quinta-feira, 17 de julho de 2008

COLÔMBIA - Mudanças estão bloqueadas e os movimentos na defensiva.

"Tenho a impressão que o Império sabe que o ponto mais alto da esquerda no continente já passou e que de agora em diante as mudanças estão bloqueadas e os movimentos na defensiva", avalia Raúl Zibechi que, em entrevista ao Brasil de Fato, analisa o impacto da libertação de prisioneiros das Farc para a América Latina

Tatiana Merlino

da Redação


O maior triunfo do imperialismo estadunidense e do presidente colombiano Álvaro Uribe. Assim o jornalista uruguaio Raúl Zibechi define a libertação da ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt e de outros 14 prisioneiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), realizado no dia 2. Com o sucesso da operação militar comandada pelo governo de Uribe, as chances de um acordo humanitário com a guerrilha se extinguiram, acredita Zibechi. “Não há o menor interesse por parte dos EUA e do Uribe em negociar. A mensagem é clara: nem que se rendam salvarão suas vidas”.


Em entrevista, o jornalista afirma que o avanço da direita na América Latina - Uribe recebeu 91% de aprovação dos colombianos após o resgate - significa “mais tensão, mais polarização, mais poder do imperialismo para isolar os presidentes Rafael Correa (Equador), Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia)”.


Brasil de Fato - Qual é o impacto da libertação de Ingrid Betancourt na correlação de forças da política latino-americana?

Raúl Zibechi - Negativo para as esquerdas e os movimentos sociais, porque consolida o Plano Colômbia. Se trata do maior triunfo do imperialismo dos EUA e do governo de Álvaro Uribe. A estratégia consiste em isolar as Farc nas fronteiras da Venezuela e Equador e, a partir de lá, utilizá-las como desculpa para desestabilizar esses governos. Isso já acontece há algum tempo na fronteira venezuelana e equatoriana, como se pôde ver no dia 1º de março, quando houve o ataque ao acampamento onde estava Raúl Reyes. A guerra se converteu na principal forma de acumulação do capitalismo. Assim, o Plano Colômbia não é uma forma de combater nem a guerrilha nem o narcotráfico, mas sim um meio para aprofundar o controle territorial e desocupar zonas inteiras para abrir negócios para as transnacionais, para as mineradoras e para a produção de agrocombustíveis.


A defesa de uma estratégia de negociação está descartada agora que operação de Uribe teve sucesso?

Não há o menor interesse por parte dos EUA e do Uribe em negociar. A mensagem é clara: nem que se rendam salvarão suas vidas. É o modo de forçá-los a seguir com a guerra, porque a guerra é um negócio do império, como disse Chávez, e também Ingrid Betancourt. Agora, com o resgate desses seqüestrados, a guerrilha já não tem a seu favor a pressão internacional para um acordo humanitário.


O presidente da Colômbia deve continuar isolado na América Latina por sua proximidade com os Estados Unidos ou vai ter apoio do Brasil, como vem sendo sugerido pelos estadunidenses?

Já está em marcha uma negociação com a Venezuela, porque o melhor é baixar a tensão política e militar. Convém, tanto para a Colômbia que tem uma situação econômica delicada e necessita retomar suas exportações, quanto para o governo bolivariano que enfrenta eleições nos próximos meses. Sobre o Brasil, é muito difícil saber, porque o Itamaraty se movimenta secretamente com muita cautela. Mas tudo indica que, ainda que sem o apoio direto, o governo Lula irá jogar com a negociação e integrar a Colômbia na Unasul [União de Nações Sul-Americanas] e no Conselho de Segurança Sul-Americano.


O que significa uma Colômbia mais de direita (Uribe atingiu 91% de aprovação após o resgate) nesse contexto latino-americano?

Significa mais tensão, mais polarização, mais poder do imperialismo para isolar Correa, Chávez e Morales. E, sobretudo, é uma importante porta de entrada do capital financeiro que busca novos negócios ante a crise nos países centrais.


Uribe conseguiu aprovar seu segundo mandato por meio da compra de votos de uma congressista que hoje está na prisão. Ou seja, esse mandato já é ilegítimo e agora ele pretende recorrer a uma reforma constitucional para alcançar o terceiro. O resgate favorece essa tentativa?

Totalmente. A opinião pública está com Uribe agora mais do que nunca. Será muito difícil frear uma nova reeleição, porque nem a esquerda do Pólo Democrático nem os movimentos sociais têm capacidade para enfrentá-lo nesse terreno. Ademais, depende muito de suas relações com a Corte de Justiça, que agora parecem mais simples que antes da libertação dos seqüestrados.


Quando Chávez tentou ampliar as possibilidade de se recandidatar houve muitas críticas. Por que o mesmo não aconteceu com Uribe?

Se diz que Uribe é uma conseqüência das Farc, e isso é apenas parcialmente correto. Uribe depende de Washington, mas sobretudo do Comando Sul, e só eles podem decidir se vale a pena arriscar-se a um terceiro mandato ou se preferem optar por um outro candidato para praticar um uribismo sem Uribe. O mais inteligente poderia ser aceitar a candidatura de Ingrid Betancourt, porque ajudaria a limpar o Estado de corruptos e lhe daria mais legitimidade. Mas aí o principal problema é interno, porque o poder da burguesia mafiosa e do Estado mafioso - que criaram um capitalismo criminal - é muito forte.


O resgate pode significar uma vitória da política "antiterrorista" dos EUA?

Sim, pode significar uma vitória da política dos EUA, se se admite que foi provocada também por erros estratégicos das Farc. Nos anos 1990, eles acreditaram que podiam tomar o poder pelas armas e depreciaram as negociações com o governo de (Andrés) Pastrana. Em tal momento, poderiam haver negociado a paz, entregado as armas e renunciado à luta armada. Teria havido um custo em vidas muito alto, porque, como bem disse Fidel, nos últimos 50 anos os que fizeram a paz não sobreviveram. No entanto, se assim fosse, mesmo a custo de vidas, haveria mais força social e política para frear o imperialismo estadunidense.


O que isso pode representar em termos de presença (política, econômica, militar) dos EUA no continente?

Não há dúvidas de que a presença dos EUA cresce, sobretudo no terreno militar com a reativação da 4ª Frota e com a mudança que significou o Plano Colômbia. Nos anos 1990, a Colômbia tinha forças armadas de capacidade média, mas hoje são a segunda do continente e o nível do exército de terra tem uma capacidade operativa não muito distante da do Brasil. Só isso significa uma grande mudança na relação de forças da escala regional.


Como analisa as recentes declarações de Chávez contra as Farc após o resgate dos reféns elogiando Uribe? O que isso representa?

Chávez faz uma leitura correta sobre os planos imperiais. Fidel veio a público dizer algo semelhante. É preciso isolar os Estados Unidos e a Colômbia e o melhor é fazê-lo por via política e diplomática. Há quem, como (James) Petras, respondem com um discurso ideológico dizendo que isso é algo como uma traição. Mas esse é um bom debate para os acadêmicos do Norte, porque aqui na América do Sul o decisivo é manter as forças de mudança social, evitar que a guerra siga avançando e frear a polarização.


Como avalia o encontro de Chávez com Uribe, ocorrido no dia 12, quando Chávez disse que se deu o início de "uma nova etapa" nas relações entre os dois países? Que nova etapa é essa? Convém à Venezuela dirimir a crise com a Colombia?

No conflito, a parte mais fraca é a Venezuela, para quem a guerra não convém. Sua economia é muito mais frágil, sobretudo na produção e suprimento de alimentos básicos, e Chávez tem muitos problemas internos. Sua própria base social, mais ou menos a metade dos chavistas tem muitas diferenças com seu estilo de governo. Ele perdeu muitos votos, apoio, e tem muita urgência em recompor seu próprio campo. A situação interna não é boa. No referendo de dezembro, metade das pessoas que votou, havia votado em Chávez um ano antes. Ele sabe que precisa de tempo e calma para recompor as relações entre o governo e os setores populares. E isso ele pode conseguir com um acordo para melhorar as relações com Uribe.


Pode se atribuir essa "trégua" de Chávez com a Colômbia pelo fato de 17% das exportações da Colômbia irem para a Venezuela?

Sim, mas, além disso a Venezuela precisa importar, porque não produz o suficiente e há o desabastecimento. Mas não se pode fazer apenas uma leitura econômica, há uma análise política que diz que a tensão gerada entre ambos países desde o 1º de março, quando Reyes foi morto, beneficiou Uribe e prejudicou Chávez. Essa é a lógica da guerra, em que sempre ganham os imperialistas e os projetos de mudança se enfraquecem.


É possível dizer que a "vitória" política de Uribe, a ofensiva do setor agroexportador na Argentina, a crise na Bolívia e, voltando um pouco ao passado, a derrota de Chávez no referendo constitucional de dezembro de de 2007 demonstram um fortalecimento da direita no continente, depois de seu enfraquecimento na primeira metade do século?

Totalmente. Ali unem-se erros como o de Chávez, ao convocar um referendo desnecessário, com uma nova tática de desestabilização como a que praticam na Argentina e Bolívia, onde as empresas transnacionais jogam um papel relevante.


O início do governo de Fernando Lugo no Paraguai tem algum potencial para alterar essa correlação de forças na América do Sul?

Simpatizo muito com Lugo, mas o Paraguai tem pouco peso internacional e, sobretudo, tem apenas dois parlamentares em mais de cem, o que o leva a formar um governo de centro, que pende para o lado dos liberais, que não são muito diferentes dos colorados. Acredito que no Paraguai não haverá grandes mudanças, além da enorme mudança que é o fato do partido da ditadura não governar mais.


A posição do Brasil como mediador dos conflitos na América do Sul está em disputa entre a direita, simbolizada por Colômbia (com suporte dos EUA) e a esquerda, representada pela Venezuela. O resgate pode fazer com que o Brasil tenda mais para o lado da direita? Como o senhor enxerga o papel do Brasil hoje?

A política externa de Lula tem sido mais interessante que sua política interna. Mas é muito mais pragmática e coloca em primeiro lugar o papel das grandes empresas brasileiras, como Petrobras, Odebrecht, Camargo Corrêa e bancos como Itaú. A diplomacia está muito a serviço dos negócios, como pôde se ver no caso da IIRSA [Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana]. O papel do Brasil vem sendo de estabilizar a região e para isso, busca aliar-se com Uribe, mas também com Alan Garcia, do Perú. Não acredito que se pode dizer que o Brasil irá para a direita ou esquerda, porque é uma política de Estado que não mudou muito desde os tempos de FHC que foi o criador da IIRSA, o maior projeto estratégico do Brasil global player. Por outro lado, a grande interrogação é o que vai acontecer depois de 2010, quando Lula não estiver mais no governo. Tenho a impressão que o Império sabe que o ponto mais alto da esquerda no continente já passou e que de agora em diante as mudanças estão bloqueadas e os movimentos na defensiva.


Pode se dizer que Morales, Chávez e Correa saem debilitados nesse momento?

Sim, mas por razões diferentes. O caso de Evo é o mais particular, porque não depende diretamente da conjuntura em torno da guerra na Colômbia. Veremos o que vai acontecer em agosto no referendo revogatório, que muito provavelmente será ganho com ampla margem. Haverá um respiro, mas o problema é mais estratégico e se relaciona com um projeto de mudanças de grande duração, que não pode ser reduzido a um, dois ou três países enquanto os maiores, como o Brasil, seguem aprofundando o neoliberalismo. Ali há uma responsabilidade coletiva. No Uruguai, Argentina, Brasil e no Paraguai há monocultivo de soja, que não foi escolhido por nossos povos, mas sim pelas transnacionais com o apoio de nossos governos. Agora, essa política, como mostra a Argentina, se volta contra os setores populares. Podemos dizer que a direita é culpada, mas a esquerda no governo não é inocente, já que colocou um tapete vermelho para a direita passar.


QUEM É

Jornalista, comentarista e escritor uruguaio, Raúl Zibechi é responsável pela seção internacional do semanário Brecha, editado em Montevidéu. É docente e pesquisador no Instituto Multiversidade Franciscana da América Latina e assessor de grupos sociais. É também analista consultor do Programa de las Americas del International Relations Center. Em 2003, recebeu o Premio Latino-americano de Jornalismo José Marti. É autor de vários livros sobre movimentos sociais. Fonte: Blog Brasil de Fato.

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