Artigo do jornalista Luis Nassif.
A síntese política do Brasil.
O país ainda está imerso em uma guerra santa, especificamente da mídia contra Lula. Mas, por enquanto, está restrita a isso, despregada da realidade política do dia a dia.
Mas há uma importância inegável no governo e no personagem Lula. O Brasil vive um terremoto social e político, com a ascensão das classes D e E, a convivência do arcaico com o moderno – o arcaico e o moderno presentes em todos os extratos sociais.
É arcaico o militante de esquerda que não consegue enxergar o papel que cabe, por exemplo, à grande empresa brasileira na formação de uma nação mais moderna e justa. Como é arcaico esse modernismo preconceituoso de parte do colunismo pátrio, contra o que considera “Brasil atrasado” – misturando crítica política com preconceito em relação às novas forças que emergem. Ou se considerar que instrumentos modernos - como lei ambiental, lei de defesa dos consumidores, leis de direito econômico - são intromissões do Estado.
Diria que, na formação do Brasil moderno - com suas qualidades e vícios - haverá no futuro o reconhecimento do papel fundamental de dois personagens.
O primeiro, Fernando Collor, ao romper com os grilhões do país fechado que se estratificou nos anos 80 – depois do modelo ter contribuído para o crescimento nas décadas anteriores.
FHC foi o seguidor, teve o mérito da maior habilidade política, mas nunca a grandeza suficiente de mostrar o Brasil com todas suas faces, de se propor a ser a síntese necessária, após a antítese collorida.
O discurso contra a “fracassomania”, a desqualificação do que ele considerava Brasil arcaico, o deslumbramento por ter entrado no clube da elite econômico-financeira, tirou a grandeza de que seu governo poderia ter se revestido. E não teve visão para entender o novo e corrigir os exageros iniciais do modelo.
No início permitem-se os exageros, única forma de romper com o velho. Depois, se entra na fase da consolidação, da maturidade, onde se corrigem os excessos do período anterior. FHC não soube consertar, ser a síntese.
Lula cometeu inúmeros pecados. Ainda não resolveu o dilema das agências reguladoras – presas entre a captura pelo governo e a captura pelos regulados; não conseguiu conferir limites à atuação do BC (nada do que o Banco faz pode ser questionado), não profissionalizou a máquina do Estado no ritmo necessário.
Mas, politicamente, abre espaço para a próxima grande etapa do Brasil, o maior desafio da consolidação democrática, a busca do Santo Graal, do grande pacto nacional que permita a todos os setores se sentirem membros da mesma nação.
Seu discurso na Bovespa, ontem, tem um trecho para entrar para a história:
"Estamos provando que um presidente da República pode, no mesmo mês, colocar na cabeça um boné dos dirigentes sindicais, dos sem-terra, do movimento GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) e da Bolsa de Valores."
Em relação à percepção política, ao entendimento sobre os novos tempos, à capacidade de entender as idéias-força e chacoalhar o imaginário popular, a intuição política de Lula dá de dez a zero no conhecimento teórico de FHC.Não há termos de comparação.Tem paralelo apenas em Vargas, JK e no Collor do primeiro ano. Castello Branco e Geisel tiveram governos transformadores, mas dentro da ótica autoritária, sem precisar correr o desafio político de recriar o imaginário.
O que Lula propõe é uma construção política sofisticadíssima, de ser a síntese do Brasil moderno, do novo Brasil que surge e do Brasil arcaico.
Morro de rir quando vejo a superioridade com que alguns analistas se colocam, por identificar erros de português no discurso de Lula. Eles sequer entenderam o alcance dessa costura política. O "analfabeto", além de entender está colocando em prática.
O único evento que poderá liquidar com essa proposta é a hipótese de uma crise cambial, fruto da irresponsabilidade continuada do Banco Central. Se vier, toda essa construção rolará ladeira abaixo.
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