sexta-feira, 18 de julho de 2008

ARTIGO - Um momento para o silêncio.

Mauro Santayana

Imaginemos que em certa manhã todos os sons do mundo fossem engolidos pelo silêncio, menos as palavras – preferivelmente de afeto – sussurradas entre as pessoas. Os computadores permaneceriam com as telas escuras. Os elétrons estariam domados. Não haveria energia elétrica, nem comunicações eletrônicas. Sob a luz pálida das candeias, posto que o sol negaria o dia, os homens retornariam a si mesmos. Esse silêncio e essa penumbra poderiam durar apenas o necessário para que pudéssemos refletir e, nesse intervalo de reflexão, inventar uma saída para o mundo. Uma saída política, porque fora dela não há nada a fazer.

O mundo perdeu a lógica e, ao perdê-la, perdeu a ética. Ou podemos ler a frase ao contrário: ao perder a ética, que já era pouca, perdeu a lógica. A ética é a ligação entre os homens e os deuses, entre a fé e a razão. Não é preciso ser religioso para ser ético. Basta respeitar a vida, como a têm respeitado a maioria dos seres humanos e algumas de suas organizações filantrópicas.

O governo colombiano confessou que os militares usaram indevidamente o símbolo da Cruz Vermelha na operação de resgate da senhora Ingrid Betancourt. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em comunicado, reiterou que o uso indevido é proibido em qualquer circunstância, conforme a Convenção de Genebra. Não há, entre todas as instituições humanitárias, outra que exceda a Cruz Vermelha (Crescente Vermelho nos países muçulmanos) em sua respeitabilidade. Como todas as grandes empresas humanas, a Cruz Vermelha nasceu da emoção de uma só pessoa, o suíço Henri Dunant, que tocado pelo sofrimento dos combatentes franceses e austríacos, na sangrenta batalha de Solferino, em 1859, organizou um grupo de voluntários para socorrer os feridos nos dois lados da guerra. Durante os 149 anos passados, a Cruz Vermelha, não podendo evitar os conflitos, nem os desastres naturais, tem trabalhado para aliviar o sofrimento das vítimas. Ela não conhece fronteiras religiosas, étnicas, ideológicas e nacionais. Todos os homens são exatamente iguais diante da organização, uma das poucas não-governamentais a merecer o reconhecimento universal dos povos e a receber, por três vezes, o Prêmio Nobel da Paz. Pois bem, o governo de Uribe autorizou que se injuriasse e se difamasse a instituição.

Ao mesmo tempo em que Uribe confessava o ato insolente, o governo do Texas anunciava desconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça da ONU: irá executar cinco prisioneiros mexicanos condenados à morte no Estado. Os mexicanos – e daí o apelo do presidente do México à Corte Internacional – não haviam obtido a assistência legal dos representantes consulares de seu país, como prevêem os tratados internacionais. A Corte se dirigiu ao governo dos Estados Unidos, determinando a revisão dos processos viciados – no que foi desdenhosamente desrespeitada pelo governo do Estado do Texas, com o apoio da Suprema Corte, sob a alegação de que não há legislação interna que o obrigue a obedecer a uma organização estrangeira.

A explicação de Robert Black, porta-voz do governador, é bem reveladora. "Damos as boas-vindas aos visitantes e investidores, mas os estrangeiros que vierem com a intenção de cometer crimes sofrerão as conseqüências". Black fala em dar boas- vindas a visitantes e investidores. Não fala em trabalhadores. O atual governador, Rick Perry, não perdoou um só condenado à morte em seu mandato – e deixou que fossem executadas 168 pessoas. O antecessor, Bush, deixou que se executassem 152. Embora a maioria fosse de norte-americanos, nenhum dos executados pertencia ao mundo dos ricos, pelo que se sabe.

E, enquanto os ianques se preparam para colocar a IV Frota diante de nossas costas, o governo espanhol mobiliza patrulha naval menor, para operar no Mediterrâneo, a fim de repelir as frágeis embarcações usadas pelos miseráveis africanos que procuram salvar-se da fome. Em nossos bravos tempos, os investidores são sempre bem vistos, seja no Texas ou na Andaluzia, mas os trabalhadores pobres, não. O mundo rico é aberto aos ricos e às mercadorias de que necessitam, e severamente fechado aos pobres.

Se houvesse um pouco de silêncio, e pudéssemos pensar no que nos disse Cristo, talvez descobríssemos que só no outro está a nossa salvação. No outro, de qualquer cor, vindo de qualquer lugar, em busca de pão e trabalho.

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