Os infiltrados. O camaleão que levou Olívio Dutra à cadeia | |
Duas décadas e meia após o fim do período militar, agentes do governo revelam como se disfarçavam para se misturar aos opositores do regime e vigiá-los. Ao longo da semana o jornal Zero Hora vem publicando uma série de reportagens intitulada “Os infiltrados”. Na edição de hoje, o jornal apresenta o caso do policial federal Telmo Fontoura que passou-se por sindicalista e promoveu a prisão de líderes grevistas. A reportagem é de Carlos Etchichury, Carlos Wagner, Humberto Trezzi e Nilson Mariano e publicado pelo jornal Zero Hora, 03-02-2010. Às 14h15min de quinta-feira, 6 de setembro de 1979, Olívio Dutra sobe ao palco do auditório Araújo Vianna, segura o microfone com a mão direita e desafia a ditadura militar ao falar para cerca de 800 manifestantes: – Ignorando as justas reivindicações dos bancários, os banqueiros, mais uma vez, agem com a contumaz arrogância e insensibilidade aos problemas da classe. A greve tem de ser mantida até a vitória final. Piquetes devem ser organizados em frente aos bancos que continuam funcionando. Menos de uma hora mais tarde, o discurso de Olívio, transcrito num “relatório de missão”, aterrissa na mesa do delegado Carlos Alberto Alves da Costa, responsável pela Delegacia da Ordem Política e Social (Dops) da Polícia Federal no Estado. Às 22h30min, Olívio, presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, é preso, a diretoria da entidade, destituída, e a afronta à ditadura, sufocada. Com Olívio é detido um militante chamado Telmo Fontoura. O líder sindical permanece duas semanas encarcerado. Fontoura, liberado no meio do caminho pelos policiais, volta para casa dos pais. Olívio não sabe, mas Fontoura é um agente infiltrado pelos federais nos bancários. É dele o documento, entregue ao delegado Costa, que revela o teor do discurso de Olívio e determina a detenção do sindicalista. Infiltrado entre os bancários, o policial produzia relatórios, identificava líderes e fotografava “elementos hostis” ao regime. Hoje aposentado, Fontoura, localizado por Zero Hora em São Luís, no Maranhão, revela os bastidores da operação numa das categorias mais politizadas e organizadas do movimento sindical gaúcho. Estudante de Engenharia Mecânica, ele era funcionário do Banrisul em 1978, quando prestou concurso para a PF. Aprovado, hibernou por seis meses na academia da PF no Distrito Federal. Retornou à Capital como o agente Chinês – numa alusão aos olhos miúdos. No primeiro dia de serviço na Superintendência Regional, em Porto Alegre, veio o choque com a realidade. Com os sapatos sobre a mesa, o chefe de Investigação do Dops rosnou ao ver o jovem policial metido numa fatiota, barba feita e cabelo aparado: – Desse jeito, tu não serves para nada, rapaz. Some daqui! Só apareças com os cabelos crescidos e a barba por fazer. Policiais lotados no Dops seguem um padrão no final dos anos 70 que o aspirante desconhece: discursam à Che Guevara, usam bolsa de couro atravessada no tórax, vestem surradas calças jeans, cultivam barba como as de guerrilheiros latino-americanos. Fontoura se tornaria um deles. A Capital arde, em 1979. Motoristas de ônibus ameaçam cruzar os braços. Professores estaduais protestam contra os baixos salários. Operários da construção civil paralisam canteiros de obra. Uma greve dos bancários, setor considerado estratégico pelas Forças Armadas, porém, romperia os limites tolerados pelos militares. É por isso que Fontoura, com o passado de bancário, é incumbido de investigar os ex-colegas em sua missão de estreia. Reeleito presidente do sindicato em 1978, Olívio comanda uma potência. Organizada e saudável financeiramente, a entidade arrecada mais com contribuições de seus sócios do que com o imposto sindical. – Tínhamos uma estrutura própria, com cooperativa de consumo, o que significava uma garantia de abastecimento aos companheiros caso seus salários fossem cortados. Isso nos tornava perigosos – diz Olívio. Bom papo, Fontoura utiliza-se de uma paixão nacional para se aproximar dos alvos e obter informações privilegiadas. – Como eu jogava bola e era matador, tudo ficava mais fácil – detalha. Quando lhe perguntam o motivo do longo afastamento, o agente dissimula: – Eu dava uma volta neles e dizia que estava trabalhando num banco do Interior. A ordem é misturar-se aos bancários, em 1979. Olívio, espionado 21 dias antes de sua prisão, é o alvo. Documento localizado por ZH mostra que o sindicalista foi monitorado em 16 de agosto, em uma assembleia dos operários da construção civil. Um trecho: “Cumprindo sua determinação no sentido de fotografar pessoas estranhas à categoria dos empregados da construção civil em greve, apresento-lhe três fotografias batidas no decorrer das concentrações paredistas dos mesmos operários, nas quais se vê o senhor Olívio Dutra, presidente do Sindicato dos Bancários, dando o seu apoio ao movimento. Tais fotografias foram batidas durante assembleia do dia 16 de agosto, no Estádio dos Eucaliptos”. O informe é assinado pelo autor dos retratos: o agente da PF Gilberto Martins de Oliveira, parceiro de Fontoura na infiltração, morto no Rio de Janeiro em 1982. Entre 16 de agosto e a prisão de Olívio, Telmo visita a sede do sindicato, conversa com ex-colegas, redige informes. – Era fácil. E a gente buscava saber onde Olívio estava e o que ele fazia – conta. Com base nos relatórios, líderes são detidos, e os bancários, desencorajados. Trinta anos mais tarde, Fontoura revela a ZH detalhes da prisão do homem que se tornaria prefeito, governador e ministro: – Não dava para prender o Olívio no meio da multidão. Então, colegas me chamaram para participar da operação. Entraram pela esquerda, em duas caminhonetes veraneio, estacionadas próximo à saída. Eu subi no palco e chamei o Olívio pelo nome. Quando ele veio, o pessoal o prendeu. Fui preso junto, mas liberado pouco depois – recorda. Sem ter desfrutado da intimidade do ex-líder dos bancários, Fontoura se vangloria: – O Olívio me identificou como companheiro. A gente passou a perna neles. Com Olívio, Luis Felipe da Costa Nogueira diretor da entidade, também dorme atrás das grades. Mesmo sem seus expoentes, a greve se mantém. Novos líderes são monitorados, identificados e também punidos com o cárcere. Em 11 de setembro, o camaleão Fontoura volta à carga. Acompanha uma passeata que se estende pelas ruas Dr. Flores, José Montaury, Sete de Setembro, General Câmara, Andradas e Avenida Borges de Medeiros, até chegar à sede da Federação dos Bancários. O que vê e ouve faz parte do “relatório de missão” anexado ao inquérito instaurado para investigar a greve – crime naqueles anos sombrios: “Durante o percurso, os manifestantes gritavam vários slogans e efetuavam paradas em frente às portas dos bancos, agitando várias faixas com dizeres relacionados com a movimentação grevista”. No final, a descrição que culmina em mais duas prisões, aniquilando o inexperiente comando grevista: “Foram batidas várias fotos dos manifestantes que mais se destacavam na passeata, tais como Ana Santa Cruz e Namir Bueno, que, logo após a prisão de Olívio e Luiz Felipe, assumiram a coordenação do comando de greve... A liderança de Ana Santa Cruz e Namir tem se constituído um fator decisivo na manutenção do movimento grevista, já um tanto combalido em razão do gradual esvaziamento”. Às 23h de 12 de setembro, Namir e Ana Santa Cruz são detidos. Milton Mottini, secretário-geral, tenta escapar ao subir na casa de máquinas do prédio da Federação dos Bancários. Despenca por cerca de cinco metros. Com achatamento de vértebras, permanece internado sob a custódia da PF ao longo de duas semanas. Com os líderes encarcerados, os bancários retornaram suas atividades. Fontoura migraria para o movimento estudantil, iria se infiltrar entre os secundaristas e assessoraria a União Metropolitana dos Estudantes (Umespa) |
Carlos Augusto de Araujo Dória, 82 anos, economista, nacionalista, socialista, lulista, budista, gaitista, blogueiro, espírita, membro da Igreja Messiânica, tricolor, anistiado político, ex-empregado da Petrobras. Um defensor da justiça social, da preservação do meio ambiente, da Petrobras e das causas nacionalistas.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
ANOS DE CHUMBO - O "camaleão" que levou Olívio Dutra à cadeia.
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