sábado, 6 de fevereiro de 2010

ANOS DE CHUMBO - Os infiltrados.


Os infiltrados

Duas décadas e meia após o fim do período militar, agentes do governo revelam como se disfarçavam para se misturar aos opositores do regime e vigiá-los.

A reportagem é de Carlos Etchichury, Carlos Wagner, Humberto Trezzi e Nilson Mariano e publicada pelo jornal Zero Hora, 31-01-2010

A mão que alcançava a cuia de chimarrão no acampamento de colonos sem terra à beira da estrada não simpatizava com a causa da reforma agrária. Parecia confiável aos agricultores, irmanados em torno do ritual de sorver a erva-mate, mas tinha outra missão. Era servidora disfarçada dos aparelhos de inteligência do governo.

O mesmo acontecia nas passeatas de protesto dos estudantes, nas assembleias dos sindicatos que tramavam greves, nas reuniões de políticos exilados pelo regime militar de 1964, entre os grupos guerrilheiros que pegaram em armas. Uma das táticas do governo, para simples espionagem ou mesmo neutralizar os que considerava inimigos, foi espalhar agentes infiltrados entre os oposicionistas.

Escalados para ser os olhos e os ouvidos do governo, os infiltrados agiram com a convicção de que prestavam serviços ao país. Expuseram-se a riscos, por acreditar que estavam do lado certo.

O mimetismo deles foi tão perfeito que rendeu cenas improváveis. Na noite de 6 de setembro de 1979, o então presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, Olívio Dutra, foi preso na companhia de Chinês, um dos grevistas presentes à assembleia da categoria no Auditório Araújo Vianna.

Levado numa caminhonete Veraneio, Olívio padeceu 14 dias no xadrez da Superintendência Regional da Polícia Federal da Capital. Chinês era na verdade o codinome de um infiltrado –Telmo Fontoura, um policial federal –, que nem chegou à PF. Desembarcou no meio do caminho e dormiu na casa dos pais.

A exímia dissimulação dos infiltrados convencia até os mais desconfiados. Marco Pollo Giordani, um estudante de Direito cabeludo e barbudo – como recomendava o figurino de rebeldia na época –, jogava bolinhas de gude sob os cascos dos cavalos dos policiais militares, durante as manifestações, para desequilibrá-los. Ninguém suspeitava sua verdadeira profissão: tenente do DOI-Codi (Destacamento de Operações Internas – Centro de Operações de Defesa Interna), do Exército.

A rede clandestina de infiltração, comandada pelo Sistema Nacional de Informações (SNI), mapeava o funcionamento dos movimentos de esquerda, apontava endereços e delatava os líderes. Os infiltrados também urdiam intrigas, açulavam os ânimos dos militantes, sabotavam planos, tudo para desestabilizar as entidades que espionavam.

Protegidos pelo anonimato, uma das garantias pétreas da atividade, eles saem das sombras exatos 25 anos após a redemocratização do Brasil.

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