“Tiramos Zelaya porque foi para a esquerda e colocou comunistas no governo’
O líder golpista Roberto Micheletti admitiu que o “único erro” foi a forma de derrubá-lo, ao prendê-lo e depois tirá-lo do país. Mas defendeu a medida, negou tratar-se de um golpe de Estado e acusou Zelaya por corrupção.
A entrevista é de Néstor Restivo e está publicada no jornal argentino Clarín, 30-09-2009. A tradução é do Cepat.
O presidente de fato de Honduras, Roberto Micheletti, recebeu o Clarín na sala Dionísio de Herrera – primeiro presidente do país – da Casa Presidencial. Anoitece em mais um dia agitado. Nas ruas, a “resistência” a favor do presidente Manuel Zelaya, refugiado na Embaixada do Brasil, segue cada vez mais controlada por policiais e militares com a dificuldade de se organizar: os meios de comunicação opositores foram calados. Micheletti disse que no dia 7 de outubro autorizará a OEA para mediar (no domingo foi expulsa uma missão “sem permissão”, disse) e que há negociações internas para sair do pântano. “Há contatos – indica –, mas Zelaya deve submeter-se à Justiça e eu estou disposto a renunciar, no marco da Constituição”.
A proposta de San José, do presidente Oscar Arias, inclui a restituição condicionada de Zelaya.
É apenas uma iniciativa, não venham a dizer-nos o que devemos fazer.
Há negociações, ou buscam ganhar tempo até a eleição de novembro? A comunidade internacional já disse que não reconhecerá essa eleição convocada por vocês.
As eleições estão marcadas desde 2008.
Não procuram ganhar tempo expulsando a OEA?
Uma missão assim pode entrar na Argentina, sem documentos? Não tinham permissão. Somos um país soberano, que fique bem claro.
Por que o Exército fechou os meios de comunicação opositores?
Foi em base ao decreto (de estado de sítio). Incitavam à violência e à guerrilha.
Seu regime está totalmente isolado, até do FMI.
E por isso devemos resignar a nossa dignidade? Vocês, na Argentina, não foram à guerra das Malvinas por dignidade, sem importar a pressão externa?
Era uma ditadura militar.
Independente do que seja. A dignidade nacional existe. Terias permitido que Zelaya fizesse o que fez?
Depor um presidente é um golpe de Estado.
Nosso único erro foi tirá-lo da forma como o destituímos. No resto, agimos conforme a lei. Ele violava a Constituição ao buscar uma Constituinte para uma reeleição. Se o prendêssemos e o deixássemos aqui, teria havido mortos. Foi tirado do país, mas agora voltou.
Não acredita que estão debilitando a democracia na região?
Se um presidente viola a lei, é corrupto, dá o direito ao povo de reclamar. Nós lideramos esse pedido.
No Brasil, na Argentina ou nos Estados Unidos foram usados métodos institucionais frente à crise como as que você tenta descrever.
Nesses casos, o único que fez a coisa certa foi Lula, retificou o seu rumo.
Não entendi.
Outros mudaram a Constituição, queriam perpetuar-se, como Zelaya.
Continuo sem entender. Mas insisto com o Exército. O general Vázquez recordou a relação de Pinochet com Allende, primeiro leal e depois o depôs com as armas.
Pedimos a Zelaya para não forçar a Constituição. Roubou 700 milhões de lempiras (36 milhões de dólares) e tirou de empilhadeira fundos do Banco Central para a sua reforma constitucional. Gastou milhões para passear de helicóptero e com assessores. Era corrupto, tinha vários sem-vergonhas.
Que papel exercem as Forças Armadas? Sua presença inunda as ruas.
Não estão no governo, defendem a democracia, assim como a Polícia. É para cuidar da reação incendiária de Zelaya. Elas nos apoiaram, pois íamos ao abismo.
Mas tiveram um passado de violações dos direitos humanos e anticonstitucional. Por que lhes dão tanto poder agora?
Não, não. Faz 29 anos que se adaptaram. Hoje levam e trazem as urnas nas eleições, respeitam o poder civil, são um orgulho.
Foi a corrupção, a Constituinte ou tentativas de mudanças sociais o que levou ao golpe?
Depomos Zelaya por seu esquerdismo e corrupção. Ele foi presidente, como liberal, como eu. Mas se fez amigo de Daniel Ortega, Chávez, Correa, Evo Morales.
Perdão...
Deu uma guinada para a esquerda, colocou comunistas no governo e nos preocupou.
Com 75% dos pobres e um sistema esclerosado, as mudanças sociais não se fazem necessárias?
Pode haver reformas, inclusive constitucionais, menos em 3 artigos: território, forma de governo nem reeleição. Mas o que Zelaya prometia era pura farsa.
Como se pode resolver isso e avançar tendo tão baixa pressão fiscal, sem tocar interesses políticos, econômicos, religiosos tão fortes, sem mudanças mais de fundo?
Pode-se falar, sem brigar. Antes de sair assinarei decretos sociais. O Congresso, além disso, pode obrigar as empresas a pagar mais impostos se for preciso, por exemplo.
Fonte:IHU
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