domingo, 14 de fevereiro de 2010

MEIO AMBIENTE - Mercado de carbono.

Para sociólogo peruano, mercado de carbono é coisa de "urubus doentios"

Roberto Espinoza afirma que empresas interessadas em fazer dinheiro com o aquecimento global devem ser combatidas, assim como o conceito de modernidade baseado na exploração de recursos da natureza. Ele faz ainda críticas à ação da Petrobras e do BNDES no Peru

Por: João Peres, Rede Brasil Atual



Para sociólogo peruano, mercado de carbono é coisa de "urubus doentios"

A Cordilheira Branca, no centro do Peru, é um dos pontos ameaçados pelo aquecimento global (Foto: Rede Brasil Atual)

O sociólogo peruano Roberto Espinoza considera que a era da diplomacia acabou em Copenhague, em dezembro último, quando uma centena de chefes de Estado debateu durante dias as saídas para combater o aquecimento global. Para ele, o fracasso nas negociações colocou em xeque o sistema das Nações Unidas e é inaceitável buscar amenizar os problemas sem combater o padrão de desenvolvimento econômico moderno, calcado sobre a exploração de recursos naturais.

Espinoza avalia que, desse modo, abre-se caminho para transformar as adaptações em negócio. "São como urubus doentios que querem fazer dinheiro com isso. Precisamos detê-los, pará-los", clama.

Ele ainda critica a ação de empresas estatais brasileiras como a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por financiar e realizar obras com graves danos ambientais e sociais. O ativista cita concessões de exploração de petróleo em um parque nacional e próximo a reservas indígenas obtidas pela Petrobras como exemplos disso.

Espinoza critica ainda a ênfase do governo brasileiro no desenvolvimento da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) com grandes obras de infraestrutura viária. "O que estamos pedindo é que se suspenda este projeto enorme para converter o Brasil em uma potência subimperialista e que cada projeto seja reorientada com base na consulta às comunidades", defende.

Confira a seguir a conversa com a reportagem durante a primeira semana do Fórum Social Mundial deste ano, em Porto Alegre.

RBA – Teremos dois eventos na Bolívia com foco na crise civilizatória. Gostaria que o senhor explicasse a questão.

Estamos em uma articulação sobre o tema da crise de civilização hegemônica e paradigmas alternativos. É bom deixar claro que não tem nada a ver com as teorias de choque de civilização. A crise é muito profunda e vai além do problema financeiro ou do capitalismo entendido como modo de produção. É uma crise cultural, de valores, energética etc.

E também devemos ver que algumas experiências chamadas socialistas do século passado cometeram o mesmo erro. Então, precisamos delinear o problema em um marco mais amplo, que é o da modernidade. Modernidade com sua outra cara colonial, pois não mudou.

O que vamos debater são três eixos: descolonização de poder, onde está toda a reflexão sobre a radicalização da democracia, Estados comunitários, governos plurinacionais, autogovernos comunitários; desmercantilização da vida, que é uma crítica ao modelo de desenvolvimento como uma armadilha que nos leva a muita desigualdade, o debate sobre o Bem Viver, o "des-desenvolvimento"; e, por fim, todo o tema das subjetividades, as mentalidades que têm a ver com racismo, patriarcalismo e eurocentrismo.

Então, é uma integralidade de assuntos conectados e isso será no fim de outubro em Cochabamba. Para abril, Evo Morales convocou uma "cúpula sobre a Mãe Terra."

RBA – Evo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador tratam as comunidades indígenas de seus países de modo diferente do que ocorria antes. Como se desenvolve a relação entre o Estado e a "Mãe Terra" nesses governos?

No governo equatoriano, há avanços importantes em termos de artigos constitucionais. Por exemplo, o tema do sumak kausay, que é o Bem Viver. No entanto, há uma não-aplicação, uma incoerência. Procederam ao processo de privatização da água e favoreceram novas concessões mineiras. Há uma aberta contradição que levou à mobilização dos povos indígenas e vemos que não se tratam apenas de declarações, mas de implicações práticas e de coerência.

No caso da Bolívia, há uma grande mobilização de povos indígenas depois das reformas constitucionais, a reeleição de Evo Morales. E agora se discute a legislação sobre o tema das autonomias dos territórios. Espera-se que esses princípios se traduzam em políticas públicas efetivas.

RBA – Por que a esquerda levou tanto tempo em dar-se conta do tema do Bem Viver? E a direita, por que ainda não se deu conta?

Havia um pensamento que assinalava que a natureza era força produtiva. Um pensamento clássico, ortodoxo, muito dogmático de considerar essa força produtiva em contraposição às forças sociais. Existiu mesmo uma simpatia à atitude de domínio da ciência sobre a natureza, uma exagerada vontade de poder.

A ideia de dominar o Estado pode ter sido com a boa intenção de ajudar os pobres, mas foram tragados pela máquina do poder. Então, a esquerda chegou ao poder, mas não mudou a sociedade.

A proposta é o inverso: primeiro precisa mudar a sociedade para depois chegar ao poder. Não houve um balanço de todas essas autocríticas necessárias, que já existem, mas ainda demoram. A dificuldade de deixar atrás esse pensamento do passado é grande. É um debate que segue enquanto o tempo não se detenha e os povos “da cor da terra”, como se dizia, continuem seus caminhos e vão desenvolvendo novas teorias.

Espinoza
Para Roberto Espinoza, mais que romper com o capitalismo, é preciso dar fim às ideias formuladas na modernidade
RBA – Por que a atuação das empresas brasileiras na América do Sul é alvo de críticas de movimentos indígenas de países latino-americanos?

Atualmente, a Petrobras está em dois lotes petroleiros no Peru. Receberam a concessão sabendo que estão prejudicando povos indígenas e áreas protegidas. No norte, na fronteira trinacional Colômbia, Equador e Peru, há duas reservas comunais e um parque nacional. Então, por que a Petrobras, sabendo que há problemas, insiste em prejudicar esses povos?

O outro caso é mais ao centro, na fronteira entre Brasil e Peru, onde há uma reserva de um povo em isolamento voluntário. Qualquer aproximação, a três ou quatro quilômetros desses povos, é deixar vírus, micróbios que qualquer ser humano tem. Fala-se do Brasil com uma cara simpática. Não façam o contrário no Peru.

Por outra parte, há a Iirsa, que significa US$ 70 bilhões em 520 projetos que vão atravessar – e destroçar – os bosques, a cordilheira andina, o Pantanal, a Amazônia, para levar mercadorias do Atlântico brasileiro ao Pacífico para economizar o custo de ter de usar o Canal do Panamá.

Ora, nenhuma das comunidades pediu isso. Por que é secreto? Por que o povo do Brasil não conhece a Iirsa? Isso é financiado pelo Estado do Brasil, pelo BNDES e – que ironia ou também esquizofrenia – Lula continua o que começou Fernando Henrique Cardoso. Há diferenças ou não entre os dois partidos? É claro que há diferenças, mas deve haver coerência. E a Iirsa é um programa que quer se esconder sob a necessidade de que as pessoas precisam de estradas.

Precisam, mas podem ser feitas de muitas maneiras, destroçando tudo ou ter mais cuidado. O que estamos pedindo é que se suspenda este projeto enorme para converter o Brasil em uma potência subimperialista e que cada projeto seja reorientada com base na consulta às comunidades.

Há, por fim, um exemplo terrível no Peru. Uma hidrelétrica em uma zona muito delicada, uma selva alta onde nascem os rios que vão por Madre de Dios e chegam ao Brasil pelo Acre. Aí querem represar 46 mil hectares, remover 8 mil habitantes. Como dizemos no Peru, é um negócio a três dentes.

Ganha o BNDES, emprestando US$ 2,2 milhões para uma hidrelétrica que não foi solicitada pelo povo. Ganham as empresas construtoras, que são brasileiras. E a energia vai para São Paulo, ficando uma ínfima quantidade para o Peru que, por sua vez, fica com o desmatamento, que contribui para o aquecimento global.

As pessoas pressionam para que, antes que façam o relatório de impacto ambiental, assinem a compensação. É algo ridículo, faz parte de um desenvolvimentismo muito danoso, tradicional, que requer uma reavaliação muito forte. E o povo brasileiro, que é progressista, não pode ser desinformado.

RBA – Que importância as geleiras – ou glaciares – como a Cordilheira Branca, no Peru, e o Monte Illimani, na Bolívia, têm para os povos andinos?

Os nevados são as fontes de água. Daí se formam os rios da parte andina, que terminam na Amazônia. Ou seja, a destruição de um glaciar afeta o Brasil. Não será amanhã, mas de alguma maneira já começou.

Na Cordilheira Branca, que é o segundo lugar turístico mais importante do Peru, há o nevado Pastoruri, que alimentava os rios. E agora já não existe. Isso ocorre pelo aquecimento global, produto das emissões de gases do Norte. Não é pelo que fez o Peru, embora a burguesia peruana agravou tudo isso colocando empresas mineiras que seguem destruindo.

Então, já não se pode esperar mais. O que quer o mundo? Que se destruam mais glaciares? Que São Paulo seja novamente inundada? Já não podemos falar em esperar 10 ou 15 anos, está acontecendo agora. Devemos falar em deter, e não em nos adaptar à mudança climática. Porque pode se transformar no negócio da adaptação. Estão falando em sementes transgênicas adaptadas à mudança climática, mercados de carbono. São como urubus doentios que querem fazer dinheiro com isso. Precisamos detê-los.

A fase da diplomacia acabou em Copenhague, em um fracasso total. É a hora dos povos do mundo que sentem que a vida se esvai. Temos responsabilidade com nossos filhos, netos, bisnetos, tataranetos.

Fonte:Rede Brasil Atual.

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