quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

IRAQUE - Tony Blair no banco dos réus.

Lejeune Mirhan *

Conforme anunciamos em coluna no final de 2009, ocorreu na última sexta-feira, dia 29 de janeiro, o esperado depoimento do ex-primeiro Ministro da Inglaterra, Tony Blair, do Partido Trabalhista Britânico junto à Comissão Chilcot, uma espécie de CPI autorizada pelo parlamento britânico. Desta vez, os jornalões brasileiros deram algum destaque a esse depoimento de mais de seis horas. Este é um assunto relevante da semana. Vamos a ele, portanto.
Recapitulando os fatos

Uma das acuações mais graves que pesam sobre o ex-primeiro Ministro, é a de que ele teria feito diversos acordos secreto com George W. Bush, seguramente o governo mais direitista dos EUA nas últimas cinco décadas. O jornalista e uma espécie de porta voz de Blair, Alistair Campbell afirmou perante a Comissão que Blair teria enviado diversos memorandos e mensagens à Bush, todas secretas, prometendo total apoio da Inglaterra aos ataques unilaterais.

Como sabemos, após os ataques de 11 de setembro de 2001, a popularidade de Bush subiu à estratosfera. Ela se encontrava em baixa e ele era visto como um dos governos mais impopulares no primeiro ano de mandato. O discurso endureceu. A nação vestiu farda e foi á guerra.

No entanto, o CS das Nações Unidas não aprovaria o ataque preventivo ao Iraque. Estava já claro que esse país árabe não tinha e nunca teve arma alguma de destruição em massa e nem tinha sequer algum programa nuclear. Rússia, China e França estavam dispostas a vetar qualquer resolução que viesse a propor a invasão ao Iraque como ocorreu em 1991, dez anos antes. O mundo estava mudando.

Assim, Bush defendeu abertamente o envio de tropas, depois de ter ocupado o Afeganistão em outubro de 2001 para caçar Bin Laden (e até hoje não acharam... e os EUA vêm perdendo a guerra para os guerrilheiros talibãs). Assim Bush, que estava francamente isolado da comunidade internacional, foi buscar apoio no seu mais leal seguidor e subserviente de plantão, Tony Blair. Este havia sido convertido durante seus três mandatos á frente do governo da ex-potência inglesa, em linha auxiliar dos americanos e adepto radical de políticas neoliberais, seguindo o rastro dos governos conservadores de Margareth Thatcher e John Major, que infernizaram o país de 1979 até 1997.

Os britânicos enviaram 45 mil soldados ao Iraque, ficando na periferia do país, ao sul, na parte xiita do país. Quase não tomaram posição na linha de frente dos combates. Ainda assim, 179 soldados perderam suas vidas.

O depoimento e suas consequências

O saldo parcial e pouco confiável é de que morreram pelo menos cem mil iraquianos nesses quase oito anos de ocupação de seu país pelas forças invasoras. Mais de meio milhão de feridos e inválidos. Estima-se em um milhão de deslocados para os países árabes vizinhos. Um verdadeiro transtorno, perdas e danos irreparáveis a essa que um dia já foi uma grande nação árabe, estruturada, com serviços assistenciais modernos e extensivos a toda a população. Temos hoje um Iraque destruído, inseguro, precário, com sua economia destruída e seu petróleo roubado pelos americanos. Um governo fantoche, títere e subserviente aos americanos, fantasiado de “democrático”. Uma farsa apoiada por Tony Blair.

Blair pouco se importou com esses dados que lhe foram mostrados. Reafirmou em seu depoimento que se fosse hoje, faria tudo de novo, mesmo tendo sido comprovada completamente falsa a premissa que levou o governo e o parlamento inglês a aprovar a invasão em conjunto com os EUA. Disse que foi correto o mundo ter-se livrado de Saddam e que hoje, se ele fosse vivo, estaria desenvolvendo armas nucleares e fabricaria as tais armas de destruição em massa. Um verdadeiro depoimento fantasioso e inverossímil. Na porta do local onde ocorreu o depoimento, centenas de manifestantes protestavam contra Blair, ostentando cartazes que diziam “Bliar”, uma unificação de palavra que lembram seu nome e mentiroso em inglês.

Mesmo sabendo que a comissão não tem os poderes que no Brasil uma CPI tem, de indiciar e incriminar, os depoimentos e suas conclusões vão colocar em embaraços profundos os principais líderes trabalhistas ingleses. Eleições gerais estão marcadas para junho e os conservadores de direita estão dez pontos percentuais à frente do PTI nas intenções de votos. Na prática e objetivamente, tanto o depoimento de Blair, como o governo neoliberal e desastroso dos trabalhistas, com Gordon Brown à frente, coloca como francamente favorito nas eleições a extrema direita. Não se tem alternativas à esquerda na Inglaterra, infelizmente.

Mas pior do que isso. Além de Blair não se arrepender de nada do que fez há oito anos, das mortes dos soldados ingleses e dos iraquianos, de não pedir perdão pelos seus erros, ele ainda aproveitou sua exposição na mídia para fazer propaganda contra o governo democraticamente eleito do Irã e pedir uma “dura ação” contra esse país islâmico, que ele insiste em dizer que esta desenvolvendo a bomba atômica e que apoia grupos terroristas. Ambas as acusações são frontalmente negadas pelo governo iraniano.

O jornalista Martin Kettle, do The Guardian (www.guardian.co.uk), indaga os motivos que levaram Blair a cometer o erro de entrar na guerra. Ele afirma que o erro estratégico de Blair foi mesmo a aliança com Bush. Como sabemos, os padrões de seriedade do jornalismo inglês são muito melhores do que o estadunidense e anos luz de distância dos nossos tupiniquins (1).

Ele levanta dois questionamentos, duas indagações, duas perguntas que não vê uma resposta clara. A primeira delas ele pergunta como e porque um governo que ele considera de “centro-esquerda”, acabou se envolvendo com um governo direitista como o de Bush e de forma tão subserviente. A segunda pergunta é como um governo trabalhista, considerado progressista para os padrões do jornalismo inglês, jogou tudo fora em uma aventura de tamanha dimensão como o envolvimento nessa guerra sem sentido algum. Ele diz que as pistas do erro foi mesmo o envolvimento com um governo que chama de tóxico e sem dignidade alguma como foi o de Bush. Santa ingenuidade. Como se dissesse que se o governo americano fosse mais “digno”, digamos assim, o ataque ao Iraque teria sido justificável.

Entendo que a Inglaterra vai, a cada dia, perdendo espaço no cenário internacional. Uma nação decadente, que vai deixando de jogar papel. Seu estado nacional vai ficando cada vez mais enfraquecido, sem dar respostas claras aos graves problemas de seu povo e subordinado às grandes corporações. Por isso, um aliado de segunda classe do imperialismo norte-americano. A espera de mudanças profundas na sua política e em seu governo. Um dia, esperamos, mais à esquerda. Hoje isso não esta dado.

Uma nota final

Não poderia deixar passar em branco uma notícia que não teve o destaque merecido na imprensa nativa e internacional. Os EUA, num claro abandono da política soft adotada por Obama, posicionou diversos navios no Golfo Pérsico-Arábico portadores de dispositivos antimísseis para eventualmente prevenir e interceptar ataques que o Irã poderia desferir contra Israel. As baterias desses navios, seus mísseis e aviões estão prontos para atacar a nação islâmica do Irã.

Lamentavelmente, Obama abandona a retórica de negociação, de diálogo com os muçulmanos e em ano apenas de governo, completados semana passada, passa a uma campanha de militarização e uma escalada de envio de tropas ao Afeganistão, Paquistão e Iraque. Amplia as bases militares na América Central e do Sul, cerca a Venezuela, joga por terra seu discurso pacifista, sua mão estendida ao Islã enquanto religião de 1,2 bilhão de seguidores.

Não acho que um ataque ao Irã esteja na iminência de ocorrer, mas a prática cada vez mais belicista de Obama e seu governo devem colocar em alerta patriotas e democratas de todo o mundo, os verdadeiros lutadores da paz e da luta antiimperialista e prontos a desencadear amplas campanhas de solidariedade ao povo iraniano.


Nota

(1) Ver artigo de 30 de janeiro no Estadão na página A14.

Blair, aliado incondicional do direitista Bush

Blair, aliado incondicional do direitista Bush

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* Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, escritor, arabista e professor. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association.

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