força.
Passamos a divulgar a experiência em outras fábricas
[Especial 68] Vocês nem se apresentavam como membros de uma comissão de fábrica porque ela não existia...
[Ibrahim] Não. Nós nos reuníamos fora (da fábrica) e éramos um grupo articulado. A idéia era organizar uma comissão representativa. Conseguimos em 65, fizemos a eleição dentro da fábrica e, em conjunto com a empresa, criamos um estatuto. A empresa participou da criação desse estatuto e nós conseguimos uma coisa inusitada para a época – a imunidade dos eleitos, ou seja, não podiam ser dispensados porque tinham uma atividade sindical.
Na primeira eleição de 65, eu fiquei como secretário geral e um companheiro da FNT presidente. Na segunda, um ano depois, virei presidente da comissão. A composição continuou a mesma só que houve uma inversão. Nós acumulamos muito mais força do que os nossos aliados. Elegemos a maioria dos setores que se expressou na eleição da Executiva.
Para aprofundar a organização dentro da Cobrasma, nós tínhamos atuação nas assembléias, na pressão sobre a diretoria – a gente praticamente obrigava a direção do sindicato a vir participar das reuniões de negociação que fazíamos com a empresa. Nós pedíamos a presença da diretoria que era, ainda, herança da interventoria.
Eles fizeram uma eleição fajuta em 65, mas nós acumulamos força. Passamos a divulgar a experiência em outras fábricas, tínhamos uma rede de contatos nas principais e partimos para o outro passo que foi fundamental para a greve – disputar a eleição em 67.
Com diretoria comprometida, colocamos
a entidade a serviço da organização de base
[Especial 68] Eleição não do comando da comissão, mas do sindicato de Osasco?
Image[Ibrahim] É. Em 1967 tinha que acontecer outra eleição e montamos uma chapa de oposição que pregava a luta pelo direito de greve, o fim do arrocho salarial, as liberdades sindicais. Tinha também o aumento salarial de acordo com a inflação. Todos os meses nós estávamos perdendo e havia um acúmulo desde o golpe. A situação dos trabalhadores era muito difícil, bastante desemprego. Nesse quadro a gente se movia e ganhamos a eleição.
Foi a primeira vez depois do golpe que uma chapa de oposição, com um programa claro de combate a legislação do arrocho salarial e da falta de liberdade nos sindicatos, ganhava uma eleição. Ganhamos a votação no primeiro escrutínio porque tivemos maioria absoluta do apoio dos trabalhadores sindicalizados na nossa chapa.
Assumimos o sindicato em 1967. Com a máquina do sindicato na mão, com uma diretoria comprometida com esse programa de luta, nós colocamos a estrutura da entidade a serviço da organização de base e o fizemos num prazo curto, porque já tínhamos grupos em outras fábricas, organizando comissões. Só que, ao contrário da Cobrasma, a maioria dos sindicatos patronais de Osasco não aceitavam legalizar as comissões. Até aceitavam negociar com a presença do sindicato, mas não a legalização. Era um risco expor um grupo de trabalhadores organizados dentro da empresa quando eles não tinham a mesmo imunidade que nós na Cobrasma.
Nós nos reuníamos fora, às vezes dentro do sindicato. Discutíamos as reivindicações e a diretoria marcava rodada de negociação com a empresa. Depois nós divulgávamos aos trabalhadores. Fizemos isso a partir de reivindicações específicas, insalubridade, equiparação salarial, melhoria nos banheiros, prêmio de produção e um monte de coisas reivindicadas dentro de cada empresa depois de escutar os trabalhadores ou seu porta-voz.
Levávamos as reivindicações e, na medida que se conseguia alguma coisa, era ponto para o sindicato. Quando não se conseguia denunciávamos que as empresas não queriam, que não aceitavam. Era necessário, então, lutar mais, organizar mais. Isso era o que a gente sabia fazer e o que os trabalhadores entendiam.
No 1º de Maio de 68
a palavra de ordem era "só greve derruba o arrocho"
Teve o 1º de Maio de 1968, quando conseguimos uma grande mobilização. Historicamente, sabe-se que mais de 20 mil pessoas se reuniram na praça da Sé. Quiseram fazer daquilo uma grande festa de confraternização entre o governo e os trabalhadores e nós reagimos dizendo "não! Esta festa é nossa!". O pessoal foi expulso e o então governador de São Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodré, levou uma pedrada. Todos tiveram que se esconder dentro da igreja. Então, nós fizemos a nossa manifestação. Botamos fogo naquele palanque (oficial), depois fizemos a nossa festa e mais passeata pela cidade.
[Especial 68] Foi a primeira comemoração do 1º de maio, autônoma, não oficial, desde o golpe militar de 1964?
[Ibrahim] Foi. Antes havia manifestações, mas tímidas. Eram oficiais, em muitas participava o ministro do Trabalho como “1º trabalhador” do país, veja só! A de 68 foi diferente, foi nossa. Apesar da tentativa (do governo) de transformar aquilo numa confraternização, nós fizemos um 1º de Maio de luta. Havia ali muitas forças concentradas – o movimento estudantil, as oposições sindicais, as organizações de esquerda já bem rearticuladas à época.
Tudo isso foi criando um caldo de cultura favorável à greve geral contra o arrocho salarial. Tanto que naquele 1º de Maio a palavra de ordem era "só greve derruba o arrocho". Como o sindicato sofreu muita pressão por causa daquela festa do trabalhador em 68, na época, o Jarbas Passarinho (ministro do Trabalho no governo Costa e Silva) me responsabilizou pessoalmente por tudo aquilo e eu fui afastado da diretoria do sindicato.
Na primeira oportunidade
a ditadura fecharia o sindicato
A diretoria foi chamada para discutir e comunicada que ou eu seria afastado ou eles interviriam no sindicato. Lógico que a diretoria resistiu e houve muita solidariedade do movimento sindical. Eles, então recuaram. Fiquei suspenso uns 20 dias e reassumi a presidência do sindicato.
Avaliamos que novembro seria uma época propícia (para a greve) porque a maioria das grandes categorias têm a renovação do acordo salarial nesse mês. Mas a coisa já estava muito fervilhante em Osasco. Era muita gente falando em greve e querendo saber quando nós a faríamos. Avaliamos que, dali para frente, na primeira oportunidade a ditadura fecharia o sindicato. Já estávamos na mira.
Avaliamos muito, não foi uma decisão espontaneísta, assim sem pensar. Muita gente participou dessa discussão e decidimos fazer a greve em julho. Chegamos à conclusão de que não dava para esperar mais. Então, a idéia era fazer uma grande mobilização, ir para o confronto, fazer uma greve radical. Não era uma greve como a de Minas Gerais (em abril do mesmo ano, em Contagem - MG).
[Especial 68] E a de Contagem foi diferente da de vocês?
[Ibrahim] Sim, teve outro processo. O Passarinho foi até lá para negociar com os trabalhadores. No nosso caso, eles nem pensaram nisso.
Teríamos pessoal mobilizado
com condições para ampliar a greve
[Especial 68] O sindicato de Osasco era muito radical para os militares.
[Ibrahim] Sim, era um sentimento não só em relação a mim pessoalmente, mas em relação ao nosso sindicato. Não tinha acordo. Aí, organizamos a greve. Na nossa estratégia, a idéia era ocupar duas fábricas no primeiro dia, a Cobrasma, a maior, e a Lonaflex, de médio porte, mas que tinha uma boa organização e uma comissão legalizada com estatuto semelhante ao nosso. Organizamos a greve e havia vários níveis – o pessoal da mobilização, as lideranças conhecidas; e o pessoal do comando que decidia as estratégias do ponto de vista técnico. A Cobrasma, com quase 6 mil trabalhadores, um tremendo parque industrial, tinha vários portões, guardas e não era fácil.
Você corria o risco de a paralisação começar num setor e o outro não conseguir chegar lá. Tudo isso tinha que ser pensado e não era coisa para discutir com a massa, numa plenária mais ampliada. Corríamos o risco desse negócio vazar, fora a desconfiança de que havia infiltrações (de agentes da repressão da ditadura) dentro das fábricas
Para as outras duas fábricas que pararam no primeiro dia, 16 de julho de 68, a nossa decisão era que os trabalhadores viriam em passeata para o sindicato, para ter massa dentro do sindicato e ao mesmo tempo duas fábricas ocupadas. Assim, intervindo no sindicato, nós teríamos um pessoal mobilizado dentro das fábricas com condições necessárias para ampliar a greve. Nós tínhamos condições de ampliação, tanto que, mesmo com a repressão, nós conseguimos paralisações em outros dias.
[Especial 68] A ocupação seria só da Cobrasma e da Lonaflex? As outras só parariam?
[Ibrahim] Ocupação só nas duas. As outras parariam, mas não ficariam ocupadas. Os trabalhadores podiam ficar o dia inteiro dentro da fábrica e a noite sair. Variava de fábrica para fábrica. Umas queriam parar e ir para o sindicato. No sindicato nem cabia tanta gente assim.
[Especial 68] Que horas a greve começou?
[Ibrahim] As 08h45 mais ou menos, quando todo mundo já tinha entrado, a turma das 6h00, a das 7h00... Na Lonaflex nós decidimos que seria as 14h00 porque era o horário da troca de turno.
Grupos foram se espalhando e gritando "É greve! É greve"
[Especial 68] Na Cobrasma, vocês conseguiram avisar em cada setor? Havia condição de liderança, de base para avisar os 6 mil trabalhadores que parariam num mesmo momento?
[Ibrahim] Havia. Quando chegou o dia, o pessoal responsável pelo comando da greve dentro da Cobrasma já saiu avisando os 38 membros da comissão que eram espalhados dentro da fábrica – dois em cada setor. Eles estavam na expectativa de que era o dia de parar e, quando deu o horário, alguém foi lá, apitou e todo mundo "É agora!".
Paramos o primeiro setor, o da fundição, que era um setor numeroso e um dos mais bem organizados. A fábrica inteira estava organizada, mas esse setor tinha lideranças realmente fortes que o pessoal respeitava muito. Começou a parar na fundição e foi para outras seções. Os grupos foram se espalhando nos outros setores e gritando palavras de ordem "É greve! É greve".
Fui avisado que estava tudo certo na Cobrasma, que os portões foram tomados e os dois maiores foram soldados. Os pequenos não. A guarda já tinha sido destituída e aí foi assembléia permanente no pátio da fábrica. Um palanque foi improvisado e a assembléia aconteceu lá. A minha tarefa era dar informação para a mídia, avisar, recebe-la no sindicato ao lado de mais três ou quatro diretores que estavam comigo.
Quando recebido dos companheiros o recado de que a Lonaflex estava também ocupada, dei sinal verde porque o governo tinha mandado uma delegação para negociar. Dei sinal verde dizendo que nós podíamos nos encontrar. Por volta das 15h30 nós nos encontramos no sindicato e conversamos um pouco logo no primeiro.
Voltei para o sindicato e já tinha
informação de que o Exército estava mobilizado
[Especial 68] E como a greve prosseguiu?
[Ibrahim] No primeiro dia eu propus conversar com a diretoria da Cobrasma. Não teve acordo. Eles diziam que estavam estudando uma contraproposta. Falei para eles “que tal entrar lá dentro junto comigo na assembléia?”. Um diretor da Cobrasma, o Dr. Alberto, falou que toparia se tivesse garantias. Ele era o que mais negociava com a comissão de fábrica, uma pessoa que tinha sensibilidade social. Dei garantia e fomos. Lá dentro, ele falou que a Diretoria faria uma contra-proposta. O diálogo estava aberto.
Eu tinha dado uma coletiva no sindicato dizendo que a greve estava se desenvolvendo bem e que a gente esperava a continuidade das negociações. Voltei para o sindicato e no início da noite eu já tinha informação de que tropa de choque, o Exército estava mobilizado. Depois tive a informação de que a Cobrasma estava cercada. Foi invadida e prenderam um monte de gente. Na Lonaflex foi negociada a saída.
Veja, a intervenção no sindicato estava em negociação e o governo já estava com o decreto de cassação da diretoria e intervenção prontos. Ai então uma parte da Diretoria foi presa.
[Especial 68] Você foi preso?
[Ibrahim] A decisão nossa era que eu e um conjunto de companheiros íamos evitar a prisão. Não íamos esperar dentro do sindicato que viessem nos prender. A gente saiu porque tinha o nosso compromisso da continuidade da greve nas outras fábricas. Tínhamos um esquema de recuar e assim tirar os dirigentes do foco, esconder. Já era o inicio da minha clandestinidade. Neste período eu já era ligado ao pessoal da luta armada. Eu e muitos companheiros de Osasco já tínhamos consciência de que a tendência da ditadura era endurecer cada vez mais e diminuir mais os espaços de luta democrática, aumentar a repressão.
[Especial 68] A Greve durou quantos dias?
[Ibrahim] Uns cinco, seis dias até normalizar. A empresa até recuou. Muitos companheiros tinham sido mandados embora sem direito porque greve era ilegal aos olhos deles, mas recuaram. O único que disseram que era questão de honra era eu! Eles me mandaram embora sem direito nenhum e fiquei neste trabalho de rearticulação.
Fui muito torturado, como era praxe naquela época.
[Especial 68] Mas clandestino?
[Ibrahim] Clandestino e já dentro da estrutura da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Eu era ligado a VPR, mas no movimento de massa. Fiquei na clandestinidade e circulando. Corria risco, lógico. Sempre circulava com um esqueminha de segurança dentro das possibilidades da época da estrutura da VPR.
[Especial 68] Tomou mais cuidado no dia do AI-5, em dezembro de 68?
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Portão do antigo presídio Tiradentes
[Ibrahim] Muito mais cuidado, mas fui preso em 2 de fevereiro de 69. Fui para o que viria a ser depois a Operação Bandeirantes (OBAN), na rua Tutóia, quartel da Polícia do Exército. Fui para a Tutóia, fiquei lá não sei quantos vários dias, a gente perde a conta. Depois me levaram para o DOPS (Departamento de Ordem e Política Social)
Fui muito torturado, como era praxe naquela época. Ainda mais que, além do negócio da greve, das ocupações de fábrica, eles me prenderam dentro da estrutura da VPR uma organização que estava fazendo ação armada. Fui torturado, vários dias.
Passei um bom tempo no DOPS (bairro da Luz, em São Paulo), alguns meses de solitária. Fiquei exatamente num porão que agora está aberto a visitação (hoje Memorial da Resistência). Uma daquelas celas era meu mocó. Depois quando passou toda fase de interrogatório, acareações, fui para o presídio Tiradentes. Foi dali que eu sai.
Fonte: Blog do Zé Dirceu.
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