Altamiro Borges.
Direitos humanos e a gritaria da mídia
O terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), elaborado sob a coordenação do ministro Paulo Vannuchi, está gerando baita gritaria dos setores mais retrógrados da sociedade. Parece até que está em gestação uma santíssima aliança, composta por generais, latifundiários e barões da mídia, disposta a atazanar o governo Lula. Como notou o blogueiro Rodrigo Vianna, só falta a chamamento nos jornais, rádios e televisões para as famigeradas “Marchas com Deus, pela família e pela liberdade” para lembrar os preparativos do golpe militar de 1964.
Primeiro foram os chefes das forças armadas e o ministro da Justiça, o tucano infiltrado Nelson Jobim, que acusaram o plano de propor a apuração dos crimes cometidos pela ditadura. Depois, os arcaicos latifundiários, acostumados a usar trabalho escravo e infantil e a contratar jagunços para matar lideranças rurais, afirmaram que o programa discrimina o agronegócio. Já a cúpula da igreja católica, favorável aos dois itens anteriores, discordou de um ponto secundário, o veto ao uso de símbolos religiosos nos prédios públicos, esquecendo-se que o Brasil é um país laico.
Cheiro de oportunismo eleitoreiro
Agora, são os barões da mídia e seus colunistas de aluguel que erguem sua voz monocórdia para crucificar o plano. Nos editoriais dos jornalões e dos telejornais, ele é tachado de “autoritário”, de “atentar contra a liberdade de expressão” e ser o “primeiro passo para instituir uma ditadura” – logo eles que clamaram pelo golpe de 1964 e sustentaram o regime militar. Não há espaço para contestação nos veículos hegemônicos, inclusive nas emissoras privadas de radiodifusão – que, mais uma vez, desrespeitam o fato de que são concessões públicas e não bens particulares.
A baita gritaria é até estranha. Cheira oportunismo eleitoreiro num ano de sucessão presidencial. Afinal, o PNDH-3 foi debatido durante vários meses, envolveu centenas de entidades populares e distintos partidos políticos, e teve as suas linhas mestras aprovadas na Conferencia Nacional dos Direitos Humanos, em dezembro de 2008. Na ocasião, as confrarias dos barões da mídia – Abert, teleguiada pela TV Globo; ANJ, comandada pela “ditabranda” da Folha; e ANER, liderada pela golpista revista Veja – foram omissas. Preferiram, como sempre, fugir do debate democrático.
Nada contra o amiguinho FHC
Além disso, e o que é mais estranho, esta é a oitava conferência de direitos humanos. Na sétima, ocorrida em 2002, as empresas de radiodifusão já foram criticadas por estimular à violência; nela nasceu a campanha “quem financia a baixaria é contra a cidadania”. E este é o terceiro plano de direitos humanos. Antes dele, outros dois viraram decretos presidenciais e não mereceram tanto barulho. O decreto nº 1.904, assinado em 13 de maio de 1996, também procurou regulamentar o que está inscrito como princípio na Constituição Federal de 1988. Entre outros itens, ele decidiu:
“Propor a alteração na legislação existente sobre faixa etária”; “criar um sistema de avaliação permanente sobre critérios de classificação indicativa”; “promover o mapeamento de programas radiofônicos e televisivos que estimulem a apologia do crime, da violência, da tortura, das discriminações, do racismo, da ação de grupos de extermínio, de grupos paramilitares e da pena de morte, com vista a identificar responsáveis e adotar medidas legais pertinentes”. Já o decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002, reafirmou as indicações anteriores e acrescentou outras duas:
“Garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar, na forma da lei, as empresas que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos; coibir a utilização de recursos públicos, inclusive de bancos oficiais, fundações, empresas públicas e de economia mista, para patrocinar eventos e programas que estimulem a prática de violência”.
Decreto deve sair do papel
É certo que FHC era e é amiguinho dos barões da mídia. É certo, ainda, que a maioria dos itens inscritos nos decretos presidenciais nunca saiu do papel. Mesmo assim, eles foram publicados no Diário Oficial. O decreto de 2002 falava até em “controle social dos meios de comunicação”, o que tira o sono dos empresários. Mas, no passado, não houve a baita gritaria contra a “censura” e o “autoritarismo estatal”. Já no governo Lula, tudo é que progressista vira alvo da fúria patronal. Os barões da mídia temem que a lei vire algo concreto, que deixe de ser peça de decoração.
No caso da classificação indicativa, prevista nos dois decretos de FHC, ela só mereceu solução legal por meio da edição da portaria nº 1.100, de 14 de julho de 2006, que regulamentou o seu exercício em diversões públicas, e da portaria nº 1.220, de 11 de julho de 2007, que definiu os critérios para as obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres. A mídia hegemônica fez de tudo para barrar esta iniciativa do governo Lula. A TV Globo até acionou seus artistas globais para bombardear, em propagandas caríssimas, a classificação indicativa.
Medidas ousadas do PNDH-3
Agora, os barões da mídia temem que PNDH-3, que adquiriu formato legal no decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, seja aplicado de fato. No geral, ele mantém a mesma orientação dos dois decretos anteriores, mas avança ao indicar meios para sua aplicação e fixar responsáveis. É isto, juntamente com o discurso eleitoreiro, que apavora os empresários. Como aponta Rogério Tavares, em excelente artigo no Observatório da Imprensa, “o maior mérito do decreto 7.037 é o de apontar caminhos institucionais mais definidos para a execução das ações que recomenda”.
Entre outras medidas ousadas, que atendem a históricas demandas dos movimentos sociais que lutam contra ditadura midiática e incorporam propostas aprovadas na 1ª Conferencia Nacional de Comunicação, realizada em dezembro passado, o decreto propõe:
- “Criação de marco legal regulamentando o artigo 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos direitos humanos nos serviços de radiodifusão concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas”;
- “Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos direitos humanos”;
- “Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios dos direitos humanos, assim como dos que cometem violações”;
- “Avançar na regularização das rádios comunitárias e promover incentivos para que se afirmem como instrumentos permanentes de diálogo com as comunidades locais”.
Além disso, o decreto recomenda “inserir a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados na discussão sobre outorga e renovação das concessões públicas”; que o “Ministério Público assegure aplicação de mecanismos de punição aos veículos de comunicação, autores e empresas concessionárias”; “fomentar a criação e acessibilidade de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em direitos humanos”; “apoiar e desenvolver programas de formação em comunicação e direitos humanos para comunicadores comunitários”.
Violadores contumazes dos direitos humanos
Uma leitura honesta, sem as manipulações midiáticas, comprova que o decreto é civilizador e garante a defesa dos mais elementares direitos humanos. Ele não tem nada de autoritário. “No mundo todo, em um estado democrático de direito, liberdade de expressão que atente contra os direitos humanos não é liberdade de expressão. É infração constitucional e, em alguns casos, também é crime regulado pelo Direito Penal. Assim deve ser tratada”, afirma Rogério Tavares.
No mesmo rumo, o professor Laurindo Lalo Leal Filho critica a gritaria da mídia. “É só se falar em algum tipo de ação da sociedade para evitar os abusos freqüentemente cometidos pelos meios de comunicação que seus controladores, imediatamente, pulam... Isto ocorre porque programas veiculados diariamente por grande parte das emissoras de rádio e TV do Brasil são violadores contumazes dos direitos humanos. Basta ver como são tratados os negros nas telenovelas, os homossexuais nos programas de auditório e os pobres nos espetáculos policialescos”.
Urgência da pressão social
Além do objetivo eleitoral, de palanque da oposição demo-tucana, a gritaria dos barões da mídia visa fazer o governo Lula recuar da sua proposta – como parece já ocorrer no ponto da punição aos torturadores. Ao sabotarem a 1ª Confecom, Abert, ANJ e ANER esperavam inviabilizá-la e não conseguiram. Tiveram que assistir a comemoração dos movimentos sociais com as vitórias arrancadas. Agora, tentarão implodir o PNDH-3. Somente com muita pressão social será possível manter a essência do plano e colocá-lo em prática, assim como bancar as decisões da Confecom.
Como afirma Michelle Prazeres, num texto publicado no sítio Direito à Comunicação, “o PNDH transforma em propostas concretas algumas reivindicações históricas e algumas práticas bem sucedidas do movimento de comunicação. Sabemos que se trata de um plano. E sabemos que os planos precisam de muita mobilização e acompanhamento para sair do papel... Que 2010 seja um ano de lutas e conquistas para o movimento de comunicação. O plano aponta neste sentido”.
Primeiro foram os chefes das forças armadas e o ministro da Justiça, o tucano infiltrado Nelson Jobim, que acusaram o plano de propor a apuração dos crimes cometidos pela ditadura. Depois, os arcaicos latifundiários, acostumados a usar trabalho escravo e infantil e a contratar jagunços para matar lideranças rurais, afirmaram que o programa discrimina o agronegócio. Já a cúpula da igreja católica, favorável aos dois itens anteriores, discordou de um ponto secundário, o veto ao uso de símbolos religiosos nos prédios públicos, esquecendo-se que o Brasil é um país laico.
Cheiro de oportunismo eleitoreiro
Agora, são os barões da mídia e seus colunistas de aluguel que erguem sua voz monocórdia para crucificar o plano. Nos editoriais dos jornalões e dos telejornais, ele é tachado de “autoritário”, de “atentar contra a liberdade de expressão” e ser o “primeiro passo para instituir uma ditadura” – logo eles que clamaram pelo golpe de 1964 e sustentaram o regime militar. Não há espaço para contestação nos veículos hegemônicos, inclusive nas emissoras privadas de radiodifusão – que, mais uma vez, desrespeitam o fato de que são concessões públicas e não bens particulares.
A baita gritaria é até estranha. Cheira oportunismo eleitoreiro num ano de sucessão presidencial. Afinal, o PNDH-3 foi debatido durante vários meses, envolveu centenas de entidades populares e distintos partidos políticos, e teve as suas linhas mestras aprovadas na Conferencia Nacional dos Direitos Humanos, em dezembro de 2008. Na ocasião, as confrarias dos barões da mídia – Abert, teleguiada pela TV Globo; ANJ, comandada pela “ditabranda” da Folha; e ANER, liderada pela golpista revista Veja – foram omissas. Preferiram, como sempre, fugir do debate democrático.
Nada contra o amiguinho FHC
Além disso, e o que é mais estranho, esta é a oitava conferência de direitos humanos. Na sétima, ocorrida em 2002, as empresas de radiodifusão já foram criticadas por estimular à violência; nela nasceu a campanha “quem financia a baixaria é contra a cidadania”. E este é o terceiro plano de direitos humanos. Antes dele, outros dois viraram decretos presidenciais e não mereceram tanto barulho. O decreto nº 1.904, assinado em 13 de maio de 1996, também procurou regulamentar o que está inscrito como princípio na Constituição Federal de 1988. Entre outros itens, ele decidiu:
“Propor a alteração na legislação existente sobre faixa etária”; “criar um sistema de avaliação permanente sobre critérios de classificação indicativa”; “promover o mapeamento de programas radiofônicos e televisivos que estimulem a apologia do crime, da violência, da tortura, das discriminações, do racismo, da ação de grupos de extermínio, de grupos paramilitares e da pena de morte, com vista a identificar responsáveis e adotar medidas legais pertinentes”. Já o decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002, reafirmou as indicações anteriores e acrescentou outras duas:
“Garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar, na forma da lei, as empresas que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos; coibir a utilização de recursos públicos, inclusive de bancos oficiais, fundações, empresas públicas e de economia mista, para patrocinar eventos e programas que estimulem a prática de violência”.
Decreto deve sair do papel
É certo que FHC era e é amiguinho dos barões da mídia. É certo, ainda, que a maioria dos itens inscritos nos decretos presidenciais nunca saiu do papel. Mesmo assim, eles foram publicados no Diário Oficial. O decreto de 2002 falava até em “controle social dos meios de comunicação”, o que tira o sono dos empresários. Mas, no passado, não houve a baita gritaria contra a “censura” e o “autoritarismo estatal”. Já no governo Lula, tudo é que progressista vira alvo da fúria patronal. Os barões da mídia temem que a lei vire algo concreto, que deixe de ser peça de decoração.
No caso da classificação indicativa, prevista nos dois decretos de FHC, ela só mereceu solução legal por meio da edição da portaria nº 1.100, de 14 de julho de 2006, que regulamentou o seu exercício em diversões públicas, e da portaria nº 1.220, de 11 de julho de 2007, que definiu os critérios para as obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres. A mídia hegemônica fez de tudo para barrar esta iniciativa do governo Lula. A TV Globo até acionou seus artistas globais para bombardear, em propagandas caríssimas, a classificação indicativa.
Medidas ousadas do PNDH-3
Agora, os barões da mídia temem que PNDH-3, que adquiriu formato legal no decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, seja aplicado de fato. No geral, ele mantém a mesma orientação dos dois decretos anteriores, mas avança ao indicar meios para sua aplicação e fixar responsáveis. É isto, juntamente com o discurso eleitoreiro, que apavora os empresários. Como aponta Rogério Tavares, em excelente artigo no Observatório da Imprensa, “o maior mérito do decreto 7.037 é o de apontar caminhos institucionais mais definidos para a execução das ações que recomenda”.
Entre outras medidas ousadas, que atendem a históricas demandas dos movimentos sociais que lutam contra ditadura midiática e incorporam propostas aprovadas na 1ª Conferencia Nacional de Comunicação, realizada em dezembro passado, o decreto propõe:
- “Criação de marco legal regulamentando o artigo 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos direitos humanos nos serviços de radiodifusão concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas”;
- “Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos direitos humanos”;
- “Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios dos direitos humanos, assim como dos que cometem violações”;
- “Avançar na regularização das rádios comunitárias e promover incentivos para que se afirmem como instrumentos permanentes de diálogo com as comunidades locais”.
Além disso, o decreto recomenda “inserir a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados na discussão sobre outorga e renovação das concessões públicas”; que o “Ministério Público assegure aplicação de mecanismos de punição aos veículos de comunicação, autores e empresas concessionárias”; “fomentar a criação e acessibilidade de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em direitos humanos”; “apoiar e desenvolver programas de formação em comunicação e direitos humanos para comunicadores comunitários”.
Violadores contumazes dos direitos humanos
Uma leitura honesta, sem as manipulações midiáticas, comprova que o decreto é civilizador e garante a defesa dos mais elementares direitos humanos. Ele não tem nada de autoritário. “No mundo todo, em um estado democrático de direito, liberdade de expressão que atente contra os direitos humanos não é liberdade de expressão. É infração constitucional e, em alguns casos, também é crime regulado pelo Direito Penal. Assim deve ser tratada”, afirma Rogério Tavares.
No mesmo rumo, o professor Laurindo Lalo Leal Filho critica a gritaria da mídia. “É só se falar em algum tipo de ação da sociedade para evitar os abusos freqüentemente cometidos pelos meios de comunicação que seus controladores, imediatamente, pulam... Isto ocorre porque programas veiculados diariamente por grande parte das emissoras de rádio e TV do Brasil são violadores contumazes dos direitos humanos. Basta ver como são tratados os negros nas telenovelas, os homossexuais nos programas de auditório e os pobres nos espetáculos policialescos”.
Urgência da pressão social
Além do objetivo eleitoral, de palanque da oposição demo-tucana, a gritaria dos barões da mídia visa fazer o governo Lula recuar da sua proposta – como parece já ocorrer no ponto da punição aos torturadores. Ao sabotarem a 1ª Confecom, Abert, ANJ e ANER esperavam inviabilizá-la e não conseguiram. Tiveram que assistir a comemoração dos movimentos sociais com as vitórias arrancadas. Agora, tentarão implodir o PNDH-3. Somente com muita pressão social será possível manter a essência do plano e colocá-lo em prática, assim como bancar as decisões da Confecom.
Como afirma Michelle Prazeres, num texto publicado no sítio Direito à Comunicação, “o PNDH transforma em propostas concretas algumas reivindicações históricas e algumas práticas bem sucedidas do movimento de comunicação. Sabemos que se trata de um plano. E sabemos que os planos precisam de muita mobilização e acompanhamento para sair do papel... Que 2010 seja um ano de lutas e conquistas para o movimento de comunicação. O plano aponta neste sentido”.
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