40 anos de duas greves históricas
Por Leandro Conceição
Era 1968. O Brasil vivia os anos de chumbo da ditadura militar, marcados pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos opositores do regime. Para os trabalhadores, as condições de trabalho pioravam e os salários eram cada vez menores, graças a uma política de combate à inflação por meio de arrocho salarial, adotada desde o início do governo autoritário depois do Golpe de 1964.
Entre 1964 e 1967, o preço da cesta básica de alimentos subiu 250%, enquanto o salário mínimo aumentou 150%, como constata o mestre em História Social Ari Marcelo Macedo Couto, em sua dissertação de mestrado na PUC-SP, publicada na edição número sete da revista Histórica do Arquivo do Estado de São Paulo. Nos sindicatos, até mesmo dirigentes “pelegos” mostravam insatisfação com a política salarial do governo. Mas, com a atuação limitada e enfraquecida, as entidades pouco podiam fazer para buscar melhores salários e condições de trabalho para a classe trabalhadora. “O Golpe de 1964 representou uma grande derrota para o movimento sindical brasileiro. A ditadura impôs uma série de leis visando a impedir a livre organização e a luta dos trabalhadores”, afirma o historiador e mestre em Ciências Políticas pela Unicamp Augusto Buonicore.
Mesmo assim, nas cidades industriais de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), e Osasco, na Grande São Paulo (SP), graças à pequena política de liberalização sindical prevista na Constituição de 1967, dirigentes de oposição haviam sido eleitos por meio de voto dos trabalhadores para as direções dos sindicatos, no lugar de diretorias conciliadoras ou interventores ministeriais.
Porém, no município mineiro, o oposicionista Ênio Seabra e sua diretoria foram destituídos pelo Ministério do Trabalho antes mesmo de tomarem posse. Para Buonicore, o fato enfraqueceu o sindicato, já que a nova diretoria não adotaria medidas radicais como as propostas por Seabra.
Mesmo assim, a luta dos trabalhadores mineiros por melhores salários e condições de trabalho ganhava força, com a organização dos operários dentro das fábricas. Até que no dia 16 de abril eclodiu uma greve no setor de trefilação da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. Os operários pediam 25% de reajuste salarial, entre outras reivindicações. Cerca de 1.200 trabalhadores iniciaram a mobilização.
A greve surpreendeu os militares e até mesmo o sindicato, que até então se restringia à busca de acordos, por temer repressão do governo, mas apoiou a paralisação. “Não foi uma coisa esperada. Aconteceu porque os trabalhadores estavam muito revoltados”, lembra o aposentado Gaspar dos Reis, um dos diretores da entidade na época. Segundo Buonicore, a mobilização teve um grande aspecto de espontaneidade dos operários, “mas em todas as empresas onde houve greve, existiam movimentos de esquerda por trás, trabalhando na organização dos trabalhadores”.
A paralisação se expandiu às demais seções da Belgo-Mineira e chegou a outras indústrias de Contagem, como Mannesmann, SBE, Belgo de João Monlevade e Acesita. No total, a mobilização envolveu aproximadamente 16 mil trabalhadores. Foi a primeira grande greve durante a ditadura militar no Brasil. A paralisação só acabou cerca de dez dias depois, após a oferta de 10% de reajuste salarial feita pelo então ministro do Trabalho Jarbas Passarinho. Mesmo abaixo dos 25% pretendidos, a proposta foi imediatamente aceita pelo sindicato, não pelos operários, que só aceitaram os 10% depois da intervenção policial-militar na cidade e de ameaças de “guerra” do governo. Em junho, o aumento foi estendido a todos os trabalhadores do país.
A sirene é o sinal
Osasco, São Paulo. Manhã de 16 de julho de 1968. O soar da sirene era o sinal para os operários da Cobrasma, a maior metalúrgica da cidade, cruzarem os braços. E às 8h15 ela soou alto. Começava então a greve que mobilizou cerca de três mil trabalhadores da fábrica, segundo sindicalistas. Em seguida, a paralisação se estendeu a outras indústrias do município, como Braseixos, Barreto Keller e Lanoflex. A principal reivindicação era 35% de reajuste nos salários. “Vivíamos em arrocho salarial e não tínhamos liberdade sindical” diz José Ibrahin, na época o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco.
Ao contrário do que ocorreu em Contagem, o sindicato paulista teve participação efetiva na mobilização. “A luta se deu a partir da organização dentro das fábricas, mas em consonância com o sindicato, que tinha como base as comissões de fábrica”, lembra Stanislaw Szermeta, na época operário da metalúrgica Braseixos. Para ele, a paralisação dos operários de Contagem, iniciada havia três meses serviu de incentivo aos operários osasquenses. “Nos deu fôlego. Mostrou que havia possibilidade de se fazer uma greve.”
“Mas em Osasco a repressão foi bem mais violenta do que em Contagem. Os militares estavam mais preparados para a situação”, afirma Buonicore. Na tarde do dia 16, representantes do Ministério do Trabalho intervieram na Cobrasma e naquela noite os operários foram expulsos da fábrica pela Força Pública, seguindo ordem do governador Abreu Sodré. Cerca de 60 trabalhadores foram presos e levados para o Departamento de Ordem Política e Social, o temido Dops, na capital paulista, onde a tortura dos presos fazia parte da rotina. Além disso, a sede do sindicato foi tomada pelos militares, as outras indústrias onde os operários haviam aderido à greve foram cercadas pelos soldados e as entradas e saídas de Osasco foram bloqueadas.
Depois da greve, a diretoria do sindicato foi cassada. Acordos impediram a demissão da maioria dos trabalhadores que participaram da mobilização. Alguns dirigentes sindicais que não foram presos tiveram de recorrer ao exílio ou à clandestinidade. Ibrahin foi demitido sem direitos, passou a viver como clandestino e entrou para a luta armada, na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Preso pouco tempo depois, foi um dos 15 presos políticos trocados pelo embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick em setembro de 1969. Em seguida passou dez anos exilado, voltando ao Brasil meses antes da Anistia, em 1979. Foi um dos fundadores do PT em 1980, mas rompeu com o partido em 1986 e se filiou ao PV. Szermeta teve que abandonar o emprego na Braseixos e entrou na clandestinidade no Partido Operário Comunista (POC). Também foi preso pouco tempo depois. Viveu um tempo em Porto Alegre (RS), em seguida se mudou para a cidade de São Paulo, onde vive atualmente e é coordenador de finanças do Instituto Zequinha Barreto e filiado ao PSoL.
Símbolos de resistência
Mesmo sem ter obtido os resultados esperados, as greves de 1968 são consideradas um marco na história do operariado brasileiro. “Representaram um símbolo de resistência da classe operária”, avalia Buonicore. “Com certeza, quando ocorreram as greves do ABC, no fim dos anos 1970, muita gente se lembrava das greves de Contagem e Osasco.”
Para Ibrahin, as greves “foram positivas, não só do ponto de vista dos trabalhadores, como politicamente, na luta contra a ditadura militar”. Szermeta avalia que “as mobilizações de 1968 mostraram que era possível organizar os trabalhadores e resistir contra a ditadura”.
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Para o atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região, Jorge Nazareno, as paralisações “foram extremamente importantes na resistência à ditadura militar e favoreceram o surgimento de outras frentes de luta contra a ditadura”. Um dos membros da atual diretoria do hoje Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Região, Geraldo Valgas de Araújo, analisa que as greves de 1968 “marcaram o início da retomada do movimento sindical e da luta dos trabalhadores depois da ditadura”.
Este ano, o Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Região e o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região realizam eventos para celebrar os 40 anos das históricas greves de 1968. “Não podemos abrir mão da nossa história. Ouvir os companheiros que participaram dessa luta, suas experiências, é extremamente importante e pode servir como aprendizado”, diz Nazareno. “Precisamos batalhar a cada dia para que esse país se torne democrático de fato. O Brasil ainda tem muitas mazelas que precisam ser corrigidas. Para isso, precisam da luta não só sindical como de toda a sociedade.”
Fonte: Revista Fórum.
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