Uma interessante teoria – de que trata Bárbara Tuchman, em sua The March of Folly: From Troy to Vietnam – é a de que a Guerra de Troia não terminou. A mítica expedição a Troia, de que alguns arqueólogos encontraram escassos indícios, cresceu em grandeza graças a Homero (ou a rapsodos mais antigos, dos quais se teria valido o poeta).
Nessa tese histórica, as guerras nunca terminam: a exaustão as suspende, em tréguas demoradas, mas elas sempre retornam, porque os conflitos só poderiam ser resolvidos pelo bom senso. E o homem é animal insensato.
O editorial de Le Monde de ontem trata da rivalidade entre Paris e Londres, que voltam a disputar (se é que deixaram de disputar um dia) a hegemonia econômico-financeira europeia. Os ingleses, conforme o diário francês, acusam a França de agir no propósito de substituir a City como centro financeiro mundial. E os franceses se defendem. Franceses e ingleses – sem contar com confrontos ainda mais antigos – se encontram nesse jogo de distanciamentos e aproximações desde o século 14, quando se iniciou a Guerra dos Cem Anos, que na verdade durou 116 (de 1337 a 1453). Novos confrontos viriam no decorrer dos séculos e, em um deles, Richelieu se revelaria também grande guerreiro, ao estabelecer o cerco ao bastião de La Rochelle, em poder dos huguenotes, sob patrocínio britânico. Em outro, Napoleão perderia seu bastão em Waterloo.
Ingleses e franceses souberam unir-se, no século passado, tanto para o bem como para o mal. Para o bem, juntaram-se na Primeira Guerra Mundial e na Segunda. No intervalo, vergonhosamente cabisbaixos e amedrontados em Munique, diante de Hitler, traíram seus aliados tchecos.
Os ingleses aderiram à ideia da União Europeia sem entusiasmo. Não aceitaram a moeda comum, o euro, o que foi grave restrição. Os observadores europeus mais argutos viram, nessas reservas, a fidelidade de Londres ao nacionalismo anglo-saxão: aderir plenamente à Europa, fortalecê-la, debilitaria a posição imperial dos Estados Unidos. Isso explica a posição de Mme Thatcher, quando se opôs à reunificação da Alemanha, há 20 anos. Não militaram, para suas restrições, apenas as duas guerras do século passado, em que, unidos aos franceses, os ingleses enfrentaram os alemães. Houve também a intenção de manter a Inglaterra na situação privilegiada de parceira mais íntima de Washington na Europa. Uma Europa continental fortalecida, que eventualmente estará sob a liderança de uma ou outra nação, não interessa à visão de longo prazo do país que, desde a ocupação normanda, no século 11, ainda que historicamente assimilada, olha com desconfiança para além da Mancha.
A Suécia pretende assegurar o estatuto de cidade santa de Jerusalém, e garantir a parte leste da cidade para capital de um futuro Estado da Palestina. Insurge-se o país nórdico contra a “judeização” da cidade em que nasceu o cristianismo. Os palestinos têm sido expulsos sistematicamente de Jerusalém Leste: no ano passado foram expelidos mais de 4.700. Esta é outra questão histórica, que remonta às Cruzadas e a Ricardo Coração de Leão. Mas não deixa de se relacionar também com a Inglaterra moderna, em que surgiu o sionismo, e cujo governo deu apoio político à colonização da Palestina pelos judeus da Europa.
A Argentina busca agora o apoio da Península Ibérica em suas queixas contra a União Europeia, que reconheceu a soberania inglesa sobre as Ilhas Malvinas. Isso tem significado econômico importante: os britânicos calculam que haja, no mar em seu entorno, reservas de mais de 60 bilhões de barris de petróleo. A Argentina, senhora das ilhas, foi expulsa do arquipélago em 1833, por tropas britânicas, mas nunca renunciou a seu direito de soberania, reconhecido, entre outras nações, pelo Brasil. As Nações Unidas, a partir de 1965, têm instado os ingleses e argentinos a um acordo sobre as ilhas, até então de pouco valor econômico, de solo gelado e sem árvores, varrido de ventos e só coberto de pastagens para ovelhas. Em 1982, a Argentina cometeu a imprudência de tentar recuperá-las militarmente, e foi delas mais uma vez rechaçada. Na época, o Brasil negou espaço aéreo aos aviões britânicos. Washington – ao esquecer a Doutrina Monroe, contra a presença de colônias europeias nas Américas – recusou-se a repor material bélico aos argentinos, não obstante os acordos entre os dois países.
Fonte: JB
Nessa tese histórica, as guerras nunca terminam: a exaustão as suspende, em tréguas demoradas, mas elas sempre retornam, porque os conflitos só poderiam ser resolvidos pelo bom senso. E o homem é animal insensato.
O editorial de Le Monde de ontem trata da rivalidade entre Paris e Londres, que voltam a disputar (se é que deixaram de disputar um dia) a hegemonia econômico-financeira europeia. Os ingleses, conforme o diário francês, acusam a França de agir no propósito de substituir a City como centro financeiro mundial. E os franceses se defendem. Franceses e ingleses – sem contar com confrontos ainda mais antigos – se encontram nesse jogo de distanciamentos e aproximações desde o século 14, quando se iniciou a Guerra dos Cem Anos, que na verdade durou 116 (de 1337 a 1453). Novos confrontos viriam no decorrer dos séculos e, em um deles, Richelieu se revelaria também grande guerreiro, ao estabelecer o cerco ao bastião de La Rochelle, em poder dos huguenotes, sob patrocínio britânico. Em outro, Napoleão perderia seu bastão em Waterloo.
Ingleses e franceses souberam unir-se, no século passado, tanto para o bem como para o mal. Para o bem, juntaram-se na Primeira Guerra Mundial e na Segunda. No intervalo, vergonhosamente cabisbaixos e amedrontados em Munique, diante de Hitler, traíram seus aliados tchecos.
Os ingleses aderiram à ideia da União Europeia sem entusiasmo. Não aceitaram a moeda comum, o euro, o que foi grave restrição. Os observadores europeus mais argutos viram, nessas reservas, a fidelidade de Londres ao nacionalismo anglo-saxão: aderir plenamente à Europa, fortalecê-la, debilitaria a posição imperial dos Estados Unidos. Isso explica a posição de Mme Thatcher, quando se opôs à reunificação da Alemanha, há 20 anos. Não militaram, para suas restrições, apenas as duas guerras do século passado, em que, unidos aos franceses, os ingleses enfrentaram os alemães. Houve também a intenção de manter a Inglaterra na situação privilegiada de parceira mais íntima de Washington na Europa. Uma Europa continental fortalecida, que eventualmente estará sob a liderança de uma ou outra nação, não interessa à visão de longo prazo do país que, desde a ocupação normanda, no século 11, ainda que historicamente assimilada, olha com desconfiança para além da Mancha.
A Suécia pretende assegurar o estatuto de cidade santa de Jerusalém, e garantir a parte leste da cidade para capital de um futuro Estado da Palestina. Insurge-se o país nórdico contra a “judeização” da cidade em que nasceu o cristianismo. Os palestinos têm sido expulsos sistematicamente de Jerusalém Leste: no ano passado foram expelidos mais de 4.700. Esta é outra questão histórica, que remonta às Cruzadas e a Ricardo Coração de Leão. Mas não deixa de se relacionar também com a Inglaterra moderna, em que surgiu o sionismo, e cujo governo deu apoio político à colonização da Palestina pelos judeus da Europa.
A Argentina busca agora o apoio da Península Ibérica em suas queixas contra a União Europeia, que reconheceu a soberania inglesa sobre as Ilhas Malvinas. Isso tem significado econômico importante: os britânicos calculam que haja, no mar em seu entorno, reservas de mais de 60 bilhões de barris de petróleo. A Argentina, senhora das ilhas, foi expulsa do arquipélago em 1833, por tropas britânicas, mas nunca renunciou a seu direito de soberania, reconhecido, entre outras nações, pelo Brasil. As Nações Unidas, a partir de 1965, têm instado os ingleses e argentinos a um acordo sobre as ilhas, até então de pouco valor econômico, de solo gelado e sem árvores, varrido de ventos e só coberto de pastagens para ovelhas. Em 1982, a Argentina cometeu a imprudência de tentar recuperá-las militarmente, e foi delas mais uma vez rechaçada. Na época, o Brasil negou espaço aéreo aos aviões britânicos. Washington – ao esquecer a Doutrina Monroe, contra a presença de colônias europeias nas Américas – recusou-se a repor material bélico aos argentinos, não obstante os acordos entre os dois países.
Fonte: JB
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