No que diz respeito à situação de fato, é a seguinte. Depois de 36 anos, as grandes empresas de petróleo regressam ao Iraque. Depois de 70 anos da expropriação de 1938, em meio à atual febre especulativa mundial no mercado petroleiro, essas empresas se dispõem a regressas ao México, passando por cima da Constituição e das leis desta nação.
Mas aqui não houve, como no Iraque, guerra ou invasão estrangeira. O que houve é uma mudança de comando do Estado. A velha e exausta classe dirigente, cujo modo político de exercício e de negociação do mando se encarnava no PRI e em seus acordos com o antigo PAN, foi substituída pela demanda do capital financeiro mexicano, sob o amparo das finanças internacionais.
Essa nova demanda é a encarnação no México da ordem social neoliberal mundial – ordem social, não modelo econômico, pois é uma nova ordem social do capital o que se expande no mundo em início do século 21.
Essa demanda ainda não encontrou sua forma política ideal, seu modo de trato e negociação com a nação mexicana e seu povo. Está estudando como modelar essa relação, como se consolidar e superar a atual fragmentação dos poderes entre os governadores, na qual cada um age como dono e senhor de seu território diante do governo central e de seus próprios governados. Até don Porfírio se escandalizaria se visse esse espetáculo...
A demanda do capital financeiro necessita encontrar, unificar e legitimar suas formas políticas e está disposta a conseguir. Por isso o desmantelamento dos pilares da Constituição, mal disfarçado de leis regulamentares. Outros governos foram desmantelando a Pemex durante décadas para deixá-la pronta para ser privatizada, como aqui mesmo já documentaram técnicos e especialistas. Mas não para se consolidar, e não apenas para fazer negócios; essa nova demanda necessita agora desmantelar o patrimônio nacional inteiro, pois a forma de existência desse capital consiste em penetrar em todos os poros das relações econômicas, sociais, políticas, culturais e imaginárias da nação.
Essa mutação financeira do poder mexicano tem seu atual representante no governo de Felipe Calderón, avalizado em 2006 por apenas um terço dos votantes, em um processo eleitoral por demais tenebroso.
Não estamos, pois, diante de uma demanda ligada a um partido histórico no governo. Tampouco se trata de uma vulgar máfia movida apenas por afãs corruptos, como se costuma argumentar. Estamos, ao contrário, ante um verdadeiro e real grupo dirigente de estrangeiros que tem em suas costas o poder das finanças e do monopólio televiso, que não serão paralisados com argumentos nem com insultos, que apenas servem como desafogo.
Esse grupo dirigente está levando o país a uma aventura que atenta contra os fundamentos históricos, culturais, econômicos e jurídicos desta comunidade nacional verdadeira e ilusória que se chama México, para consolidar numa mudança na ordem social e política da nova riqueza financeira, que se encontra em ostentosa expansão desde a década de 1990.
Mas uma nação não é um monte de gente vivendo sobre um território. É uma comunidade humana, tanto real como imaginária, com um passado e uma cultura comuns, com interesses compartilhados e conflitos de interesses, na qual leis escritas e não escritas regulam as relações e as vidas. A primeira se chama história; a segunda, economia; a terceira, política e estatuto jurídico.
Em tais premissas se sustentou a expropriação de 1938 com suas amarras constitucionais e legais. O petróleo não é no México uma simples propriedade. É um patrimônio da nação e de seu povo. Não é um mineral inerte, é uma herança comum acumulada por gerações. Tudo isso é ignorado pela proposta privatizadora de Calderón.
O discurso dos expropriadores de 1938, os generais Lázaro Cárdenas e Francisco J. Múgica, foi um discurso de soberania, de legalidade e de trabalho. Discurso de soberania porque, para recuperar o petróleo, os dois generais levaram em conta a conjuntura internacional e concluíram, com razão e perícia, que as grandes potências estavam perto de entrar em uma guerra mundial e não poderiam defender até o fim suas companhias no México. Teriam que negociar e assim o fizeram – os Estados Unidos primeiro, pois era quem, em caso de guerra, concederia maior valor agregado a esse mineral. Assim, o discurso de soberania era, além de tudo, um discurso geoestratégico. Ambos estão ausentes na proposta atual do Poder Executivo.
Discurso de legalidade porque o presidente Cárdenas sustentou a medida expropriatória, por um lado, com a rebeldia das companhias petroleiras ante um lado da Suprema Corte, com o qual desafiavam a lei da nação; por outro, no domínio eminente desta, herdado da Coroa Espanhola, sobre o solo, o subsolo, os mares e os céus de seu território. A iniciativa do atual governo é contra essa legalidade.
Discurso de trabalho porque a recuperação do petróleo se apoiou em uma mobilização nacional, antecedida e preparada por uma reforma agrária sem precedentes e articulada em torno da organização e da mobilização dos trabalhadores da indústria petroleira e de seu sindicato. Trabalhadores da indústria e sindicato seguem existindo. Mas estão hoje ausentes desses debates e o sindicato é controlado por uma burocracia corrompida, cúmplice de cada governo em atividade.
A ausência de todo discurso do trabalho, o silêncio e a exclusão dos trabalhadores e suas organizações são os indícios de que essa entrega faz parte do assalto geral do capital financeiro contra o trabalho, dentro da nova ordem social global.
A cada semana vem sendo demonstrado que a urgência tecnológica e a urgência econômica equívocos, assim como já se provou que é uma simples chantagem a ameaça de que, se a Pemex não for privatizada, não haverá recursos para educação, saúde e o suposto “combate à pobreza”. Uma reforma fiscal que fizesse com que as grandes fortunas pagassem os devidos impostos faria com que houvesse recursos e liberaria a Pemex da cobrança atual feita pelo Estado.
A iniciativa privatizadora de calderón tem outro aspecto ameaçante. O patrimônio petroleiro é parte de qualquer política de soberania e segurança nacional frente a potências externas e seus governos. Essa iniciativa deixaria o México desprotegido e subordinado à política militar dos Estados Unidos e a sua plataforma continental de segurança. As forças armadas mexicanas ficaram em condição de vassalagem diante do Pentágono.
Ao se tornar dependente das forças tecnológicas e do armamento da potência vizinha; ao utilizá-las repetidamente contra o povo mexicano e seus movimentos; ao incentivar que o “turismo” estrangeiro se aproprie da costa mexicana e de suas penínsulas, o presente governo prepara um futuro nefasto para este país.
Esse é o marco geral de sua reforma energética. Amanhã nos proporão arrendar a Baixa Califórnia para instalar bases militares dos Estados Unidos porque o petróleo já acabou e não há dinheiro para saúde e educação...
A defesa da nação e de sua soberania requer, além disso, o fim da violência interna. Por um lado, é urgente reconhecer os direitos indígenas. Por outro, urge definir com precisão a origem do orçamento da guerra do narcotráfico. Quem a apadrinha e alimenta? A qual propósito está servindo?
Na presente crise financeira mundial, em vésperar de uma possível mudança de direção política nos Estados Unidos, em tempo de guerras declaradas e não declaradas, quando o patrimônio petroleiro é como nunca um produto estratégico, entregá-lo ao capital privado é lançar a nação mexicana em uma aventura política, geopolítica, jurídica e social.
Tais conseqüências nos levariam a um desastre nacional. Temos que impedir que isso aconteça por todos os meios necessários.
Fonte: Vermelho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário