Eu, também como membro da geração de 68, onde acima de tudo tínhamos nossas utopias, me emocionei ao ouvir a declaração da Dilma no Senado, acerca do seu passado de militante política.
O artigo a seguir, é de alguém que militou com a nossa Ministra.
Mauricio Dias David, economista do BNDES, é o vice presidente do Centro de Estudos para o Desenvolvimento-CED, do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. Doutor em Economia pela Universidade de Paris-Sorbonne, esteve exilado no Chile e na Suécia entre 1969 e 1979. Ele é um dos fundadores do PDT juntamente com Brizola, participou posteriomente da fundação do PSDB quando este partido ainda se reivindicava como vinculado aos ideais históricos da social-democracia. Rompeu com este partido quando da sua chegada ao poder. Foi assessor econômico do candidato Ciro Gomes na campanha presidencial de 2002.
Leia o artigo de Mauricio Dias David:
A Dilma que eu conheço
A ministra Dilma Rousseff e eu somos da mesma geração e idade. Despertamos para a luta política ainda em nossa adolescência e crescemos no combate à ditadura militar. Pagamos ambos um alto preço por isto, com prisões nas masmorras da ditadura, violências e torturas por defender a democracia. Tínhamos visões diferentes sobre como encontrar uma saída para aqueles anos de chumbo, mas isto é história. História do Brasil, com H e B maiúsculos, porque a ajudamos a fazer com o desprendimento de nossas juventudes. Seguimos caminhos diferentes na luta política, mas nas nossas escolhas fomos autênticos em profundidade. Hoje, podemos olhar para trás e dizer orgulhosamente, aos nossos filhos netos, que demos o bom combate, travamos a boa luta, sempre com o pensamento em alto e antecipando a idéia, que depois tornou-se uma verdade aceita mesmo pela esquerda, de que a democracia é um valor universal.
Somos de uma geração muito especial, a geração de 68. Quarenta anos depois, é hora talvez de fazer balanços, mostrar os aspectos positivos e os menos positivos de todo um período, de todo um engajamento da juventude brasileira. Muitos da nossa geração foram chamados de heróis do povo brasileiro. Um exagero, certamente. Uma homenagem, talvez. Heroínas sim foram a nossa querida Dilma, a nossa ministra, e a minha mulher Beatriz, garotas ainda adolescentes jogadas aos 19 anos em celas infectas, sujeitas ao terrorismo físico e psicológico dos carrascos de mente desvairada...
Nossa geração, logo após, se bifurcou. Segui para a reconstrução da minha vida no exílio exterior. Dilma fez a reconstrução da sua vida no exílio interior. Em tempos em que a internet não existia, nosso contacto era distante e quase impossível.
No Chile criamos um Comitê para denunciar as torturas no Brasil (José Serra, eu, Tetê Moraes e outros companheiros, alguns até mortos tragicamente) porque esta era única forma de divulgar à opinião pública mundial o que se passava no Brasil em termos de violação dos direitos humanos. Foi assim que tomamos conhecimento das bárbaras torturas que a garota de 19 anos havia sofrido e as divulgamos em um livro que publicamos sobre a tortura no Brasil e nos boletins informativos que editávamos para distribuição internacional. Dilma sobreviveu e pode depois reconstruir a sua vida, mudando-se de Minas para o Rio Grande do Sul.
Somente voltamos a nos encontrar no sonho da construção de um partido do socialismo democrático, voltado para a construção da social-democracia no Brasil. Eu na assessoria do Brizola - vindo com ele do exílio -, Dilma, junto com o seu então marido e companheiro, Carlos Araújo, despontando como as lideranças mais autênticas do PDT gaúcho. Militamos juntos por muitos anos.
Rompi com o velho caudilho um pouco mais cedo do que Dilma, que o fez poucos anos depois. Ajudei a fundar o PSDB - onde via a possibilidade de continuar o sonho da social-democracia - mas logo abracei a dissidência tucana liderada pelo Ciro Gomes. Dilma optou por um caminho diferente, crescendo dentro da máquina pública gaúcha como uma técnica super-competente mesmo no catastrófico governo de Alceu Colares. Daí optou pelo PT, quando houve o rompimento da aliança gaúcha que a havia feito representante do PDT no secretariado do governador Olívio Dutra.
Hoje estamos mais separados. Ela como pessoa forte do governo e provável candidata presidencial, eu com uma postura mais crítica a um governo que vejo como meio caótico e sem projeto estratégico.
Mas no fundo vejo que continuam a haver muitas coincidências em nossa visão de mundo. Ontem, por exemplo, no seu depoimento ao Senado, a ministra Dilma deixou de ser a Dama de Ferro do governo para encarnar toda uma geração - a sua geração, a minha geração, a nossa geração...
Ela falou por todos os torturados, por todos os violentados em seus direitos e em suas consciências no passado, por todos os que viveram os dias de 68. Ela fez acender a chama da dignidade no coração de milhares, milhões talvez. Quando disse:
- O que acontece ao longo dos anos 70 é a impossibilidade de se dizer a verdade em qualquer circunstância - afirmou ela, emocionada. O direito à livre expressão estava enterrado. Não se dialoga com o pau-de-arara, o choque elétrico e a morte. É isso que é importante hoje na democracia brasileira. Qualquer comparação entre ditadura e democracia só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira.
E completou :
- Me orgulho de ter mentido, mentir na tortura não é fácil. Diante da tortura, quem tem dignidade fala mentira. Agüentar tortura é dificílimo. Todos nos somos muito frágeis, somos humanos, temos dor, a sedução, a tentação de falar o que ocorreu. A dor é insuportável o senhor não imagina o quanto. Me orgulho de ter mentido porque salvei companheiros da mesma tortura e da morte - finalizou, sendo aplaudida por parte dos senadores presentes à sessão.
Quem falava ali no recinto do Senado não era a toda poderosa Dama de Ferro do governo Lula. Era Joana D' Arc. Era Anita Garibaldi. Era o melhor de uma geração. Era a menininha de 19 anos, que voltava a ter os olhos radiantes, o coração vibrante e a emoção de pensar-se lutando por um futuro melhor.
Que esta seja a Dilma do futuro também. É o melhor que, agradecidos por este momento sublime, eu e nossa geração dos lutadores de 68 podemos lhe desejar nestes momentos...
Mauricio Dias David, economista do BNDES, foi preso político e exilado nas décadas de 60 e 70, e ainda tem acesa em seu coração a chama da esperança em um mundo melhor, mais humano e solidário
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