Publicitários e sociedade civil divergem sobre regulação de propagandas de cerveja.
Jonas Valente.
Observatório do Direito à Comunicação.
No início do mês de maio, entrou na pauta da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.733/2008, que restringe a publicidade de cerveja ao horário de 21h às 6h. Mesmo a matéria sendo iniciativa do governo federal e recebendo apoio explícito e constante de ministros, o lobby do setor publicitário foi eficiente ao demover a concordância da maioria dos partidos da casa em relação ao texto.
O projeto saiu de pauta, mas a ofensiva do mercado publicitário em direção aos parlamentares prossegue. O movimento teve um de seus ápices nesta teça-feira (10), com a realização de um fórum sobre a auto-regulamentação da publicidade na Câmara dos Deputados.
O evento foi promovido pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) e visou apresentar as vantagens da auto-regulamentação para a atividade. “Toda vez que movimentam um projeto de lei sobre regulamentação da propaganda, o Conar vem em peso aqui para dentro. Em 2006, quando havia debate sobre restrições a propagandas para crianças e adolescentes, eles fizeram pressão, reuniram com o presidente da casa”, conta Augustino Veit, da Campanha pela Ética na TV.
O evento seguiu esta tendência e foi uma clara campanha de defesa da definição das regras para a publicidade pelo próprio mercado em detrimento de regulamentação pelo Legislativo, especialmente para o caso mais recente da limitação dos anúncios de cerveja. Em todos os materiais de divulgação distribuídos no evento, o Conar enalteceu as normas de conduta aprovadas por ele para as propagandas de bebidas alcóolicas. Entre elas estão proibições a fazer apelo ao consumo, destinar as peças ao público infantil, apresentar qualquer tipo de imperativo como “beba”, explorar o erotismo ou associar a bebida a situações de êxito profissional ou em relações amorosas.
Nos debates, porém, a polêmica sobre as bebidas alcoólicas disfarçou-se sob a divergência em relação à pertinência da auto-regulamentação. Representantes de agências publicitárias, do Conar e debatedores como o jornalista Eugênio Bucci defenderam a prática enquanto princípio. “A auto-regulamentação é um processo virtuoso”, elogiou Fátima Jordão, pesquisadora e diretor do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Bucci advogou ser “mais saudável deixar o Estado, na medida do possível, longe das atividades relacionadas à comunicação”.
Já o representante da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), Guilherme Canela, apontou fragilidades neste tipo de normatização. “A auto-regulamentação não possui o poder de obrigar um empresário a cumprir uma regra, então quando a corda aperta o agente econômico vai escolher quem: o código de ética ou o seu lucro?”, indagou. Para Canela, a auto-regulamentação do mercado é importante, mas ela é insuficiente e deve ser combinada com a regulação de órgãos da sociedade e do Estado, sendo estes últimos os responsáveis por estabelecer limites concretos.
Apoio à restrição
Ao serem indagados por este Observatório, durante o debate, acerca da posição sobre a imposição de limites à propaganda de bebidas alcolicas, os debatedores divergiram sobre a validade deste tipo de mecanismo. “Cerca de 10% da população enfrenta problemas com consumo abusivo de álcool. Impor restrição à comunicação comercial destinada a 90% da população não é democrático, como também não é democrático limitar a política pública de controle do álcool apenas à publicidade”, criticou Gilberto Leiffert, presidente do Conar.
Já Eugênio Bucci e Fátima Jordão, favoráveis à auto-regulamentação, se juntaram aos partidários do projeto de lei pelo reconhecimento do papel que as propagandas têm no estímulo ao consumo de álcool. “A publicidade sobre bebidas alcoólicas contribui para o aumento do consumo deste tipo de produto. Acho que a democracia pode conviver com restrições à veiculação de publicidade em certos horários”, defendeu Bucci. “Defendo auto-regulamentação, mas sou sensível aos operadores da saúde com relação à questão do consumo alcoólico”, completou Fátima Jordão.
Para Guilherme Canela, o projeto é importante e deve ser aprovado, pois ele contribui para controlar uma das fontes de forte incentivo ao consumo de bebidas alcoólicas. Todavia, a posição sensível de parte dos presentes ao evento não significa uma mudança no quadro da futura apreciação do projeto de lei pelo Congresso. O lobby das empresas de bebidas é forte e eficaz pelo peso que estes agentes econômicos possuem na cesta de doadores em campanhas eleitorais.
Segundo o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana, o acordo feito em maio para a retirada do projeto de pauta previa o seu retorno até o final deste mês. O governo tentará retomar a ofensiva e fazer um movimento de convencimento junto às bancadas para votar a matéria. Resta saber se a força do governo será suficiente para enfrentar Ambev e Cia.
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