“A mídia está sendo vítima de um surto de pânico: está com horror ao espelho. Berra e esperneia quando alguém menciona a organização de conferências ou debates públicos sobre meios de comunicação, imprensa, jornalismo. Apavora-se ao menor sinal de controvérsia a seu respeito, por mais úteis ou inócuas que sejam. Parece ter esquecido que o direito de ser informado é um dos direitos inalienáveis do cidadão contemporâneo. O Estado Democrático de Direito garante a liberdade de imprensa e o acesso universal à informação”.
Começa assim o primoroso artigo publicado hoje por Alberto Dines, mestre de várias gerações de jornalistas brasileiros, entre os quais me incluo, sob o título “Mídia à beira de um ataque de nervos” (www.observatóriodaimprensa.com.br).
A começar pelo título, Dines resume o estado d´alma da nossa grande e velha mídia nestas últimas semanas, como se o governo federal estivesse prestes a desfechar o ataque final para acabar com a liberdade de imprensa.
Podem todos tirar o cavalinho da chuva porque não há a menor chance disto acontecer _ pelo menos, no atual governo. Quando começou o barulho provocado pelo Plano Nacional de Direitos Humanos, conversei sobre o assunto com um dos ministros mais importantes do governo Lula, que até deu risada diante dos temores expressos em editoriais delirantes.
“Controle social da mídia? Isso não existe. Até porque, é impossível, inexequível, esquece este negócio”, disse-me ele, sem meias palavras.
De fato, alguém já se perguntou como seria executado na prática este controle social da mídia? Assembléias populares reunir-se-iam em algum local secreto para discutir o que pode ou não ir ao ar ou ser impresso, puniriam em tribunais de exceção quem não respeitasse a cartilha, simplesmente fechariam jornais e emissoras se assim lhes desse na telha?
Pelo que se lê e se ouve na nossa grande imprensa nestes últimos dias, parece que este desatino está prestes a acontecer. De onde vem tanto medo? O problema todo é que a mídia não admite que ninguém sequer discuta a mídia, quanto mais tenha a ousadia de propor algumas regras básicas de convívio civilizado para esta atividade, como acontece em todas as outras áreas econômicas e sociais da vida brasileira.
Pode-se discutir tudo, propor e defender marcos regulatórios para qualquer coisa, menos para a mídia. Esta histeria começou em 2004 quando, a pedido das entidades representativas de jornalistas de todo o país, o governo encarregou o Ministério do Trabalho de discutir, junto com os representantes dos sindicatos, um projeto de lei para a criação de um Conselho Federal de Jornalismo, a exemplo dos que existem para quase todas as outras profissões.
Antes mesmo que o projeto começasse a ser discutido no Congresso Nacional, houve um massacre na mídia, com os mesmos argumentos agora apresentados: querem controlar a imprensa, acabar com a liberdade de expressão, implantar a ditadura, etc. Sem articulação parlamentar nem dos próprios profissionais interessados, o projeto foi retirado da pauta e não se falou mais no assunto.
No final do ano passado, o alvo foi o Congresso Nacional de Comunicação (Confecom), atacado pelos mesmos baluartes da liberdade de expressão (só deles, claro), antes mesmo de começar. Como todos os outros congressos, também este não tinha nenhum poder deliberativo, limitando-se a apresentar propostas ao Executivo e ao Legislativo, que podem ou não, futuramente, ser transformados em projetos de lei.
O mesmo aconteceu agora no começo de 2010 quando eles descobriram que a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos, a exemplo das duas primeiras do governo FHC, também tratava de propor algumas regras do jogo para os meios de comunicação, em defesa da sociedade e do que Dines chamou de “acesso universal à informação”.
Gastaram-se quilômetros e horas de palavras em furibundos editoriais, blogs, colunas para atacar algo que ainda nem existe como se um novo AI-5 tivesse entrado em vigor. O mais curioso nisso tudo é que tanto veículos como profissionais, que agora bradam aos céus em defesa da liberdade de imprensa, aceitaram docemente a censura prévia imposta pelos militares de 1968 a 1975.
Agora, todos viraram heróis da resistência, certamente nomeados por desígnios divinos, como se o Brasil não estivesse vivendo o mais longo e amplo período de liberdades públicas da última metade de século. A quem eles pensam que enganam ou assustam?
Como diria o próprio Lula, nunca antes na história deste país houve um presidente que tivesse sido tão xingado, ofendido, espezinhado, em todas as latitudes da mídia e, no entanto, o governo dele é apontado como a grande ameaça à nossa liberdade. Qual foi até hoje a mínima iniciativa concreta do governo Lula para censurar quem quer que seja?
Ao contrário do que é habitual em outros políticos que conheço, não me consta que alguma vez o presidente Lula tenha reclamado de repórteres ou pedido a cabeça deles aos donos dos veículos. Se o presidente tem queixas da imprensa, assim como a imprensa tem queixas dele, é um direito que assiste aos dois lados. Só não vale criar fantasmas para defender antigos interesses e eternos privilégios.
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