Economia
Paul Krugman
Na semana passada, o Centro para o Progresso Americano, grupo de pensadores ligado à administração Obama, publicou um amargo ensaio sobre a diferença entre os verdadeiros falcões do déficit e os faustosos “pavões do déficit”.
Por Paul Krugman, do The New York Times, na Terra Magazine
Você pode identificar os pavões do déficit, explicaram eles aos leitores, pela forma como fingem que nossos problemas de orçamento podem ser resolvidos com artifícios como um congelamento temporário nos gastos do governo, com exceção dos gastos militares.
Uma semana depois, no discurso do Estado da União, o presidente Obama propôs um congelamento temporário nos gastos do governo, com exceção dos gastos militares.
Espera aí, está piorando. Para justificar o congelamento, Obama usou uma linguagem quase idêntica aos comentários muito ridicularizados feitos no ano passado por John Boehner, o líder da minoria republicana na Câmara. Boehner havia dito: “As famílias americanas estão apertando o cinto, mas não veem o governo apertar o próprio cinto”. Agora, Obama: “As famílias em todo o país estão apertando os cintos e tomando decisões difíceis. O governo federal deve fazer o mesmo”.
O que está acontecendo? A resposta, presumivelmente, é que os conselheiros de Obama acreditaram que ele poderia marcar alguns pontos políticos bancando o pavão do orçamento. Acredito que eles estavam errados, que ele realmente fez mais mal a si próprio do que bem. De qualquer forma, porém, o fato de qualquer pessoa ter pensado que uma ideia política tão estúpida seria politicamente inteligente é uma má notícia, pois é uma indicação da medida em que estamos falhando em lidar com nossos problemas econômicos e fiscais.
É fácil expressar a natureza dos problemas dos Estados Unidos. Estamos colhendo as consequências de uma grave crise financeira, que levou à destruição de empregos em massa. A única coisa que nos impede de deslizar para uma segunda Grande Depressão é o gasto deficitário. E agora precisamos desse gasto deficitário porque milhões de vidas americanas estão sendo arrasadas pelo alto desemprego, e o governo deveria estar fazendo tudo o que pode para atacar o desemprego. No final das contas, porém, até o governo dos Estados Unidos tem de pagar a sua quota. E o panorama do orçamento em longo prazo já era assustador mesmo antes do recente aumento do déficit, principalmente por causa dos inexoravelmente elevados custos da assistência à saúde. Olhando para frente, precisaremos encontrar uma forma de administrar déficits menores, não maiores.
Como resolver esse aparente conflito entre as necessidades de curto prazo e as responsabilidades de longo prazo? Intelectualmente, não é tão difícil. Devemos combinar ações para criar empregos agora com outras ações que reduzam os déficits mais tarde. E os oficiais da economia na administração Obama entendem essa lógica: no ano passado, eles foram muito claros ao indicar que sua visão envolve combinar estímulo fiscal para ajudar a economia agora com a reforma do sistema de saúde para ajudar o orçamento posteriormente.
A triste realidade, porém, é que nosso sistema político não parece capaz de fazer o que é necessário.
Em relação aos empregos, está claro agora que o estímulo de Obama não foi suficientemente grande. Não há, agora, necessidade de resolver a questão sobre se a administração deveria ou poderia ter tentado um pacote mais amplo no início do ano passado. De qualquer forma, o ponto principal é que o impulso proporcionado pelo estímulo começará a arrefecer em torno de seis meses, mais ainda enfrentaremos anos de desemprego em massa. As últimas projeções do Congressional Budget Office, escritório que realiza análises para o Congresso americano, sinalizam que a taxa média de desemprego no próximo ano será apenas um pouco mais baixa do que o atual e desastroso índice de 10%.
Ainda assim, o Congresso é pouco sensível a esforços maiores para criar empregos.
Enquanto isso, a reforma da saúde enfrenta um panorama turbulento. Os democratas do Congresso até podem conseguir aprovar um projeto: caso contrário, estarão cometendo suicídio político. Mas não há dúvida de que os republicanos foram muito bem-sucedidos em satanizar o plano. E, principalmente, o que eles satanizaram com mais eficácia foram os esforços de controle de custos: medidas modestas e absolutamente razoáveis para assegurar que os dólares do Medicare sejam gastos com sensatez tornaram-se os perversos “painéis da morte”.
Portanto, se a reforma da saúde fracassar, você pode esquecer qualquer esforço sério para frear os elevados custos do Medicare. E, mesmo que tenha êxito, muitos políticos terão aprendido uma dura lição: você não ganha nenhum crédito fazendo a coisa fiscalmente responsável. É melhor, para o bem de sua carreira, simplesmente fingir que você é fiscalmente responsável – ou seja, ser um pavão do déficit.
Então, estamos paralisados diante do desemprego em massa e com os gastos de saúde fora de controle. Não culpe Obama. Há tantas coisas que um homem pode fazer, ainda que ele ocupe a Casa Branca. Em vez disso, culpe sua cultura política, uma cultura que recompensa a hipocrisia e a irresponsabilidade em vez de esforços sérios para resolver os problemas americanos. E culpe as manobras legislativas para obstruir votações, com as quais 41 senadores podem tornar o país ingovernável, se assim preferirem – e eles parecem preferir.
Desculpe-me por dizer isso, mas o estado da União – não o discurso, mas a coisa em si – não me parece muito bom.
Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.
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