Brasil de Fato
Adital
Por Luís Brasilino e Renato Godoy de Toledo
da Redação
No dia 5, o Jornal Nacional da Rede Globo exibiu imagens captadas pela Polícia Militar de São Paulo nas quais integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) passam um trator sobre plantações de laranja, na zona rural de Iaras (SP).
O telejornal não citou nominalmente a empresa que controla as terras ocupadas pela organização. Trata-se da Sucocítrico Cutrale, transnacional brasileira que tem como finalidade a exportação de suco de laranja. A notícia veiculada pela TV Globo repercutiu em todos os veículos. Em editorial, os jornais de maior circulação do país usaram terminologia agressiva contra o movimento. Terroristas, criminosos e vândalos foram termos recorrentes atribuídos aos militantes do MST. Tais jornais trataram o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, praticamente como membros do movimento, mas que discordaram da ação em Iaras.
Terra grilada
Para o MST, a intenção da imprensa e da polícia é criminalizar o movimento e instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Em setembro, a bancada ruralista conseguiu reunir assinaturas para instaurar uma CPI contra o MST, mas a tentativa acabou frustrada. Agora, as imagens de Iaras deram novo fôlego.
a esses setores que, no fundo, miram inverter o debate e barrar a atualização dos índices de produtividade rural, prometido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As versões sobre o que ocorreu em Iaras são muito opostas, a começar pela titularidade da terra, que a imprensa "concede" à Cutrale. Mesmo dando muito espaço sobre o caso de Iaras, os jornais não abordaram profundamente o tema. Disseram que o movimento destruiu plantações numa propriedade produtiva, mas não deram importância ao fato de o Incra reivindicar a área, alegando que a terra foi grilada.
A área, atualmente controlada pela Cutrale, faz parte de um lote chamado Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares pertencentes à União, segundo o Incra. Em 2007, a Justiça Federal concedeu a totalidade do imóvel para o instituto. A empresa, no entanto, permanece na área e utiliza-se de ações judiciais para reverter a decisão.
Argumentos do MST
No dia 28 de setembro, o movimento ocupou, pela terceira vez, uma área de cerca de 2,7 mil hectares no Núcleo Monções a fim de pressionar o governo para que ele retomasse a área e realizasse assentamentos. De acordo com o movimento, os dois hectares destruídos seriam utilizados para plantar alimentos básicos aos acampados. O MST calcula que cerca de 400 famílias poderiam ser assentadas na área ocupada. No entanto, a divulgação das imagens acelerou o processo de reintegração de posse, que acabou ocorrendo no dia 6.
A imprensa corporativa usou o argumento da produtividade da terra para criticar o MST, que rebateu, em nota: "Somos os primeiros e mais interessados em fazer com que as terras agrícolas realmente produzam alimentos. No entanto, não podemos nos calar enquanto terras públicas continuarem sendo utilizadas em benefício privado; enquanto milhares de famílias sem-terra continuarem vivendo na beira de estradas, debaixo de lonas pretas. A produtividade da área não pode esconder que a Cutrale grilou terras públicas. Aos olhos da população, por mais impactantes que sejam, as imagens não podem ocultar que uma multinacional extrai riqueza de terras griladas. Mais do que somente esclarecer os fatos, é preciso entender a complexidade e a dimensão da luta pela terra naquela região", afirma nota do MST-SP.
O movimento também criticou a atitude da Justiça, que, em agosto, decretou a extinção do processo em que o Incra reclama a fazenda como terra pública. "A Justiça alegou que o Incra, órgão federal responsável pela execução da Reforma Agrária, é ilegítimo para reivindicar a área. Quem poderá fazê-lo então?", contesta.
Estranheza
A ação dos trabalhadores havia ocorrido no dia 28 de setembro, e neste dia fora divulgado que o movimento ocupou a fazenda e destruiu pomares de laranja. No entanto, apenas no dia 5 as imagens foram divulgadas. A demora para publicar as imagens - que, sem dúvida, contêm forte apelo midiático - causou estranheza em movimentos sociais.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) acredita que a divulgação tardia das imagens possa ter sido usada como
uma carta na manga dos ruralistas, para dar novo fôlego à CPI do MST, que havia sido enterrada dias depois da ocupação. "[A CPI] acabou frustrada porque mais de 40 deputados retiraram seu nome e, com isso, não atingiu o número regimental necessário. A bancada ruralista se enfureceu.
A ação do MST do dia 28, que, ao ser divulgada pela primeira vez não provocara muita reação, poderia dar a munição necessária para novamente se propor uma CPI contra o MST. E numa ação articulada entre os interesses da grande mídia, da bancada ruralista do Congresso e dos defensores do agronegócio, se lançaram novamente as imagens da ocupação da fazenda da Cutrale", aponta nota da entidade.
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Depredações são falsas, diz movimento
Se esses atos tivessem ocorrido, a polícia teria registrado as imagens, tal como captou as do laranjal
da Redação
O MST admite ter destruído 2 hectares de plantações de laranja da empresa Cutrale. No entanto, foram imputados ao movimento outras atitudes que ele nega, tais como a destruição de tratores, roubo de combustíveis e furto de pertences pessoais de trabalhadores da fazenda.
"A gente fica bastante sentido da imprensa ter dito isso. Estamos atrás de terra e não de outra coisa. Teve gente que não era do movimento, gente da cidade, que não sabíamos nem quem era. E falavam que estavam ‘só dando uma olhada...’", conta Cristina, do acampamento Rosa Luxemburgo, que participou da ocupação na Cutrale, mas prefere não revelar o sobrenome.
O MST cobra das autoridades uma investigação independente sobre o que aconteceu na área. A assentada Andréa do Carmo Pio, que também participou da ação, reforça que não sabe o que ocorreu depois que as famílias deixaram a ocupação. "Eles [polícia e funcionários da Cutrale] forjaram isso para queimar a imagem do movimento, não são burros. Nós deveríamos ter um advogado para vistoriar", lamenta.
Em nota oficial, a direção estadual do MST alega que, se esses atos tivessem ocorrido, a polícia - que monitorou todas as ações do movimento na área - teria registrado as imagens, tal como captou as do laranjal. Sobre os pertences dos agricultores que moram no local, o MST-SP afirma que, em acordo com os trabalhadores, as casas foram desocupadas e trancadas, logo após a ocupação. "Em todas as nossas ocupações, sempre respeitamos os trabalhadores e zelamos por sua segurança", pontua a nota.
Imagens divulgadas em emissoras mostram tratores desmontados na fazenda. Esse desmonte seria resultado do vandalismo dos sem terra, segundo a imprensa. No entanto, o MST fez uma revelação que contesta essa versão: "Uma empresa com esse porte possui oficina mecânica dentro das fazendas e, portanto, faz a manutenção das suas máquinas dentro da própria área. As imagens mostram tratores e peças que já estavam abandonadas e desmontadas antes das famílias chegarem lá. Quem tem que responder pelo estado dos equipamentos é a Cutrale, e não o MST", afirma o movimento.
Os trabalhadores rurais também foram acusados de levar 15 mil litros de combustível ao desocuparem a fazenda. "Não foi roubado nenhum tipo de combustível ou veneno. No momento em que saímos, a PM estava lá e eles viram que não tínhamos nada no caminhão, que carregava dois fogões e mantimentos", reforça Andréa. (LB e RGT, colaborou Eduardo Sales de Lima, da Redação)
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Transnacional exerce monopólio no mercado brasileiro
Cutrale é alvo de cinco processos no Cade e seus proprietários são réus em processos por formação de cartel e posse ilegal de armas
Eduardo Sales de Lima
da Redação
A Cutrale mantém um dos maiores monopólios alimentícios do mundo. Detém cerca de 30% do mercado global de suco de laranja e possui clientes como Parmalat, Nestlé e Coca-Cola. Em relação à última empresa, a Cutrale, segundo revela o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, é sua fornecedora exclusiva.
O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR) lembra, em boletim, que a empresa é alvo de cinco processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por liderar um cartel formado por quatro empresas que dominam o setor. As outras três seriam a Citrosuco, do grupo holandês Fischer; a Coinbra-Frutesp, do grupo francês Louis Dreyfus, e a Citrovita, do grupo Votorantim. Trata-se das maiores produtoras de suco do país e respondem por 90% da produção nacional. Entretanto, a Cutrale, sozinha, responde por mais de 60%. Essas quatro indústrias detêm mais de 50 milhões de pés de laranja e, como destaca Dr. Rosinha, impõem seus preços aos demais produtores.
O monopólio, além de padronizar os preços, não permite a geração de empregos. Atualmente, apesar de existirem plantações de laranja por todo o Brasil, "restaram somente os grandes e médios produtores", e "o número de trabalhadores no setor é reduzidíssimo porque as plantas são altamente tecnificadas", revela Umbelino.
Fundada há 40 anos, a Cutrale, conforme explica o geógrafo, sempre agiu de modo a verticalizar a produção. "Ela desenvolveu o processo de monopólio dentro de seu histórico de produção de suco, comprando unidades pequenas e as fechando", conta.
Umbelino lembra que, enquanto havia competição, as indústrias sucocítricas negociavam com seus fornecedores por intermédio do governo estadual. A Cutrale foi ganhando força e provocou a criação de associações de citricultores que a enfrentavam. As organizações racharam e a empresa conseguiu enfraquecer as entidades menores.
Atualmente, segundo o geógrafo, a Cutrale planta 10% de sua produção como forma de garantir sua produção de sucos, no caso de haver possíveis problemas com o fornecimento de laranjas.
Os donos da empresa, que teriam fortuna acumulada equivalente a 5 bilhões de dólares, segundo informações do deputado Dr. Rosinha, são réus em processos por crime de formação de cartel e posse ilegal de armas de fogo. A Cutrale também já foi autuada por causar diversos impactos ambientais.
* Agência Brasil de Fato. Uma visão popular do Brasil e do Mundo
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