Eles vieram, ninguém sabe exatamente de onde. Com certeza de todos os cantos do Rio. Mas sabiam a que vinham e o que queriam. Silenciosos, concentraram-se no centro, na Cinelândia, aproximaram-se das lideranças do ato e acompanharam-nas na caminhada pela avenida Rio Branco. Profissionais liberais, trabalhadores, sindicalistas, donas de casa, estudantes, artistas, mas sobretudo cidadãos comuns, de repente compunham a "Passeata dos 100 mil", no Rio, realizada há exatos 40 anos. Foi o maior ato de protesto até então realizado no país contra a ditadura militar imposta quatro anos antes pelo golpe de 1964, que quebrou a legalidade e derrubou o governo constitucional do presidente João Goulart.
Eu não estava lá, precisei ficar em São Paulo. Tenho, no entanto, até hoje na minha visão as imagens das fotos daquele "paredão", aquela linha de frente formada por Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e tantos, tantos outros artistas e cidadãos de braços dados que formavam uma espécie de cordão de proteção contra a repressão à nação, à massa compacta que caminhava atrás, manifestando o seu protesto contra a opressão e a tirania impostas em 1964.
Na visão aquelas imagens. Na memória tenho os protestos da direita - dos generais que diziam que não deixariam se repetir aqui o que ocorria na França à ira e impropérios que o jornalista e fantástico teatrólogo Nelson Rodrigues fazia desfilar em sua coluna no jornal contra os comunistas, contra toda a esquerda e contra os "padres de passeata", expressão que ele próprio cunhou contra os sacerdotes que protegeram da repressão os que compareceram à missa por Edson Luís meses antes.
Estavam errados os generais, que restrigiam à França a rebelião que se espalhava no mundo inteiro naquele ano contra as formas com que era então exercida a autoridade no poder, na família, na escola etc. Era uma rebelião mundial pró-mudanças em todos os campos. E estava errado o Nelson ao apoiar o radicalismo da direita que sustou, atrasou por vários anos, mas não conseguiu deter o avanço das mudanças e a volta da democracia ao Brasil.
Neste mês que hoje se encerra - na última 5ª feira, dia 26 - comemoraram-se os 40 anos da Passeata dos 100 mil. Não foi o maior ato popular de resistência e protesto pacífico contra a ditadura porque superada, 16 anos depois, pelas "Diretas Já" a maior campanha cívica do país, que levou milhões às ruas e praças do país. Mas foi fato talvez dos mais marcantes daquele 1968, o ano que na feliz expressão cunhada pelo Zuenir Ventura, "não terminou".
Ainda que de outra forma, e ainda que triste, com milhares de perseguidos, exilados, banidos, torturados, assassinados e desaparecidos políticos, a luta prosseguiu. Silenciosa quando necessária ou ruidosa e alegre como nas Diretas, nos 21 anos seguintes em que durou a ditadura militar, até 1985. Até nos trazer a este Brasil que avança, democrático e libertário nos nossos dias. Tenho a convicção de que muito do que vivemos hoje tem sua origem e sementes plantadas em 68, em todos aqueles atos de resistência do qual a quarentona Passeata dos 100 mil se tornou um dos símbolos.
Carlos Augusto de Araujo Dória, 82 anos, economista, nacionalista, socialista, lulista, budista, gaitista, blogueiro, espírita, membro da Igreja Messiânica, tricolor, anistiado político, ex-empregado da Petrobras. Um defensor da justiça social, da preservação do meio ambiente, da Petrobras e das causas nacionalistas.
terça-feira, 1 de julho de 2008
ANOS DE CHUMBO XIX - Passeata dos 100 mil.
Há 40 anos, a Passeata dos 100 Mil
Por Zé Dirceu
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