sexta-feira, 7 de novembro de 2008

REFLEXÕES DE OUTUBRO.

José Luis Fiori

`Nós decidimos tomar medidas decisivas e utilizar todos os instrumentos à nossa disposição para sustentar as instituições financeiras que tenham importância sistêmica e impedir que elas possam falir.` - Plano de Ação do G7, Washington, 10/10/2008.

Na segunda-feira, dia 13 de outubro de 2008, o mundo amanheceu em silêncio e ficou em suspense, durante quase todo o dia, à espera do que seria uma espécie de `duelo final` entre o poder político e os mercados, que estaria se travando nos principais centros financeiros do mundo. No final do dia, entretanto, os primeiros sinais já indicavam que não houve duelo e que o poder político havia imposto sua autoridade sobre os `mercados financeiros`. Depois de uma semana de pânico, entre os dias 5 e 12 de outubro, em poucas horas os governos das principais economias do mundo conseguiram formular um `plano comum` de intervenção massiva e estatização parcial dos seus sistemas financeiros, que cumpriu com o seu objetivo imediato de estancamento de `sangria` e estabilização do cambio. Quem quis, pode ver e aprender, naqueles dias, que existe uma relação essencial e expansiva entre o poder político e o capital financeiro, e que apesar de tudo o que foi dito e repetido nestes últimos anos, o poder político tem uma precedência hierárquica e dinâmica, com relação aos mercados e ao capital financeiro. Ou seja: o poder e a riqueza capitalista se expandem juntos, mas o poder político é uma condição essencial, permanente e dinâmica dos mercados e do capital financeiro. Neste sentido, é interessante observar que o plano de nacionalização dos principais sistemas financeiros do mundo tenha sido formulado pela Inglaterra, com base na experiência da Holanda e antes de ser aceito pelos EUA e pela UE. Logo a Inglaterra e a Holanda, as duas potências marítimas e econômicas que teriam estado na origem do `capitalismo liberal` e na defesa permanente do laissez-faire. Nas semanas seguintes, depois do dia 13/10, a própria evolução da crise foi dando maior transparência à uma outra relação que costuma embaralhar a análise dos economistas: entre a moeda estatal e as infinitas moedas privadas e financeiras que coexistem dentro de um mesmo sistema econômico nacional e internacional. Permitindo separar a crise do `mercado financeiro do mundo`, que se estabeleceu nos EUA depois de 1980, de uma crise eventual do dólar e da hegemonia monetária dos EUA que ainda não aconteceu. E foi esta a estratégia que o governo americano adotou no campo internacional buscando sustentar a confiança e a centralidade mundial do dólar. Durante todo o mês de outubro, os EUA mantiveram uma comunicação e uma coordenação com os governos e os BCs do Japão e da China - os maiores detentores mundiais de obrigações do Estado americano -, sendo que no caso da China, em particular, estabeleceu-se uma verdadeira parceira estratégica com o Tesouro americano, na defesa do dólar, e dos interesses financeiros comuns dos dois países. Na mesma linha de atuação, depois do dia 13/10, o banco central americano, Fed, tomou a iniciativa e fechou acordos para garantir liquidez em dólares dos BCs da Austrália, Canadá, Dinamarca, Inglaterra, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Suécia, Suíça, e com o próprio Banco Central Europeu. Logo depois, no dia 29 de outubro, o Fed ofereceu as mesmas facilidades e condições e mais uma linha de US$ 30 bilhões, para cada um dos BCs, do Brasil, México, Coréia do Sul e Cingapura. No mesmo dia em que o FMI anunciou, em acordo com o governo americano, a criação de uma nova linha de crédito sem condicionalidades, para países em desenvolvimento que estejam sofrendo os efeitos da crise e que mantenham políticas econômicas `sadias`. Ao lado dos programas tradicionais de ajuda do FMI que vem sendo negociados neste momento com os governos de quase todos os países da Europa Central, além da Islândia, Turquia, Paquistão e outros prováveis candidatos do sudeste asiático. Ou seja: em poucas semanas, depois do dia 13 de outubro, o Tesouro americano e o Federal Reserve, junto com o FMI, tomaram a iniciativa dentro e fora dos Estados Unidos e passaram a atuar de forma agressiva, coordenada e global, para sustentar a estabilidade e a centralidade do dólar. Não há sinais de que os EUA estejam perdendo seu poder e sua capacidade de coordenação monetário-financeira, dentro da economia mundial.

Por isto se pode dizer - com razoável grau de segurança - que os problemas sistêmicos provocados pela crise financeira, deverão vir de outro lado, e eles já estavam se anunciado, nos últimos dias do mês de outubro. Até então, a intervenção das grandes potências manteve em funcionamento as funções básicas do sistema (como se fosse cérebro, coração e pulmão) , mas não teve como impedir o efeito contágio da crise, que já passou das finanças para o crédito, e deve atingir a produção, o emprego e as exportações de todo mundo, e de forma muito mais grave, no caso dos países menos desenvolvidos e com menor capacidade autônoma de socorrer seus próprios bancos e produtores. Todos organismos internacionais estão prevendo quedas acentuadas da produção, dos preços e das exportações. E a OIT está prevendo um aumento imediato de 10% do desemprego mundial, mais concentrado nas regiões mais pobres do mundo. Nestas regiões, deve se prever um processo complicado de desintegração social e política, e o mais provável é que voltem à ordem do dia as revoltas e revoluções sociais. Elas não serão socialistas nem proletárias, mas adquirirão maior intensidade e violência nos territórios situados em `zonas de fratura` ou de disputas e conflitos geopolíticos crônicos. Isto poderá ocorrer em vários pontos da Europa do Leste e em alguns países da Ásia Central, e poderá assumir uma forma dramática no continente africano, sobretudo se esta regressão econômica e social coincidir com uma nova corrida imperialista sobre a África, que pode ser uma prolongação muito provável da crise atual.
Fonte:AEPET.

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