A Europa está aborrecida com o que parece ser desprezo de Obama pelo continente. O editorial de Le Monde, na edição datada de ontem, começa a expor sua mágoa no título, L'Europe snobée. A última manifestação desse desdém teria sido sua decisão de não comparecer à Conferência de Cúpula Europa-Estados Unidos, convocada por Zapatero, para maio deste ano. Antes disso, registra o jornal, Obama deixou de comparecer às cerimônias do vigésimo aniversário da Queda do Muro de Berlim, data referencial da Guerra Fria. Há indícios de que os Estados Unidos não querem indispor-se com os russos, quando surgem sinais de desentendimento entre Washington e Pequim. Mas o distanciamento parece anteceder as rusgas com os chineses: em junho, lembra o jornal, o presidente esteve um fim de semana com a família em Paris e não fez, como seria de esperar, uma visita cordial a Sarkozy. Em Praga e em Varsóvia, acostumadas à bajulação costumeira de Bush, há o temor de que a Casa Branca esteja abandonando essa nova vanguarda do Ocidente.
Dois parecem ser os problemas principais do presidente dos Estados Unidos: o interno, diante da nova maioria republicana no Senado, da aliança de banqueiros contra seu governo e da queda de popularidade, que já o incomoda. O externo está na indecisão da Europa, incapaz de encontrar direção comum para a defesa de seus interesses no mundo. Zapatero assume a presidência semestral da União Europeia acossado pela crise econômica, maior na Espanha do que no conjunto continental. E como Obama não vai a Madri, Zapatero, como prêmio de consolação, foi convidado para proferir a prece do Café da Manhã Nacional da Oração, ontem, em Washington – uma solenidade patrocinada pelos fundamentalistas mais reacionários dos Estados Unidos, reunidos em uma instituição conhecida como A Família. Enquanto Zapatero citava passagem do Deuteronômio, um grupo de gays, do lado de fora, acusava a instituição protestante de cumplicidade na legislação radical de Uganda, que pune com a prisão e a pena de morte os homossexuais. O discurso-oração de Zapatero centrou-se no problema do trabalho, e não sem razão: seu país é o recordista de desocupação na Europa, com 19% de desempregados.
O presidente dos Estados Unidos, para o bem ou para o mal, é ainda o homem mais poderoso do mundo. É certo que, nos últimos 30 anos, a partir da derrota no Vietnã, a grande república se encontra em decadência. Essa decadência acentuou-se, como previam alguns observadores, com a Queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética: a competição entre as duas maiores sociedades políticas de então era necessária como estímulo a ambas. A globalização neoliberal foi nefasta para todos, como os escândalos de Wall Street, a crise dos derivativos e a roubalheira de Madoff confirmaram. A China começa a erguer-se como grande poder mundial, mas, apesar de sua grande população e extensão geográfica, seus recursos naturais per capita e posição estratégica não lhe permitem, ainda, o confronto com o império americano. Assim, o declínio americano é mais lento do que se esperava.
Para os Estados Unidos, a dependência europeia começa a ser um peso, diante dos novos desafios da política mundial, embora necessitem de seu aval no Oriente Médio. O continente se encontra em momento difícil, e talvez o alheamento de Obama, ainda que temporário, possa ajudá-lo a se entender e assumir o papel político que seu poder cultural e econômico autoriza. De Gaulle já registrara a necessidade da autonomia europeia diante de Washington, e Mário Soares mais de uma vez recomendou que o continente assumisse a responsabilidade de sua própria defesa militar.
O distanciamento do governante dos Estados Unidos pode servir de acicate aos dirigentes europeus, em busca do entendimento interno e do fortalecimento da União. Mas não será fácil. O continente, que já foi conduzido por gigantes como Richelieu, Mazzarino, Napoleão, Metternich, Bismarck, Clemenceau, De Gaulle, Churchill e Willy Brandt, está hoje entregue a personalidades de escassa estatura, como Sarkozy, Angela Merkel, Berlusconi, Zapatero – e Gordon Brown, o sucessor perfeito de Tony Blair, the liar.
Fonte:JB
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