quarta-feira, 2 de julho de 2008

ARTIGO - O declínio do homem branco.

Estamos vivendo o início do declínio inexorável da Europa, de seus valores, do humanismo? O fim do mundo grego? Esta questão serve como pano de fundo para as atuais crises do capitalismo ocidental, crise das finanças, crise do Estado-providência. Ela está subjacente ao crescimento da Ásia, que decola de uma outra maneira, chinesa, para resumir. Ela está evidente no mundo árabe-muçulmano em relação à religião. Ela está presente, aqui mesmo na França, nas críticas que surgem quanto à identidade européia; o `humanismo` não seria o tapa-sexo de vontade sempre `colonizadora` da raça branca e agora seria o tempo de se apoiar o relativismo cultural (teses que Jean-François Mattèi quer responder no seu `Le regard vide. Essai sur l`epuisement de la culture européenne` - Flamarion, 2007 - `O olhar vazio. Ensaio sobre o esvaziamento da cultura européia`).

O fundo da questão é que desenvolvimento econômico e democracia política não estão mais ligados. Mais ligados, obrigatoriamente, como se acreditava. Uma barriga vazia conduz à barbárie e inversamente uma postura plena permite o diálogo. Esta `evidência` permitiu que se pensasse tranqüilamente que a democracia fosse necessária ao desenvolvimento e que, em outro sentido, o desenvolvimento produziria a democracia. O `nosso` modelo grego iria então, um dia, impor-se. Inclusive na China.

Pois bem, isto é falso. Ao menos, não é mais tão certo. O planeta acabou de presenciar uma década de crescimento muito alto, ao passo que o Banco Mundial que monitora cerca de 200 países, após 12 anos submetendo-os a uma bateria de critérios políticos (eleições, imprensa livre, corrupção...) conclui friamente em sua última publicação lançada esta semana: `Não existe qualquer indício que possa permitir a conclusão de que a governança melhorou no mundo`.

Durante o período (1996-2007), a democracia se aprimorou em Serra Leoa, Gana, Indonésia e Libéria, mas recuou fortemente na Bielorrúsia, Zimbabwe e Venezuela. Segundo a ONG Freedom House (Casa da Liberdade), mais otimista, o número de estados democráticos no mundo cresceu de 75 em 1990 (46% dos países) para 123 em 2006 (64% dos países). Entretanto, nessas `democracias`, apenas a metade delas tem uma imprensa livre. A maior parte dos estudos de economistas se põe ao lado da conclusão do Banco Mundial: em média, a democracia não é uma pré-condição para a decolagem econômica de um país e ele não tem qualquer efeito sobre o crescimento. Importar a democracia (do Ocidente) não melhora em nada a velocidade do desenvolvimento. Então, porque fazê-lo?

O Kuwait, uma das raras democracias na região do Golfo, elegeu, em maio, seu parlamento. Qual era então o debate central? O desencantamento: O Dubai busca seu futuro, o Qatar segue de perto, enquanto o Kuwait patina. A assmbléia fragmentada em múltiplos partidos perde seu tempo em discussões, enquanto os monarcas absolutistas dos Emirados não se enrolam com debates de investem. O modelo chinês se impõe da mesma forma.

Nosso declínio está aí. A Europa está ultrapassada demograficamente e economicamente e o humanismo político recua conosco. O século XXI não é mãos o nosso. Vamos com calma! Faz-se necessário ampliar a noção de democracia até a de governança. Na sua bateria de critérios, o Banco Mundial distingue democracia política (eleições livres, estado de direito, liberdade de imprensa...), democracia econômica (eficácia do governo, regulamentação, liberdade de contrato...) e o controle da corrupção, ponto essencial e sempre esquecido, inclusive no Norte. A seguir, é preciso observar no longo prazo. A rapidez do atual desenvolvimento dos países emergentes é devida ao fenômeno da `retomada`, bem conhecido dos economistas: importar tecnologia dos EUA ou da Europa permite queimar etapas na produtividade. Toda via, chega um dia em que esta `retomada` é alcançada e a curva de crescimento se torna plana. Isto ocorrerá forçosamente com a China, daqui a cinco, quinze ou vinte anos.

Vista assim, de modo ampliado, a relação governança-crescimento se torna positiva em um sentido: o crescimento não leva forçosamente à democracia, mas o crescimento de longo prazo está ligado àquele conjunto de critérios enumerados pelo Banco Mundial. Tomemos o exemplo dos piratas: os navios mercantes e militares gerenciados sob uma disciplina de ferro por um ditador-capitão, único senhor a bordo, não resistia muito tempo aos ataques dos piratas, submetidos a um regime de assembléias, de participação discutida e equilíbrio de posições. A contestação e a cooperação livres, as liberdades civis, a distribuição `social` propiciavam as melhores chances de sucesso no caminho.

Nada é mecânico. O processo é complexo, perigoso, frágil; a relação governança-desenvolvimento tem inúmeras exceções e recaídas. Mas a democracia, o respeito ao direito, a liberdade de imprensa, a transparência ou, em resumo, o `humanismo` levam em geral e no longo prazo a um melhor governo, a uma economia mais estável e a uma prosperidade mais bem distribuída. Piratas brancos europeus, vocês têm futuro!

Eric Le Boucher

Publicado originalmente: Le Monde (28/06/2008)

Fonte: AEPET.

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