sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O COMPROMISSO COM A ESPERANÇA.

O compromisso com a esperança

Por Mauro Santayana


Mário Lago, durante as filmagens do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, do diretor Leon Hirszman, ficou conhecendo em Alagoas um poeta popular que o fascinou. Grande escritor que era, Lago escreveu excelente texto sobre Chico Nunes das Alagoas, e destacou uma frase forte do repentista: “Se o mundo fosse bom, o dono morava nele”.

O mundo social é uma construção humana. Não é a morada de Deus, nem dos deuses. Se o dono do mundo, na filosofia de Chico Nunes, mora fora dele, o Criador, se Criador houve, está dele distante. O físico Ubirajara Brito diz que, se Deus criou o Universo, não reservou, nele, um lugar em que estar.

A História tem sido um pesadelo, do qual tentamos em vão despertar, conforme Stephen Dedalus, personagem de Joyce, em Ulysses. Quando olhamos o passado, como o anjo de Paul Klee – que tanto impressionou Walter Benjamin – as cenas fortes das guerras, dos genocídios, das hecatombes, das pestes, nos aterrorizam.

Apesar desse ceticismo, o homem tem sobrevivido porque, em meio ao pesadelo de Dedalus, há sonhos, está presente a esperança. É essa esperança, anunciada pelos profetas, como Isaías, e reafirmada pela mensagem do cristianismo, que faz suportável a vida, neste “vale de lágrimas”. A História de nosso país tem sido uma oscilação entre o desânimo e a confiança no futuro. Somos capazes de superar as horas mais difíceis e nos agarrarmos a um fiapo de promessa, com o sentimento da fé. Isso é evidente em nossa trajetória política, desde a Independência. Saudamos o grito do Ipiranga, e o jovem príncipe foi visto como o protetor da nacionalidade que nascia. Menos de dez anos depois, nele veríamos um absolutista de que nos devíamos livrar – e nos livramos, com as jornadas de abril de 1831.

A República, produto mais intelectual do que histórico, acenou-nos com a democracia e a descentralização federativa, mas continuou sendo o espaço das oligarquias. A Aliança Liberal e sua consequência natural, a Revolução de 30, foram frustradas com a radicalização ideológica daqueles anos, que nos levou às tentativas insurrecionais à esquerda e à direita - e ao Estado Novo. Depois da pausa tíbia do governo Dutra, a esperança voltou-se para a volta de Getulio e a retomada de seu projeto de desenvolvimento. Fomos frustrados mais uma vez, diante da articulação das oligarquias, às quais se somava a alienação de parcelas da classe média urbana, deslumbradas com o american way of life, que o cinema nos impingia.

O suicídio de Getulio mobilizou novamente a nação, que elegeu Juscelino. O povo se uniu ao seu programa de metas – em continuação ao projeto de Vargas. Depois de cumprir com êxito o mandato, seu sucessor se revelou um homem fraco, destituído das qualidades que se exigem de um estadista. Qualquer que tivesse sido o propósito da intempestiva renúncia – tentativa de golpe ou covardia moral – o gesto de Jânio decepcionou novamente o país. O golpe militar foi consequência direta de seu ato, e roubou 21 anos de nossas liberdades. A ação política de Tancredo e de seus aliados, que negociaram pacientemente a saída política, com a anistia e a eleição indireta, foi atingida pela sua morte, e levou a nação ao desconsolo. As multidões que o acompanharam ao túmulo assumiam, com o morto, o compromisso com o seu sonho.

A esperança se deslocou para a Assembleia Nacional Constituinte, que votou uma boa Constituição. A eleição do sucessor de Sarney trouxe as consequências conhecidas, que não vale a pena recordar. Durante dois anos, a nação foi protegida pela austeridade e nacionalismo de Itamar Franco, mas, logo em seguida, o intelectual paulista violou a Constituição e desmontou toda a estrutura estatal que Getulio e Juscelino criaram e que os militares haviam preservado.

Com um compromisso arduamente negociado e estabelecido entre os moderados, nos anos finais do regime militar, e, depois de 25 anos de tantas vicissitudes, o país começa a reerguer-se, e a esperança nos assiste. Todos os que perderam seus familiares durante os anos ditatoriais têm o direito aos seus mortos, e ao conhecimento das circunstâncias em que pereceram, mas ao Estado nacional não cabe punir o que se convencionou esquecer.

Temos que nos unir contra os que se levantam, dentro e fora do país, para, mais uma vez, atrasar o nosso encontro com o destino. É preciso sonhar – e fazer.

Sonhar e fazer é o que o colunista deseja a todos os leitores, neste e nos anos a vir.

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