segunda-feira, 31 de agosto de 2009

AMÉRICA LATINA - Uma UNASUL com bases firmes.

Foram horas de discussão com tranmissão ao vivo do Hotel Llao Llao. Os presidentes da Unasul discutiram sobre a instalação de bases norte-americanas na Colômbia. O documento estabelece limites e inspeções.

A reportagem é de Daniel Miguez, publicada no jornal Página/12, 29-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

As bases já estão. E não há volta atrás. Isso ficou claro nas palavras do presidente da Colômbia, Alvaro Uribe, já que os esforços para manter a Unasul de pé se concentraram, finalmente com sucesso, no consenso de um documento que indicou que "a presença de forças militares estrangeiras não podem ameaçar a soberania de qualquer país sul-americano" e habilitou ao Conselho de Defesa do organismo a inspecionar a atividade das tropas norte-americanas e seus radares, aviões e armamentos nas bases militares colombianas. O mínimo, mas suficiente para poder mostrar que a Unasul, mesmo com dificuldade, continua respirando. Foi ao cabo de uma tensa reunião de mais de sete horas sem recessos e bastante desvirtuada pela televisão ao vivo, à qual o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva se opôs sem êxito.

A tensão precedeu ao começo formal da cúpula. Ficou em evidência quando a presidenta Cristina Kirchner recebeu os presidentes na porta do Hotel Llao Llao, sob uma chuva que não cessou durante todo o dia. Não estavam nem Uribe, Lula nem o venezuelano Hugo Chávez, três dos atores principais. Lula e Chávez mantinham nesse momento uma reunião bilateral para aproximar posições, e Uribe, quando Cristina já falava na abertura da cúpula, foi à sala de imprensa denunciar que haveria censura, porque o debate não seria televisionado ao vivo.

Foi uma forma de pressionar, porque esse foi o primeiro ponto que os presidentes tiveram que decidir: finalmente, aceitaram a tranmissão ao vivo. Lula não disse nada, mas quando lhe coube a palavra queixou-se porque a modalidade fazia com que os presidentes falassem para seus eleitorados e não o faziam com franqueza.

Cristina começou pedindo que se abordasse a reunião "com muita responsabilidade histórica", cujo final estava previsto para as 13h30 e terminou quatro horas depois. "Não pode haver pior fotografia do que aquela de Quito (a cúpula do dia 10 de agosto), onde o presidente da Colômbia não esteve e houve algumas expressões ostentosas". Era um chamado para se evitar o fracasso da cúpula. Quando a presidenta saiu para falar com a imprensa, às 19h, ela considerou que o objetivo foi conquistado. A Unasul continuava viva.

Houve duas etapas na maratona de discursos. As primeiras quatro horas foram mais ou menos tranquilas. "Vejo avanços e frutos concretos na integração dos países da Unasul. Vejo também sinais de esperança, como esta reunião, onde estamos processando dúvidas e incertezas de forma diplomática e fraterna", disse Correa ao falar depois de Cristina como presidente pro tempore do órgão.

Depois, Correa convidou os presidentes para expor suas posições. O silêncio indicava que ninguém queria ser o primeiro. "Se ninguém quer falar, encerramos a sessão", brincou. Uribe aceitou o desafio, para afirmar que a ajuda militar norte-americana é "prática e eficaz" e que "essa eficácia é o que estamos dispostos a examinar com vocês nesta reunião de hoje da Unasul". "O acesso dos EUA para ajudar a Colômbia na luta contra o narcoterrorismo é um acesso sem renúncia da Colômbia à soberania sobre um milímetro do território", assegurou Uribe, enquanto um Lula modesto batia os dedos de sua mão direita contra a mesa.

Depois, pediu que a Unasul considerasse as FARC como um grupo terrorista. "Preocupa-nos muito que esses grupos sejam encontrados com armas provenientes de outros países. Pedimos que sejam responsabilizados e investigados nesses casos", completou, com um dardo que apontava para Chávez.

Uribe terminou sua exposição sem bombas, e o uruguaio Tabaré Vázquez seguiu-lhe no uso da palavra, dizendo que "o Uruguai advoga pela soberania, por isso rejeitamos a instalação de bases estrangeiras" e lembrou que recentemente seu país rejeitou que um avião britânico carregasse combustível em sua viagem às Ilhas Malvinas.

"Que bom que estamos todos", exclamou Chávez quando começou. Em tom moderado disse que "seria necessário ter o texto do convênio" da Colômbia com os EUA para saber do que estava se falando, "já que o tema central é a instalação de sete bases militares norte-americanas na Colômbia". Depois leu parágrafos do "Livro Branco" do Comando de Mobilidade Aérea do Comando Sul dos Estados Unidos, nos quais, segundo sua interpretação, se detalha a estratégia norte-americana para a região, a qual considerou claramente ameaçadora.

Depois, falaram o peruano Alan García e o boliviano Evo Morales, que teve palavras duras para Uribe e os Estados Unidos. Seguiu-lhes a chilena Michelle Bachelet para solicitar "moderação e vocação integracionista", para poder obter "acordos que sejam cumpridos e não que, se alguém não gostar daquilo que se devide, vai embora". "O futuro da Unasul depende da nossa vontade política, e espero que possamos avançar e superar o ânimo de atrito que vimos nos últimos dias", indicou.

Lula se reservou para fechar a rodada. "Muitas vezes, pedimos muito a nós mesmos e isso não permite que vejamos a qualidade dos avanços políticos que já conseguimos na América do Sul", começou, e na mesma linha lembrou que "até pouco tempo, a doutrina estabelecida na América do Sul era a que nós éramos inimigos uns dos outros e que nossos aliados estavam nos EUA ou na Europa". "Eu não queria que se transmitisse o debate, porque estamos falando para o nosso público, e as diferenças profundas aparecem. Eu não queria parecer antidemocrático com a imprensa e agora estou aqui buscando as palavras mais adequadas", queixou-se.

Depois, subiu um degrau em suas críticas aos EUA e se dirigiu a Uribe. "O companheiro Uribe tenta mostrar que as bases norte-americanas já existem na Colômbia desde 1952. Eu gostaria de lhe dizer de maneira muito carinhosa que, se ainda não se solucionou o problema (a luta contra a guerrilha e o narcotráfico), devemos repensar quais outras coisas podemos fazer na Unasul para solucionar o problema".

"Os grandes consumidores de droga não estão no nosso continente. Seria bom que, em vez de combater o narcotráfico dentro de nossas fronteiras, o façam dentro de suas fronteiras, mas os consumidores são eleitores", continuou Lula. Finalmente, advertiu sobre o perigo do aumento da presença norte-americana na Colômbia. "Teríamos que ter as garantias de que é algo específico do território colombiano". Ele também repetiu sua proposta de pedir a Obama uma reunião para que esclareça as intenções dos EUA para com a região, algo que não chegou a um consenso e não ficou assentado no documento final.

Lula encerrou convidando outra vez à moderação ao dizer que "a única maneira de evitar conflitos entre nós é que nos contenhamos em nossas palavras. Na política, a palavra tem um poder impressionante".

Pareceu uma advertência sobre o que ia vir. Porque quando parecia que tudo havia acabado Correa pediu a palavra e, apoiado em um Power Point, fez o contrário do que Lula havia pedido. Com um tom muito duro, negou as acusações de que o Equador protege as FARC e os narcotraficantes. "O Equador é vítima porque o Estado colombiano não faz nada para solucionar o problema dentro do seu território". Depois, lançou frases como: "A Colômbia é o principal produtor de droga na região"; "Há plantações de coca ao lado da fronteira com o Equador e ao redor de uma base militar"; "Esses grupos (FARC e narcotraficantes) extorquem agricultores equatorianos".

O clima voltou a ficar pesado, e uma resposta forte de Uribe estava quase caindo de madura. O colombiano começou respondendo a Lula: "Não nos parece que tenhamos que chamar o presidente Obama para lhe pedir contas". Depois, defendeu as bases militares, ao dizer que só haverá 800 militares norte-americanos, e que eles atuarão exclusivamente em território colombiano. Também disse que estava disposto a deixar que o convênio com os EUA fosse "analisado" pelo Conselho de Defesa da Unasul, mas "sem prescindir da OEA", onde os EUA tem a voz principal. Enquanto isso, mostrava fotos de cadáveres, vítimas da FARC e dos narcotraficantes.

A essa altura, o almoço havia sido suspenso, e cada presidente comia em seu assento como podia. Chegava a vez de Chávez, que já estava explodindo. Cristina Kirchner talvez também notou isso, pedindo uma interrupção. E usou isso para colocar gelo sobre as palavras que vinham da boca de Chávez.

Ela disse que era preciso reencaminhar a conversa e falou da necessidade de recompor a confiança entre alguns presidentes e concluiu pedindo que se firmasse um documento. Então, Chávez, em uma mudança evidente, só disse que estava disposto a assinar o documento se se respeitasse "um princípio geral de que as forças extrarregionais não afetem a soberania de outros países". A Unasul, por enquanto, continua a salvo.
Fonte:IHU

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