quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

CRISE MILITAR FABRICADA - O que a " crise militar " nos diz sobre os jornalões. E sobre o Brasil.

Copiado do blog Vi o Mundo.

O que a "crise militar" nos diz sobre os jornalões. E sobre o Brasil


por Luiz Carlos Azenha

A "crise militar" anunciada pelos jornalões deveria ser utilizada, de forma didática, como um exemplo do uso da desinformação com objetivos políticos.

Diz mais sobre a falta de qualidade dos jornais brasileiros e do uso deles para objetivos políticos do que sobre os assuntos que teriam "gerado" a crise.

Comecemos pelo começo.

O Programa Nacional de Direitos Humanos foi criado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso quando -- ironia das ironias -- o ministro da Justiça era Nelson Jobim. Veja aqui.

Desde então aconteceram 11 conferências nacionais de Direitos Humanos. A décima primeira aconteceu em 2008. As conferencias nacionais de Direitos Humanos reúnem militantes da sociedade civil e representantes das diferentes esferas do governo. As conferências produzem resoluções aprovadas em votações. Essas resoluções podem OU NÃO resultar em projetos de lei patrocinados pelo Executivo. Projetos que tramitam como quaisquer outros no Congresso Nacional. Podem OU NÃO ser aprovados.

Aqui você pode saber quais foram as resoluções da mais recente conferência.

Como mostrou o Paulo Henrique Amorim, com a exposição de um vídeo, durante a conferência mais recente foi aprovada, por 29 votos a 2, a proposta de se formar uma Comissão Nacional de Verdade e Justiça.

Trata-se, portanto, apenas de uma proposta. Que poderá ou não ser adotada pelo Executivo brasileiro.

Uma proposta aprovada por 29 votos da sociedade civil:

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Contra dois votos de representantes do Ministério da Defesa:

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Feito isso, o presidente da República e a ministra Dilma Rousseff participaram do lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos, em sua terceira versão (lembrem-se, a primeira versão é do governo FHC).

Como constatou o colunista Janio de Freitas, da Folha de S. Paulo, a reação de desconforto dos chefes militares se deu depois do evento. Eles foram acompanhados pelo ministro Nelson Jobim. Estamos falando, até agora, de meras propostas aprovadas pela sociedade civil.

Mas, estranhamente, os jornais brasileiros descobrem o assunto AO MESMO TEMPO, na semana seguinte à crise, como notou Janio de Freitas.

Todos noticiaram o assunto com destaque, NO MESMO DIA:

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Estadão, primeira página

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O Globo, primeira página

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Folha, página 3

Os textos dos três jornais estão repletos de informações falsas, deturpadas, incompletas ou que dão pernas a opiniões desinformadas.

Exemplos:

Na Folha, a reportagem assinada pela musa do alerta amarelo, aquela que sugeriu a todos os brasileiros, indiscriminadamente, que zarpassem para o posto de saúde mais próximo para tomar vacina contra a febre amarela, quando a vacina tem contra-indicações e NÃO PODE SER TOMADA POR TODOS -- a Eliane Cantanhêde -- diz que os militares "imaginam que o resultado dessas propostas seja a depredação ou até a invasão de instalações militares que supostamente tenham abrigado atos de tortura e não admitem o contrangimento da retirada de nomes de altos oficiais de avenidas pelo país afora".

Ora, a Folha não explica ao leitores o que é o Programa Nacional de Direitos Humanos, nem o que é a Conferência Nacional de Direitos Humanos, nem que as propostas da conferência são meramente propositivas. Dá pernas à teoria da "depredação" de instalações militares, completamente absurda.

O Globo, por sua vez, cita apenas um parlamentar: Raul Jungmann, do PPS-PE, aliado de Nelson Jobim e de José Serra:

"Ele chamou para si a crise e fez prevalecer sua autoridade -- disse Jungmann", diz o jornal carioca, atribuindo a crise ao ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que segundo o jornal "se confirmada a decisão de Lula de rever o decreto", "sai enfraquecido". É importante registrar que o decreto de Lula institui o Programa Nacional de Direitos Humanos SEM DEFINIR quais serão as propostas efetivamente apoiadas pelo Executivo. Portanto, não se pode falar em "recuo" de Lula: o presidente da República ainda não definiu os projetos que apresentará com base nos resultados da décima primeira Conferência Nacional dos Direitos Humanos.

Finalmente, chegamos ao Estadão: "Projeto muda Lei de Anistia e Jobim ameaça se demitir", diz a manchete de primeira página, factualmente errada.

Não existe projeto mudando a lei de Anistia. O alcance da Lei de Anistia, de 1979, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Leia aqui para entender.

O texto de primeira página do Estadão é falso:

O Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê a criação de uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar.

Não é verdade que o PNDH-3 proponha a revogação da Lei de Anistia. O PNDH-3 contém uma proposta para a criação de uma Comissão da Verdade que, dependendo dos poderes atribuídos a ela, em tese poderia sugerir à Justiça a investigação e indiciamento de agentes públicos acusados de tortura, por exemplo. Mas ANTES seria preciso esperar a decisão do STF sobre o alcance da Lei de Anistia de 1979 e a decisão do Congresso EFETIVAMENTE criando a comissão da verdade e dando a ela PODERES REAIS de investigação. Notaram as nuances simplesmente desprezadas pelo Estadão?

No dia seguinte, tentando dar pernas à crise, o Estadão publica um editorial em que repete a mesma lógica de 1964, dizendo que o Programa Nacional de Direitos Humanos ameaça promover "uma nova e mais perniciosa divisão política e ideológica da família brasileira".

Patético, para dizer o mínimo.

Disso tudo, concluo:

1. Que os jornalões brasileiros, como denunciamos faz tempo, cumprem funções propagandísticas: foram incapazes de "perceber" a crise militar, de "investigar" a crise militar e noticiaram a "crise militar" com alguns dias de atraso, AO MESMO TEMPO, alimentados sabe-se-lá por quem.

2. Que os jornalões brasileiros, no mínimo, são incapazes de lidar com os fatos; no máximo, servem a uma campanha de desinfomação.

3. Que quem semeia a crise no mínimo acredita em uma solução "por cima" da sociedade civil brasileira; que quem semeia a crise ou está no comando dos quartéis e não dispõe de apoio na sociedade civil ou vai bater às portas dos quartéis por falta de eleitores, no mínimo para derrubar ou enfraquecer os ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi e no máximo para atingir a "terrorista" Dilma como "dano colateral".

Mas o episódio nos diz mais.

Revela a contínua incapacidade dos chefes militares de lidar com decisões tomadas publicamente, com participação de representantes da sociedade civil, pelo placar acachapante de 29 a 2, ainda que essa propostas sejam meramente indicativas, sem poder legal. É a democracia sem povo.

Revela também, pelo conteúdo dos comentários que o Viomundo aprovou nas últimas horas, a existência de um grupo de comentaristas conservadores que está disposto a defender a tortura como ferramenta oficial do Estado brasileiro, ainda que a tortura fosse ilegal PELA LEGISLAÇÃO ARBITRÁRIA dos regimes militares brasileiros.

Prefiro atribuir isso ao desespero da direita brasileira com a simples possibilidade de perder mais uma eleição no ano que vem.

Feliz 2010 a todos!

PS: Todas as informações deste post estão disponíveis na internet. Sugiro que se dê um curso de "Google" nas redações brasileiras.

PS2: A Conferência Nacional de Comunicação, realizada este ano pela primeira vez, apenas repete a fórmula de outras conferências nacionais, como a de Direitos Humanos. O fato de que a mídia boicotou a Confecom expôs claramente quais são os limites da "democracia" aceita pelos donos dos grandes meios de comunicação no Brasil.

PS3: Sempre é bom lembrar qual foi o destino daqueles que foram bater às portas dos quartéis antes do golpe de 1964: foram presos, cassados ou se tornaram grandes empresários da comunicação com amplo financiamento e cobertura dos chefes militares

POLÍTICA INTERNACIONAL - 2009: Desenganos, crises e esperanças.

2009: Desenganos, crise e esperanças

Nidia Díaz

CONCLUIU o ano 2009 e o panorama internacional oferece um interessante leque de conflitos, encruzilhadas, frustrações e situações limites que se misturam com esperanças positivas e desenvolvimentos, tudo em companhia da grave crise econômica global, provocada pelos Estados Unidos, e cujo efeito devastador se espalhou pelo resto do planeta, a partir dos países capitalistas desenvolvidos, causando os maiores estragos nas nações do Terceiro Mundo.

Em meio ao desmoronamento dos indicadores econômicos internacionais e suas conseqüências sociais, que levaram a um crescimento da pobreza, da fome e das doenças — segundo foi confirmado pelos organismos internacionais e pelas agências especializadas das Nações Unidas, — o ano que terminou também esteve marcado pela continuação das guerras de agressão e pela ocupação militar no Iraque e Afeganistão, estendida perigosamente ao Paquistão, pelo golpe de Estado militar-oligárquico contra o governo constitucional de José Manuel Zelaya, em Honduras e pela instalação de sete bases militares estadunidenses na Colômbia.

A maior frustração do ano foi, sem dúvida, a gestão presidencial de Barack Obama, que tomou posse no mês de janeiro, cercado de uma auréola que parecia pressagiar a possibilidade de algumas mudanças, embora mínimas — tal como prometera na sua espetacular campanha — e que em poucos meses, com suas ações, mostrou a verdadeira essência do que será sua administração, confirmando as previsões daqueles que sempre duvidaram dessa eventualidade, levando em conta a natureza inalterável e invariável do fenômeno imperialista e sua necessidade de guerras, agressões, dominação e saque para subsistir e impor-se ao mundo como tal.

A impossibilidade de reverter esses propósitos ficou a nu, em poucos meses, se não bastasse, o novo presidente dos EUA tomou medidas e deu passos agressivos muito similares aos do seu nefasto antecessor.

Se o fez sob brutais pressões, ou como fruto das contradições internas do próprio governo, ou na busca de assegurar uma eventual reeleição, tudo isso, atualmente, é alvo de debate e discussão mundial, mas, que em nada mudam os resultados.

O certo é que os meses decorridos com o novo inquilino da Casa Branca mostram a necessidade de continuar enfrentando com novos brios as políticas do império, particularmente por parte dos países da Ásia, África, América Latina e o Caribe, que continuam sendo o terreno preferido e propício para o exercício do hegemonismo e do saque.

A crise econômica global veio acompanhada de uma crise ambiental, cujo elemento mais visível e ameaçador é a mudança climática, que avança inexorável e que não tem sido possível deter nem sequer com o maltratado Protocolo de Kyoto, nem com as Cúpulas, como a de Copenhague, cujo desenvolvimento e resultados vergonhosos mostraram que os Estados Unidos e o mundo capitalista desenvolvido pouco se importam destes perigos que podem derivar no fim da humanidade.

As nações do Terceiro Mundo pagarão as culpas dos depredadores do capitalismo mundial e os pequenos estados insulares vão desaparecer, aos poucos, não se põe fim à poluição irresponsável do meio ambiente por parte daqueles que hoje a praticam criminosamente para enriquecer seus bolsos, acelerando o degelo e a elevação do nível dos mares, a seca e os desastres naturais.

A crise econômica global também veio acompanhada de uma crise energética, que já se vislumbrava como conseqüência dos altos preços do petróleo e que, estimulada pela voracidade insaciável dos EUA, trouxe em conseqüência o auge indiscriminado dos chamados biocombustíveis, que com o pretexto de substituir o petróleo e evadir os altos preços, provocou uma crise alimentar que também afetou os países mais pobres e as populações mais vulneráveis.

A pandemia da influenza A, conhecida como A H1N1, também atingiu este ano, acrescentando uma calamidade mais para os habitantes da terra, que ainda não se libertaram da AIDS e que lutam contra a dengue nas regiões tropicais. A crise econômica, acompanhada da negligência, da abulia e do desvio de recursos, por parte de governos insensíveis e irresponsáveis, fez com que, nalguns países, os efeitos destes flagelos fossem particularmente graves.

A União Europeia finalmente concordou que entrasse em vigor o chamado Tratado de Lisboa, que substituiu o tratado constitucional que infrutuosamente durante anos tentaram aprovar, e depois das reticências derradeiras da Polônia e da República Tcheca, que deste modo conseguiram algumas concessões, foi assinado este novo tratado jurídico para a União de 27 países.

Contudo, o papel político independente que a União Européia poderia desempenhar no mundo — e dentro da própria Europa — continua sem se manifestar, e em 2009 continuou afastando-se de seus propósitos originais, tornando-se cada vez mais dependente das posições do governo dos EUA, quer Bush quer Obama, às quais praticamente se subordina nas mais importantes conjunturas internacionais. A existência, no seu seio, de uma maioria de governos de direita: as relações que muitos dos integrantes da União são obrigados a manter com Washington, como membros do pacto político-militar da OTAN, bem como o elevado grau de dependência econômica e cultural dos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial e o colapso da URSS e do campo socialista europeu, são fatores que, de uma forma ou outra, se combinam e impedem à União Européia um protagonismo próprio mais relevante.

No Japão, pelo contrário, a chegada ao governo do Partido Democrático e seus aliados, pôs fim a 50 anos quase ininterruptos do Partido Liberal Democrático, estreitamente ligado aos EUA durante esse período, razão dos acordos assinados em matéria de defesa, que tornaram essa nação num porta-aviões asiático das forças armadas norte-americanas. Como anunciou durante sua campanha eleitoral, o novo primeiro-ministro Hatoyama discutirá com Washington outras modalidades que transformem e regulamentem de maneira mais efetiva para o país do Sol Nascente a numerosa presença militar estadunidense.

Durante o ano, continuaram tendo lugar processos iniciados com anterioridade, mas que, em 2009, mereceram destaque e foram fatores de incidência regional e mundial. Um deles foi, apesar da crise mundial, o crescimento da economia da República Popular da China e sua consolidação como grande potência econômica, que leva muitos especialistas a considerá-la a segunda economia do mundo.

Por sua vez, a África continuou se tornando grande fornecedor de petróleo, mediante contratos e acordos de caráter diferente, segundo o país do qual se tratar, aumentando a presença das multinacionais petroleiras e seus lucros, bem como as receitas dos governos locais beneficiados com o auge petroleiro.

Contudo, não se informa que, na mesma medida, se tenha conseguido um notável aumento do nível de vida desses povos e uma constante diminuição da pobreza e do subdesenvolvimento.

Um raio de esperança, junto a múltiplas realidades, continua iluminando a América Latina e o Caribe. Os processos de transformações econômicas, políticas e sociais, que de diversa forma, abrangem numerosos países latino-americanos e caribenhos se consolidaram e, apesar dos efeitos da crise econômica e da política premeditada do governo dos EUA e das oligarquias locais associadas e dependentes para obstaculizá-los e eliminá-los, avançaram em várias esferas de cooperação e integração.

A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), criada há cinco anos, a partir dos acordos entre Cuba e Venezuela, assinados pelos presidentes Fidel Castro e Hugo Chávez, surgiu como esquema sem precedentes de integração solidária e de benefício recíproco, além dos puramente comerciais que caracterizaram outros esforços integradores na região. Os sucessos da ALBA tornaram-se evidentes com rapidez e isso marcou a extensão da Aliança a outros países como Bolívia, Equador, Nicarágua, Dominica, Antígua e Barbuda, São Vicente e Granadinas e Honduras. Sucessos que foram comemorados, neste ano, com novas metas e aspirações, sob os princípios bolivariano e martiano da construção da Pátria Grande.

O golpe de Estado de 28 de junho, em Honduras, contra o presidente constitucional, José Manuel Zelaya, foi atribuído, entre outras coisas, à decisão do governo de incorporar-se à ALBA e tentar guiar o país pelo caminho da soberania e do desenvolvimento próprios, à margem da oligarquia local e de algumas famílias que exploraram o país durante séculos. Como todos sabemos, este foi um golpe contra a ALBA, ao qual os EUA não são alheios, pois eles sentiam a necessidade de tornar pública sua rejeição a esta Aliança e deixar claro que estavam dispostos a enfrentá-la, no que consideraram seu elo mais fraco.

Na contramão das suas aspirações, o ano que termina viu renascer um movimento de resistência popular, disposto a converter este revés em vitória, e para isso contam com a firme decisão de não desmobilizar-se e continuar lutando, como dignos herdeiros de Francisco Morazán.

Com certeza, a América Latina e o Caribe vivem momentos de mudanças, onde nada é nem será como antes. O fracasso de Washington em impor a chamada Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) marcou uma guinada definitiva da situação, acompanhada de sucessivas tomadas de poder de diversas forças progressistas, nacionalistas, populares e, inclusive, antiimperialistas de diferentes signos e composição, mas unidas em um denominador comum que as integra e as aproxima.

A entrada de Cuba no Grupo de Rio e o cessar das sanções que os Estados Unidos lhe impunham no seio da OEA, expressaram a decadência do poder do império e a perda de sua influência abrangente em seu outrora "quintal".

O ano novo não chega exatamente igual a todas as regiões do planeta, embora problemas globais como a mudança climática e a crise econômica pareçam não admitir testemunhas e nelas todos somos protagonistas. Desenganos, crise e esperanças poderão continuar caracterizando o sucessor deste convulso 2009.
Original em Granma/Blog do Velho Comunista.

O DEBATE DA POLÍTICA EXTERNA: a moral internacional e o poder.

O debate da política externa: a moral internacional e o poder

Ao receber o Nobel da Paz, Obama recorreu às idéias de São Agostinho e de Santo Tomás de Aquino sobre a legitimidade moral das "guerras justas". Ao fazer isso, retomou a tese medieval de que existiria uma única moral internacional, situada acima de todas as culturas e civilizações.

“No grau de cultura em que ainda se encontra o gênero humano, a guerra é um meio inevitável para estender a civilização, e só depois que a cultura tenha se desenvolvido (Deus sabe quando), será saudável e possível uma paz perpétua.”
Immanuel Kant, “Começo verossímil da história humana”, 1796

A confusão já era grande, e ficou ainda maior, depois do discurso do presidente norte-americano, Barack Obama, em defesa da guerra, ao receber o Prêmio Nobel da Paz, de 2009. Como liberal, Obama poderia ter utilizado os argumentos do filósofo alemão, Immanuel Kant (1724-1804), que também defendeu, na sua época, a legitimidade das guerras, como meio de difusão da civilização européia, até que chegasse a hora da “paz perpétua”. Mas Obama preferiu voltar à Idade Média e recorrer às idéias de São Agostinho (354-430) e de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), sobre a legitimidade moral das “guerras justas”.

A opção do presidente Obama não foi casual: através dos santos católicos, em vez dos filósofos iluministas, ele tentou retomar a tese medieval de que existiria uma única moral internacional, situada acima de todas as culturas e civilizações, capaz de embasar juízos objetivos e imparciais, sobre a conduta de todos os povos e todos os estados. E não deve ter passado despercebido do presidente Obama, que o argumento da “guerra justa” - sobretudo no caso de Santo Tomas de Aquino - estava associado como projeto de construção de uma monarquia universal, da Igreja Católica, dos séculos XII e XIII. O que talvez ele tenha esquecido ou desconsiderado é que este projeto “cosmopolita” de Roma foi derrotado e desapareceu depois do nascimento dos estados nacionais europeus. Da mesma forma que a tese da “guerra justa” foi engavetada, depois da crítica demolidora de Hugo Grotius (1583-1645), o jurista holandês e liberal que demonstrou que no novo sistema inter-estatal que havia se formado na Europa, era possível que frente à uma única “justiça objetiva”, coexistissem várias “inocências subjetivas”.

Em outras palavras: mesmo que se acreditasse na existência de uma única moral internacional, dentro de um sistema de estados eqüipotentes, não haverá jamais como arbitrar “objetivamente”, sobre a legitimidade de uma guerra entre dois estados. Por isto, na prática, esta arbitragem coube sempre, através dos tempos, aos estados que tiveram capacidade de impor seus interesses e seus valores, como se fossem interesses e valores universais. Nos séculos seguintes, este “paradoxo de Grotius”, se transformou na principal contradição e limite da utopia liberal inventada pelos europeus. Thomas Hobbes (1588-1679) e Immanuel Kant (1724-1804) perceberam desde o primeiro momento do novo sistema, que a garantia da ordem dos estados e da liberdade dos indivíduos, exigia a presença de um poder soberano absoluto, acima de todos os demais poderes, e da própria liberdade dos indivíduos. Por outro lado, François Quesnais (1694-1774) e a escola liberal dos fisiocratas franceses, também concluíram que o bom funcionamento de uma economia de mercado requereria sempre um “tirano esclarecido” que eliminasse pela força, os obstáculos políticos ao próprio mercado. E finalmente, Immanuel Kant concluiu que as guerras eram um meio inevitável de difusão da civilização européia.

Em todos os casos, se pode identificar o mesmo paradoxo, no reconhecimento liberal da necessidade do poder e da guerra para difundir e sustentar a própria moral em que se funda a liberdade, e o reconhecimento de que no campo das relações internacionais, o que se chama de “moral internacional” será sempre a “moral” dos povos e dos estados mais poderosos. Edward Carr (1892-1982), o pai da teoria política internacional inglesa, referiu-se a estes países como sendo membros de um “círculo dos criadores da moral internacional” , formado nos dois últimos séculos, pela Grã Bretanha, os EUA e a França.

Para entender na prática, como se dão estas relações, basta olhar hoje para a posição dos anglo-saxões e dos franceses, frente ao programa nuclear do Irã. Os Estados Unidos patrocinaram o golpe que derrubou o presidente eleito do Irã, em 1953, e sustentaram o regime autoritário do Xá Reza Pahlavi, junto com seu programa nuclear, até sua deposição em 1979. Mas antes disto, já tinham permitido que Israel tivesse acesso a tecnologia nuclear, com o auxilio da França e da Grã Bretanha, por volta de 1965. Quando entrou em vigor o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1970, EUA, GB e França conheciam esconderam o arsenal atômico do Israel, e nunca protestaram contra Israel por não ter assinado o Tratado, nem ter aceitado as inspeções da Agencia de Energia Atômica das NU, além de ter rejeitado a Resolução 487, de 1981, do Conselho de Segurança das NU, que se propunha colocar as “facilidades atômicas” de Israel, sob a salvaguarda da IAEA. Como resultado, existe hoje uma assimetria gigantesca de poder militar dentro do Oriente Médio: são 15 países, com 260 milhões de habitantes, e o só Israel, com apenas 7,5 milhões de habitantes e 20 mil km2, detém uma arsenal de cerca de 250 cabeças atômicas, com um sistema balístico extremamente sofisticado, e com o apoio permanente da capacidade atômica e de ataque dos EUA, dentro do próprio Oriente Médio.

Neste contexto, o esquecimento do “poder” no tratamento da “questão nuclear iraniana”, e sua substituição por um juízo moral e de política interna, é uma hipocrisia e uma manipulação publicitária. Por isso, quando se lê hoje a imprensa americana– em particular os jornais liberais de Nova York – fica-se com a impressão que as bombas de Hiroshima e Nagasaki caíram do céu, sem que tivesse havido interferência dos aviões norte-americanos no único ataque atômico jamais feito à populações civis, na história da humanidade. Fica-se com a impressão que o arsenal atômico de Israel também caiu do céu sem a interferência da França e da Grã Bretanha, e com aquiescência dos EUA, os grandes “criadores de moral internacional”. E o que é pior, fica-se com a impressão que o Holocausto aconteceu no Irã, ou no mundo islâmico, e não na Alemanha do filósofo Immanuel Kant, situada no coração da Europa cristã.


José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte:Agência Carta Maior.

A APROXIMAÇÃO ENTRE EUROPA E RÚSSIA.

Copiado do blog Revista Fórum

A aproximação entre Europa ocidental e Rússia

Por Immanuel Wallerstein [Quinta-Feira, 31 de Dezembro de 2009 às 10:09hs]

O lento processo de criar uma aliança geopolítica duradoura entre a Europa ocidental e a Rússia tem uma longa história, que está amadurecendo lentamente.

As suas origens remontam à visita do presidente Charles De Gaulle à União Soviética em 1944, quando assinou o tratado franco-soviético de Aliança e Mútua Assistência. Era uma forma de reafirmar a centralidade da França na política europeia e tomar distância dos seus de certa forma relutantes aliados, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Para De Gaulle, os interesses geopolíticos sobrepunham-se às diferenças ideológicas.

O momento crucial seguinte foi a adoção da chamada Ostpolitik pelo chanceler social-democrata alemão-ocidental Willy Brandt, depois da sua chegada ao poder em 1969. A nova política envolvia uma detente diplomática com a União Soviética (assim como a abertura de comunicações com a Alemanha Oriental).

O terceiro momento crucial foi o grande debate no final dos anos 70 e nos anos 80 sobre a construção de um gasoduto da União Soviética para a Europa ocidental, que era apoiado pela Alemanha, pela França, e mesmo pela Grã-Bretanha da senhora Thatcher.

O quarto momento crucial foi a proclamação pelo primeiro-ministro soviético Mikhail Gorbachev em 1987 da necessidade de construir "uma casa comum europeia".

O que foi comum a esses quatro movimentos foi terem sido vistos pelos Estados Unidos como no mínimo propostas dúbias ou, pior, iniciativas que prejudicavam potencialmente os interesses globais norte-americanos.

Depois do colapso da União Soviética, a Rússia de Boris Yeltsin pôs estas ideias todas de lado, dando prioridade a desenvolver relações próximas com os Estados Unidos. Os regimes pós-comunistas na Europa central-oriental ficaram aliviados pela redução de sinais de relações mais próximas entre a Europa ocidental e a Rússia.

Contudo, quando Vladimir Putin sucedeu a Yeltsin, a política russa reverteu para uma busca de relações mais próximas com a Europa ocidental, e com a França e a Alemanha em particular. Esta mudança pareceu realizar-se em Fevereiro de 2003, quando os três países deram as mãos para derrotar a tentativa dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha de conseguir o apoio do Conselho de Segurança da ONU à invasão do Iraque prestes a ocorrer. Dessa vez, os Estados Unidos definiram abertamente esta colaboração como hostil aos interesses globais norte-americanos.

Desde então, e de certa forma sob o radar do mundo, estas relações continuaram a avançar, apesar da permanente hostilidade dos EUA e do medo geral e da oposição dos governos dos outrora estados-satélite da Europa oriental-central.

Putin continua a usar o mecanismo de um dos seus maiores trunfos, as exportações russas de gás natural, como forma de consolidar estas relações. O debate desde os anos 90 tem sido sobre a rota dos novos gasodutos da Rússia e da Ásia central para a Europa.

Os russos defendem as rotas conhecidas como a Corrente Norte e a Corrente Sul. O gasoduto da Corrente Norte sairia da Rússia pelo Mar Báltico para a Alemanha, evitando a Ucrânia, a Bielorússia, a Polónia e os estados bálticos.

A Corrente Sul sairia da Rússia via Mar Negro para a Bulgária, dividindo-se depois em dois ramais, um para noroeste via Sérvia, Hungria e Eslovénia para a Áustria, e outro para sudoeste, via Grécia e o Adriático, para a Itália.

Os Estados Unidos têm feito pressão a favor de um terceiro projeto de gasoduto chamado Nabucco, que procura evitar a Rússia obtendo o gás do Turquemenistão. Atravessaria o Mar Cáspio para o Azerbaijão, continuaria pela Geórgia, Turquia, Bulgária, Romênia, Hungria até a Áustria e daí para a Alemanha e a República Checa. Mas como o abastecimento de gás do Turquemenistão é limitado, o gás acabaria por ter de vir da Rússia, o que diminui a utilidade geopolítica do Nabucco.

Em qualquer caso, no que o Le Monde chamou de "jogada de mestre", Putin veio a Paris no final de novembro para selar um acordo com a França para trabalharem juntos no sentido de concluir a construção de ambos os gasodutos da Corrente Norte e da Corrente Sul. Uma figura francesa-chave, o CEO da GDF Suez, Gérard Mestrallet, disse que a "Rússia é um parceiro indispensável, para o futuro e para a Europa". O presidente da França, Nicolas Sarkozy, apelou a "um espaço de segurança comum" entre a Europa e a Rússia. Este é o mesmo Sarkozy que é saudado em Washington como o mais pró-americano presidente francês desde 1945. Mais uma vez, os interesses geopolíticos sobrepõem-se às diferenças ideológicas.

Os estados europeus centrais-orientais provavelmente irão alinhar, descontentes e temerosos. Mas a realidade geopolítica é que os Estados Unidos pouco podem agora fazer para atrasar a grande aliança em formação.

Publicado em Esquerda.net. Tradução de Luis Le

POLÍTICA - A CRISE FABRICADA.

Por trás da coincidência.

Por trás da coincidência


por JANIO DE FREITAS, na Folha de S. Paulo

Episódio da semana passada aparece em vários jornais no mesmo dia; a coincidência foi produzida antes disso

UM EPISÓDIO que seria do início da semana passada aparece, de repente, em vários jornais no mesmo dia (ontem), em versões não exatamente iguais, mas, todas, de igual gravidade: uma crise entre as Forças Armadas, por seus comandos e seu original ministro, e o presidente Lula.

Certeza imediata: nem coincidência casual das iniciativas jornalísticas, nem ação combinada dos jornalistas. Coincidência produzida antes da etapa jornalística, sem dúvida. O que é até comum quando há fontes de informação explicitadas ou, se não, em notícias que ficam mais ou menos nos limites convencionais. Nunca em notícia de óbvia gravidade e risco de efeitos deletérios, a ponto de levar os jornais que a divulgaram à cautela de não lhes dar o destaque mancheteiro que seu teor poderia justificar.

O ministro Nelson Jobim fica muito bem na lealdade aos comandantes e ao conjunto das Forças Armadas, acompanhando-os na recusa a conviverem com o Plano Nacional de Direitos Humanos decretado pelo presidente da República no dia 21. Apesar de não ficar tão bem na lealdade ao presidente. Por justiça, Nelson Jobim até fica credenciado para um aval dos militares, por exemplo, na composição de uma chapa eleitoral, ou algo assim importante.

Mas o presidente não ficou e não está bem, nesse caso. A rigor, está mal, mesmo. No mínimo, porque contestado e posto sob pressão para alguma forma de recuo -- cada versão é, para ele, pior do que a anterior. Nem é isso, porém, o que mais interessa.

Na(s) fonte(s) da coincidência fabricada e no teor de suas informações há um propósito de agitação política, seguindo a mais inconveniente das receitas conhecidas: com a inclusão das Forças Armadas. É bastante claro que, em discordância da área militar com partes do Plano de Direitos Humanos, como se esperava que houvesse, os pontos problemáticos podiam ser discutidos em normalidade com Lula e outros. Seja, porém, pelo que narra a coincidência fabricada, seja pela contestação incumbida ao ministro Tarso Genro, comprova-se que não houve a conduta normal, em termos funcionais, e exigida pelo regime democrático.

Tanto no teor do que foi passado a jornalistas, como na busca de difusão desse teor pelo uso simultâneo de vários jornais, sempre realçado o sentido de uma crise entre as Forças Armadas e Lula, o propósito de agitação se evidencia com uma indagação implícita: a que e a quem interessa, nestas alturas em que se encaminha um processo eleitoral sob o prestígio imenso de Lula; o Brasil desvia-se para entendimentos internacionais sem mais obediência às regras do Ocidente, e tantos interesses internos e externos se inquietam com as transições, também externas e internas, em curso ou possíveis?

Os desdobramentos imediatos talvez não respondam, é mesmo improvável que o façam. E, pior, Lula não é o tipo que avança em procurá-las. Mas que há resposta, há.

Fonte: Blog Vi o Mundo.

ANOS DE CHUMBO - As forças internas de ocupação.

Alípio Freire: As forças internas de ocupação


Carta aberta a Paulo Vannuchi, Ministro, Cidadão Brasileiro, Companheiro e Amigo

Caro Paulo,

acabo de tomar conhecimento da notícia (abaixo) sobre a ameaça de pedido de demissão do ministro da Defesa Nelson Jobim, e dos seus patronos, os comandantes das Três Armas, e da negociação encaminhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A indignidade e o golpismo desses setores representados pelo ministro Jobim e os três comandantes não nos surpreende. Não nos surpreende sequer a escolha dos momentos de maior desmobilização (como as festas de final de ano) para que façam suas chantagens e gerem crises: entre outras medidas, o Ato Institucional Número 5 também foi anunciado na noite de uma sexta-feira, às vésperas das festas de final de ano de 1968 (13 de dezembro).

Gostaria sinceramente de me orgulhar das nossas Forças Armadas, que nos deram homens da envergadura de João Cândido, Luiz Carlos Prestes, Apolônio de Carvalho, Henrique Dufles Teixeira Lott, Alfeu D'Alcântara Monteiro, Carlos Lamarca - para ficarmos apenas no universo dos nomes mais conhecidos publicamente, sem citar os milhares de Marco Antônio da Silva Lima, José Raimundo da Costa, Otacílio Pereira da Silva, José Mariane Alves Ferreira, Onofre Pinto e tantos outros, alguns dos quais constam da lista daqueles que foram assassinados e outros que, além de assassinados, tiveram seus cadáveres ocultados - os "desaparecidos", por ordem de seus antigos companheiros de farda.

A verdade, porém, é que a cúpula atual das nossas Armas, em sua grande maioria, pouco difere daqueles energúmenos que rasgaram a nossa Constituição com o golpe de 1964, e instalaram o Terror de Estado, para garantir os privilégios da elite econômica, o esbulho da classe trabalhadora e do nosso povo, e instituir consignas aviltantes, do tipo "O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil". Assim, por maior que sejam a minha boa vontade e meu esforço nesse sentido, não há como nos orgulharmos de instituições comandadas por políticas desse tipo. Mas, um dia as mudaremos, também.

Sim, senhor Ministro; sim, Cidadão Paulo Vannuchi; sim meu amigo e companheiro de todas as lutas e jornadas pela democratização e aprofundamento da democracia em nosso país: esses senhores de hoje são os mesmos de sempre. São aqueles mesmos que, com base na truculenta Doutrina de Segurança Nacional forjada no War College de Washington no imediato pós Guerra, forjaram a Lei de Segurança Nacional – LSN, que vigorou durante a ditadura, até ser derrubada pelas nossas jornadas democráticas da segunda metade dos anos 1970 e início dos 1980.

A mesma torpe e sinistra LSN que o senhor ministro da Defesa Nelson Jobim tenta hoje restaurar, a mando dos seus superiores (os comandantes das Três Armas), a serviço dos interesses que em 1964 empolgaram grande parte da cúpula militar de então. Uma Doutrina e uma Lei de Segurança Nacional que transforma a nossa classe trabalhadora, nosso povo e todos os democratas e homens e mulheres de bem deste País, em "inimigos internos", e achincalha nosso Exército, Marinha e Aeronáutica, conferindo-lhes o papel de polícias, de forças repressivas contra os nossos melhores cidadãos e cidadãs. Uma Doutrina e Lei de Segurança Nacional que transformam, enfim, nossas Forças Armadas, em Forças de Ocupação Interna, para a defesa dos interesses dos grandes centros econômicos internacionais, retirando-lhes e invertendo, assim, o papel mais digno, honrado e decente que deveriam cumprir: o de defensores da nossa soberania, e fiadores da nossa Constituição.

A impostura que eles e seus representados têm utilizado, é a questão do "revanchismo", cada vez que falamos responsabilização judicial e punição nos termos das leis da Nossa República, que devem ser aperfeiçoadas nesse sentido. E isto, ainda que, a rigor, sequer necessitemos mudanças na atual Lei da Anistia, para levarmos aos nossos tribunais de hoje, os celerados de antanho. A leitura e argumentos do professor e jurista Fábio Konder Comparato sobre o texto da Lei de Anistia em vigor, especialmente no que diz respeito aos "crimes conexos", são suficientes para levarmos em frente os processos - e esses generais, brigadeiros e almirantes que ora se insubordinam, sabem disto.

E sabem também que "revanchismo" seria pretender que os acusados (diretos ou indiretos) de crimes de tortura fossem seqüestrados, levados para cárceres clandestinos onde permaneceriam desaparecidos durante o tempo que melhor aprouvesse aos seus seqüestradores; onde seriam interrogados sob as mais aviltantes torturas; e, depois, aqueles que sobrevivessem aos meses de incomunicabilidade e sevícias, que sobrevivessem ao chamado "terror dos porões", fossem submetidos à farsa burlesca do julgamento nos tribunais de guerra.

Esses senhores sabem muito bem que não nos propomos a isto a que fomos submetidos; que não nos propomos a qualquer terror que lembre, sequer aparentemente, os métodos por eles utilizados, e que agora tentam acobertar. Sabem muito bem que somos homens e mulheres formados em outros princípios, e que jamais nos utilizaríamos de qualquer dos seus métodos, ou com eles seríamos coniventes. O que pretendemos pura e simplesmente é apenas responsabilização judicial e punição nos termos das leis da nossa República, dos responsáveis diretos pelas torturas e de seus mandantes, garantindo-lhes todo o direito de assistência jurídica e de defesa.

Exercer e/ou aperfeiçoar os mecanismos legais que constituem a República, é praticar a democracia - pois, para nós, a democracia é o exercício permanente de direitos isonômicos, e não um palavreado ambíguo e balofo, um florilégio para ornamentar discursos autoritários de lobos travestidos de cordeiros, como as recentes chantagens de pedido de demissão e criação de uma crise militar, num momento em que os chamados movimentos e organizações da sociedade civil estão desmobilizados, o Congresso Nacional e demais esferas legislativas em recesso e, no que diz respeito ao Judiciário, o País está à mercê do arbítrio pessoal de um trânsfuga que ocupará a Presidência do Supremo Tribunal Federal até o próximo dia 31 de dezembro, o doutor Gilmar Mendes.

Obviamente, num quadro como o descrito acima, o armistício foi a saída imediata possível – até por que, uma guerra não se perde e não se ganha numa única batalha. Além disto, nenhuma vitória (bem como nenhuma derrota) é definitiva. O certo é que nessa medição de forças experimentada – cujo desfecho esperado pelo ministro Jobim e seus patrões, seria a queda do ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos – Paulo Vannuchi, tal não aconteceu e, se depender dos setores democráticos e mais bem informados do nosso povo, ao contrário do que pretendem os três comandantes militares (os homens fortes do Ministério da Defesa), quem poderá cair será o próprio senhor Nelson Jobim – o que entendemos, seria um grande avanço para a nossa ainda frágil democracia.

E não se trata de triunfalismo, ou efeito retórico: apesar da desmobilização de final de ano, lançado há apenas duas semanas, o Manifesto Contra Anistia a Torturadores, da Associação Juízes para a Democracia e dirigido aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Procurador Geral da República e que circula na internet, já reuniu cerca de 10 mil assinaturas. Iremos reforçá-lo.

Sem dúvida, o respaldo do senhor Jobim – além dos tanques e baionetas, que encarnam apenas o braço armado de um conjunto de interesses econômicos e eleitorais – são aquelas mesmas forças que tramaram e organizaram há cerca de dois anos a crise dos aeroportos, cuja culminância foi um dos maiores desastres aéreos dos últimos tempos, com mais de duas centenas de mortos, no aeroporto de Congonhas. Mas, que importância têm vidas humanas para ambições políticas, econômicas e pessoais de homens como o doutor Jobim e seus pares? O importante para eles é que toda a armação tramada resultou na queda do então ministro da Defesa, senhor Valdir Pires, e na ascensão do senhor Nelson Jobim.

Apenas para refrescar as nossas memórias, lembramos que, a primeira visita feita em São Paulo pelo ministro Jobim, depois de se deixar fotografar fantasiado de bombeiro entre os escombros do avião acidentado, foi ao seu amigo de longa data, o governador José Serra.

Entre outros, os interesses eleitoreiros da crise inaugurada neste 22 de dezembro de 2009 são tão óbvios, que nem merecem que os analisemos – sobretudo depois das sucessivas investidas neste sentido, ao longo deste ano (2009). Sobre o que eles prometem para o próximo ano, basta acessarmos "Reparação" – três minutos do trailer oficial do documentário longa-metragem que a direita lançará em 2010. Verdadeiro primor: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, lado a lado com outros coristas da dimensão do jornalista Demétrio Magnoli e do acadêmico Marco Antônio Villa – sim, amigo Vannuchi, uma verdadeira quadrilha naturalista (talvez não tão naturalista...).

Mas, continuaremos as nossas batalhas – que não começaram ontem, nem acabarão amanhã. E temos ainda toda energia necessária para as enfrentar e vencer. A mesma energia que nos garantiu poder chegar aos dias de hoje, de cabeça erguida, podendo olhar nos olhos de qualquer cidadão, pois jamais fomos reféns de quem quer que fosse, menos ainda, de canalhas.

A esse respeito, é muito interessante lermos e relermos cuidadosamente o depoimento (ver no pé desta mensagem) do coronel e torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-COD e que está sendo processado por familiares de algumas das suas vítimas: uma obra prima de ameaças e chantagens contra seus superiores hierárquicos nos tempos da ditadura. Lá estão todos os nomes. É como se o senhor Ustra dissesse: “Não senhores, não cairei sozinho. Tratem de livrar a minha barra, pois, do contrário, arrasto todos comigo”. Imagine, caro ministro Vannuchi, o pânico desses quatro senhores que ameaçaram criar uma crise militar... como se dizia em gíria de cadeia, “o maior sapo-seco”, “uma p... sugesta!”.

Pois é, meu Companheiro Vannucchi, seguimos mais uma vez juntos, e até o fim, nesta nova trincheira onde, mais uma vez ainda, o que está em jogo é a classe trabalhadora, o povo e todos os/as democratas e homens e mulheres de bem deste País.

Com o mais forte e fraternal abraço,

ao Ministro, ao Cidadão Brasileiro, ao Companheiro e ao Amigo,

de
Alipio Freire

Fonte: Blog Vi o Mundo.

MÍDIA - Não só o Estadão como também O Globo, desejam uma crise institucional.

Jornal divulga crise artificial e é desmentido por alto comando militar brasileiro

Por Redação - do Rio de Janeiro


Manchete do Estadão é desmentida

Na ânsia de denunciar o que seria a maior crise institucional já vivida pelo Brasil, nos últimos 40 anos, um dos maiores e mais antigos jornais do país jogou por terra parte da sua credibilidade ao publicar, na manchete desta quarta-feira, a notícia de que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os três comandantes militares brasileiros, teriam pedido demissão, em uma carta entregue ao comandante-em-chefe das Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma reunião de emergência, no Aeroporto de Brasiília, às vésperas do Natal.

A carta não existe, segundo o Palácio do Planalto, o encontro não aconteceu e muito menos houve qualquer alteração no humor da caserna por conta da Lei de Anistia a ser revogada, após análise da comissão especial criada pelo Poder Executivo, para rever a questão das torturas e dos assassinatos ocorridos nos porões da ditadura militar que assolou o país durante mais de 20 anos, no século passado.

Na matéria publicada pelo conservador diário paulistano O Estado de S. Paulo, haveria um ambiente de revolta por parte dos militares, que teriam considerado – segundo as repórteres Christiane Samarco e Eugênia Lopes – a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) uma forma provocativa de revisão da história recente do país. Segundo a reportagem, "na avaliação dos (ministros) militares e do próprio ministro Jobim, o PNDH-3, proposto pelo ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e lançado no dia 21 passado, tem trechos 'revanchistas e provocativos". O assunto não mereceu qualquer tipo de repercussão nas três esferas das Forças Armadas, por determinação direta dos comandantes da Aeronáutica, brigadeiro-do-ar Juniti Saito, do Exército, general Enzo Peri, e da Marinha, almirante Moura Neto, que teriam "aderido" à decisão de renúncia do ministro da Defesa.

O ministro Jobim, por sua vez, também orientou seus assessores a não se pronunciar sobre a matéria veiculada e coube à Presidência da República, que funcionou nesta quarta-feira em regime de plantão, encerrar a série de bravatas atribuídas aos setores militares do país com a informação de que o presidente Lula não recebeu carta alguma, de quem quer que fosse, e muito menos pretende dissuadir a comissão criada no âmbito do PNDH-3 de avaliar, com isenção e liberdade, a legislação que rege a anistia concedida logo após os 'Anos de Chumbo'.

– A reunião que houve entre o presidente Lula e o ministro Jobim aconteceu aqui no Palácio (do Planalto) – disse um dos assessores, que desconhecia qualquer encontro, às pressas, no angar do avião presidencial, em Brasília.

A matéria do jornal paulistano também foi questionada no ponto em que cita uma espécie de "acordo político: Não se reescreve o texto do programa, mas as propostas de lei a enviar ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas e, se for preciso, a base partidária governista será mobilizada para não aprovar textos de caráter revanchista". Segundo um alto funcionário da secretaria nacional dos Direitos Humanos, que prefere o anonimato – diante da situação peculiar do ministro Paulo Vannuchi, de suposto pivô de uma crise militar no país –, a informação "não faz o menor sentido".

– O programa (PNDH-3) não está aí para afrontar ninguém, mas para restabelecer a verdade dos fatos e, ao que se saiba, a verdade não faz mal a ninguém – disse.

Tanto Vannuchi quanto seus principais assessores estão de folga, por conta das festas de fim de ano e nenhum deles foi chamado à secretaria por conta da crise institucional divulgada pelo diário paulistano.

Outro ponto descartado foi a declaração de um militar sobre a questão: "Se querem por coronel e general no banco dos réus, então também vamos botar a Dilma e o Franklin Martins', teria dito o general da ativa aos jornalistas, referindo-se à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao ministro de Comunicação de Governo, que participaram da luta armada. "Não me venham falar em processo para militar pois a maioria nem está mais nos quartéis de hoje", completou a reportagem.

– Tanto tudo isso não passa de uma matéria encomendada por setores da direita conservadora, sem qualquer respaldo na realidade das Forças Armadas, que ninguém se mobilizou em favor das declarações atribuídas a um "general da ativa", que não se identifica perante a opinião pública e deseja colocar os militantes da esquerda brasileira no mesmo banco dos réus em que se encontram torturadores contumazes – afirmou o funcionário federal.

A JUSTIÇA NA UTI.

Publicado na Folha de S. Paulo, 24.12.2009

APÓS SUCESSIVAS intervenções jurídicas incomuns encontra-se agonizando, em estado grave, um dos mais escabrosos casos de corrupção e crimes de colarinho branco de que se teve notícia no Brasil.

A Operação Satiagraha surpreendeu o país. Nem tanto pelos crimes (corrupção, lavagem de dinheiro e outros), velhos conhecidos de todos, mas sim pelas manifestações de autoridades e de instituições públicas e privadas em defesa dos investigados.

Nunca se viu tamanho massacre contra os responsáveis pela investigação e julgamento do caso. Em vez do apoio à rigorosa apuração e punição, buscou-se desacreditar e desqualificar a investigação criminal colocando em xeque, com ataques vis e informações orquestradas e falaciosas, o sério trabalho conjunto do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, bem como a atuação da Justiça Federal.

O poder tornou vilões os que sempre se pautaram por critérios puramente jurídicos e recolocaram a questão no campo técnico, no cumprimento do dever funcional. Pouco se fala dos crimes e dos verdadeiros réus.

Em julho de 2008, decretou-se a prisão dos investigados pela possibilidade real de orquestração e destruição de provas.

A prisão preventiva do cabeça da organização foi criteriosamente determinada em sólida decisão, embasada em documentos e em fatos confirmados nos autos, como a grande soma de dinheiro apreendida com os investigados, provando ser hábito do grupo o pagamento de propinas a autoridades.

Apesar de tantas evidências, o presidente do STF revogou a prisão por duas vezes em menos de 48 horas. Os fatos criminosos, gravíssimos, foram ignorados. Pateticamente, o plenário do STF referendou o “HC canguru” (aquele habeas corpus que pula instâncias) e voltou-se contra o juiz, mas sem a anuência dos ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio -este, aliás, o único que leu e analisou minuciosamente as decisões de primeiro grau.

Iniciou-se um discurso lendário, inconsequente e retórico para incutir, por repetição, a ideia da existência de um terrível “Estado policialesco” e da “grampolândia” brasileira, uma falação histriônica a partir de um “grampo” que jamais existiu.

Alcançou-se o objetivo de afastar policiais experientes, de trabalho nacionalmente reconhecido e consagrado: o então diretor da Abin foi convidado a deixar o cargo; o delegado de Polícia Federal que presidiu o inquérito foi afastado das funções e corre risco de exoneração.

Outra vertente é aniquilar a atuação da Justiça de 1º grau, afastando o juiz. Cada decisão técnica, porque contrária aos réus, passou a ser tachada de arbitrária e parcial. Muitas foram as armadilhas postas para atacar pessoalmente o juiz e asfixiar a atividade da primeira instância, por meio de centenas de petições, habeas corpus, mandados de segurança e procedimentos disciplinares.

No apagar de 2009, duas decisões captaram a atenção da comunidade jurídica. A primeira, pelo ineditismo: na Reclamação 9324, ajuizada diretamente no STF, alegou-se dificuldade de acesso aos autos. O juiz informou ter deferido todos os pedidos de vista. Sobreveio a inusitada liminar: o ministro Eros Grau determinou que todas as provas originais fossem desentranhadas do processo (!) e encaminhadas ao seu gabinete. Doze caixas de provas viajaram de caminhão por horas a fio e agora repousam no STF.

A segunda foi a liminar dada pelo ministro Arnaldo Esteves Lima (STJ, HC 146796), na véspera do recesso. Por meio de uma decisão pouco clara e de apenas 30 linhas, apesar da robusta manifestação contrária da Procuradoria-Geral da República, todas as ações e investigações da Satiagraha foram suspensas e poderão ser anuladas, incluindo o processo no qual já houve condenação por corrupção.

A alegação foi de suspeição do juiz, rechaçada há mais de um ano pelo TRF-3ª Região. Curiosamente, o réu não recorreu naquela ocasião. Preferiu esperar dez meses para impetrar HC no STJ, repetindo a mesma tese. As duas decisões são secretas.

Não foram publicadas e não constam dos sites do STF e do STJ. Juntas, fulminam uma megaoperação que envolveu anos de trabalho sério. Reforçam a sensação de impunidade para os poderosos, que jamais prestam contas à sociedade pelos crimes cometidos.

Espera-se que os colegiados de ambas as cortes revoguem as decisões e permitam o prosseguimento dos processos. A sociedade precisa de segurança e de voltar a ter confiança na Justiça imparcial, aquela que deve aplicar a lei a todos, indistintamente.

JANICE AGOSTINHO BARRETO ASCARI é procuradora regional da República e ex-conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público.

Fonte: Blog Desemprego Zero.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

MEIO AMBIENTE - Entrevista com Leonardo Boff.

Leonardo Boff fala sobre os rumos do planeta terra e do ser humano
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Rogéria Araújo *

Adital -
As mobilizações sociais e os alardes sobre os prejuízos que a ação humana vem causando ao meio ambiente não foram suficientes para garantir o fechamento de acordos eficazes durante a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), concluída sexta-feira (18) em Copenhague, na Dinamarca.

Os líderes mundiais demonstraram mais uma vez preferência pelo desenvolvimento do capital em detrimento da vida. Ainda assim, a postura de desdém para com os problemas climáticos do planeta não está engessando as ações da população na luta por pequenas mudanças. A evidência dada à causa ambiental tem servido para gerar consciência e, aos poucos, mudar maus hábitos de consumo. "O lugar mais imediato é começar com cada um", acredita Leonardo Boff.

Em entrevista à ADITAL, o teólogo, filósofo e escritor fala sobre a necessidade de começarmos as mudanças que irão beneficiar a Terra por nós. "Cada um em seu lugar, cada comunidade, cada entidade, enfim, todos devem começar a fazer alguma coisa para dar um outro rumo à nossa presença neste planeta". Para Boff, não devemos depositar nossas esperanças nas decisões que vêm de cima.

Adital - O senhor acredita na vontade política dos grandes líderes mundiais em reverter a situação climática em que se encontra nosso planeta?

Leonardo Boff - Não acredito. Os grandes não possuem nenhuma preocupação que vá além de seus interesses materiais. Todas as políticas até agora pensadas e projetadas pelo G-20 visam salvar o sistema econômico-financeiro, com correções e regulações (que até agora não foram feitas) para que tudo volte ao que era antes. Antes reinava a especulação a mais desbragada que se possa imaginar. Basta pensar que o capital produtivo, aquele que se encontra nas fábricas e no processo de geração de bens soma 60 trilhões de dólares.

O capital especulativo, baseado em papéis, alcançava a cifra de 500 trilhões. Ele circulava nas bolsas especulativas do mundo inteiro, gerenciado por verdadeiros ladrões e falsários. A verdadeira alternativa só pode ser: salvar a vida e a Terra e colocar a economia a serviço destas duas prioridades. Há uma tendência autosuicidária do capitalismo: prefere morrer ou fazer morrer do que renunciar aos seus benefícios.

Adital - Muito esperada a COP 15, que acontece em Copenhague, Dinamarca, parece não apontar para resultados eficazes e em comprometimentos mais sérios. Qual deve ser o papel da sociedade civil caso os resultados não sejam os esperados?

Leonardo Boff - Chegamos a um ponto em que todos seremos afetados pelas mudanças climáticas. Todos corremos riscos, inclusive de grande parte da humanidade ter que desaparecer por não conseguir se adaptar nem mitigar os efeitos maléficos do aquecimento global. Não podemos confiar nosso destino a representantes políticos que, na verdade, não representam seus povos mas os capitais com seus interesses presentes em seus povos. Precisamos nós mesmos assumir uma tarefa salvadora. Cada um em seu lugar, cada comunidade, cada entidade, enfim, todos devem começar a fazer alguma coisa para dar um outro rumo à nossa presença neste planeta. Se não podemos mudar o mundo, podemos mudar este pedaço do mundo que somos cada um de nós.

Sabemos pela nova biologia e pela física das energias que toda atividade positiva, que vai na direção da lógica da vida, produz uma ressonância morfogenética, como se diz. Em outras palavras, o bem que fazemos não fica reduzido ao nosso espaço pessoal. Ele se ressoa longe, irradia e entra nas redes de energia que ligam todos com todos e reforçam o sentido profundo da vida.

Daí podem ocorrer emergências surpreendentes que apontam para um novo modo de habitar o planeta e novas relações pessoais e sociais mais inclusivas, solidárias e compassivas. Efetivamente, se nota por todas as partes que a humanidade não está parada nem enrijecida pelas perplexidades. Milhares de movimentos estão buscando formas novas de produção e alternativas que respondem aos desafios.

Somente em ONG existem mais de um milhão no mundo inteiro. É da base e não da cúpula que sempre irrompem as mudanças.

Adital - Nunca as questões ambientais estiveram tão em evidência como nos últimos anos. Termos como aquecimento global, mudanças climáticas apesar de vários alertas feitos há bem mais tempo, hoje fazem parte do cotidiano de muita gente em todo o planeta. Nessa "crise civilizatória" ainda há tempo para se fazer algo? De onde poderá vir essa "salvação"?

Leonardo Boff - Se trabalharmos com os parâmetros da física clássica, aquela inaugurada por Newton, Galileo Galilei e Francis Bacon, orientada pela relação causa-efeito, estamos perdidos. Não temos tempo suficiente para introduzir mudanças, nem sabedoria para aplicá-las. Iríamos fatalmente ao encontro do pior. Mas se trocarmos de registro e pensarmos em termos do processo evolucionário, cuja lógica vem descrita pela física quântica que já não trabalha com matéria mas com energia (a matéria, pela fórmula de Einstein, é energia altamente condensada) aí o cenário muda de figura.

Do caos nasce uma nova ordem. As turbulências atuais prenunciam uma emergência nova, vinda daquele transfundo de Energia que subjaz ao universo e a cada ser (chamada também de Vazio Quântico ou Fonte Originária de todo ser). As emergências introduzem uma ruptura e inauguram algo novo ainda não ensaiado. Assim não seria de se admirar se, de repente, os seres humanos caiam em si e pensem numa articulação central da humanidade para atender as demandas de todos com os recursos da Terra que, quando racionalmente gerenciados, são suficientes para nós humanos e para toda a comunidade de vida (animais,plantas e outros seres vivos).

Possivelmente, chegaríamos a isso face um perigo iminente ou após um desastre de grandes proporções. Bem dizia Hegel: o ser humano aprende da história que não aprende nada da história, mas aprende tudo do sofrimento. Prefiro Santo Agostinho que nas Confissões ponderava: o ser humano aprende a partir de duas fontes de experiência: o sofrimento e o amor. O sofrimento pela Mãe Terra e por seus filhos e filhas e o amor por nossa própria vida e sobrevivência irão ainda nos salvar.

Então não estaríamos face a um cenário de tragédia cujo fim é fatal mas de uma crise que nos acrisola e purifica e nos cria a chance de um salto rumo a um novo ensaio civilizatório, este sim, caracterizado pelo cuidado e pela responsabilidade coletiva pela única Casa Comum e por todos os seus habitantes.

Adital - Há varias demandas para que a Corte Penal Internacional reconheça os crimes ambientais como crime de lesa humanidade. O senhor acha que seria uma alternativa?

Leonardo Boff - As leis somente têm sentido e funcionam quando previamente se tenha criado uma nova consciência com os valores ligados ao respeito e ao cuidado pela vida e pela Terra, tida como nossa Mãe, pois nos fornece tudo o que precisamos para viver. Havendo essa consciência, ela pode se materializar em leis, tribunais e cortes que fazem justiça à vida, à Humanidade e à Terra com punições exemplares. Caso contrário, os tribunais possuem um caráter legalista, de difícil aplicação, sem sua necessária aura moral que lhe confere legitimidade e reconhecimento por todos.

Então devemos primeiro trabalhar na criação dessa nova consciência. Eu mesmo estou trabalhando com um pequeno grupo, a pedido da Presidência da Assembléia da ONU, numa Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade. Ela deverá entrar por todos os meios de comunicação, especialmente, pela Internet para favorecer a criação desta nova consciência da humanidade. A nova centralidade não é mais o desenvolvimento sustentável, mas a vida, a humanidade e a Terra, entendida como Gaia, um superorganismo vivo.

Adital - Por outro lado não se cogita nada do tipo voltado para o consumo, por exemplo, que tem interferência direta no caos em que se tornou a Terra. Poderia falar um pouco sobre isso?

Leonardo Boff - O propósito de todo o projeto da modernidade, nascido já no século XVI, está assentado sobre a vontade de poder que se traduz pela vontade de enriquecimento que pressupõe a dominação e exploração ilimitada dos recursos e serviços da Terra. Em nome desta intenção se construiu o projeto-mundo, primeiro pelas potências ibéricas, depois pelas centro-europeias e por fim pela hegemonia norte-americana. No início não havia condições de se perceber as consequências funestas desta empreitada, pois incluía entender a Terra como um simples baú de recursos, algo sem espírito que poderia ser tratada como quiséssemos. Surgiu o grande instrumento da tecno-ciência que facilitou a concretização deste projeto. Transformou o mundo, surgiu a sociedade industrial e hoje a sociedade da informação e da automação.

Toda esta civilização oferece aos seres humanos, como felicidade, a capacidade de consumo sem entraves, seja dos bens naturais seja dos bens industriais. Chegamos a um ponto em que consumimos 30% a mais do que aquilo que a Terra pode reproduzir. Ela está perdendo mais e mais sustentabilidade e sua biocapacidade. Ela simplesmente não aguenta mais o nível excessivo de consumo por parte dos donos do poder e dos controladores do processo da modernidade. Os 20% mais ricos consomem 82,4% de toda a riqueza da Terra, enquanto os 20% mais pobres têm que se contentar com apenas 1,6% da riqueza total. Agora nos damos conta de que uma Terra limitada não suporta um projeto ilimitado. Se quiséssemos universalizar o nível de consumo dos países ricos para toda a Humanidade, cálculos já foram feitos - precisaríamos de pelo menos 3 Terras iguais a esta, o que se revela como uma impossibilidade. Temos que mudar, caso quisermos superar esta injustiça social e ecológica universal e termos um mínimo de equidade entre todos.

Adital - Até que ponto o senhor acredita que a sociedade civil organizada pode ser agente de uma nova prática de consumo?

Leonardo Boff - Deve-se começar em algum lugar. O lugar mais imediato é começar com cada um. O desafio, face ao problema universal, é convencer-se de que podemos ser mais com menos. Importa fazer uma opção por uma simplicidade voluntária e por um consumo compassivo e solidário pensando em todos os demais irmãos e irmãs e demais seres vivos da natureza que passam fome e estão sofrendo todo tipo de carência. Mas para isso, devemos realizar a experiência radicalmente humana de que de fato somos todos irmãos e irmãs e que somos ecointerdependentes e que formamos a comunidade de vida.

A economia se orientará para produzir o que realmente precisamos para a vida e não para a acumulação e para o supérfluo, uma economia do suficiente e do decente para todos, respeitando os limites ecológicos de cada ecossistema e obedecendo aos ritmos da natureza. Isso é possível. Mas precisamos de uma "metanoia" bíblica, de uma transformação de nossos hábitos, de nossa mente e de nossos corações. Essa transformação constitui a espiritualidade. Ela não é facultativa, é necessária. Cada um é como a gota de chuva. Uma molha pouco. Mas milhões e milhões de gotas fazem uma tempestade, agora um tsunami do
bem.

Adital - O Brasil, por conta da Floresta Amazônica e outra matas nativas, deveria ter um papel fundamental na questão ambiental. Como o senhor avalia a postura do governo brasileiro em relação ao tema?

Leonardo Boff - O governo brasileiro não acumulou ainda suficiente massa crítica nem consciência da importância da floresta amazônica para os equilíbrios climáticos da Terra inteira. Se o problema é o excesso de dióxido de carbono na atmosfera, então são as florestas as grandes sequestradoras deste gás que produz o efeito estufa e, em conseqüência, o aquecimento global.

Elas absorvem os gases poluentes pela fotossíntese e os transforma em biomassa, liberando oxigênio. Ao invés de estabelecer a meta de desmatamento 0 e ai ser rígido e implacável, por amor à humanidade e à Terra, o governo estabelece que até 2020 vai reduzir o desmatamento até 15%. E há políticas contraditórias, pois de um lado o Ministério do Meio Ambiente combate o desmatamento, por outro o BNDS financia projetos de expansão da soja e da pecuária que avançam sobre a floresta. Por detrás estão grandes interesses do agronegócio que pressionam o governo a manter uma política flexível e danosa para o equilíbrio da Terra.

Adital - Todavia percebe-se grande atuação de movimentos sociais e entidades em defesa da natureza e cobrando mais de seus governos em âmbitos internacionais. Acredita que haja, no momento, mais empoderamento?

Leonardo Boff - Acredito que a Cúpula de Copenhague terá função semelhante que teve a Eco-92 no Rio de Janeiro. Depois da Eco-92 surgiu no mundo inteiro a questão da sustentabilidade e da crítica ao sistema do capital visto como essencialmente anti-ecológico, pois ele implica uma produção ilimitada à custa da extração ilimitada dos recursos e serviços da natureza. Creio que a partir de agora a Humanidade tomará consciência de que ou ela, a partir da sociedade civil mundial, dos movimentos, organizações, instituições, religiões e igrejas, muda de rumo ou então terá que aceitar a dizimação da biodiversidade e o risco do extermínio de milhões e milhões de seres humanos, não excluída a eventualidade do desaparecimento da própria espécie humana.

Essa consciência vai encontrar os meios para pressionar as empresas, os grandes empreendimentos e os Estados para encontrarem uma nova relação para com a Terra. O problema não é a Terra, mas nossa relação para com ela, relação de agressão e de exploração implacável. Precisamos estabelecer um acordo Terra e Humanidade para que ambos possam conviver interdependentes, com sinergia e espírito de reciprocidade. Sem isso não teremos futuro. O futuro virá a partir da força da semente, quer dizer, das práticas humanas pessoais e comunitárias que criam redes, ganham força e conseguem impor um novo arranjo que garantirá um novo tipo de história.

POLÍTICA - "Brasileiro está desencantado com a política", segundo Frei Betto.



Frei Betto: ‘Brasileiro está desencantado com a política e isso é preocupante’
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Adital -
A ditadura militar marca anos difíceis e cruéis na história do Brasil. Mesmo após mais de 40 anos, as torturas, assassinatos, ausência de punições e desaparecimentos não foram apagados da memória do país e, sobretudo, daqueles que participaram deste momento. A ditadura ainda hoje não é uma página virada da história do Brasil.

Fatos como a falência do programa Bolsa Família, a ausência de políticas sociais eficientes e a descrença no país, fato comprovado pela inércia da população antes os últimos casos de corrupção, também são chagas sociais abertas que o Brasil carrega.

Foto: João Laet

Em entrevista à ADITAL, Frei Betto, figura ativa no cenário da luta pela igualdade e pela justiça social, escritor consagrado e um dos organizadores do programa Fome Zero no primeiro ano do governo Lula, fala sobre a eterna dívida que o Estado tem com a população brasileira pelos anos de ditadura militar. Frei Betto também avalia os progressos e deficiências dos sete anos de governo Lula e demonstra preocupação com a postura de aversão à política e descrença no país.


Adital - Após mais de quatro décadas da ditadura militar, o senhor acredita que o Estado ainda tenha uma dívida para com a população?

Frei Betto - São muitas as dívidas. Faltam abrir os arquivos das três forças armadas, levar os torturados às barras do tribunal, descobrir o destino dos desaparecidos, recuperar restos mortais daqueles que foram clandestinamente assassinados.

Adital - O governo pôs em prática algumas iniciativas que buscam tornar público os acontecimentos da ditadura militar, como o portal "Memórias Reveladas", por exemplo. Qual a importância dessas iniciativas?

Frei Betto - O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, e a Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, têm feito um trabalho exemplar no sentido de recuperar a memória das vítimas da ditadura e apurar responsabilidades.

A publicação do livro "Direito à memória e à verdade" e a criação do portal constituem iniciativas importantes. Porém, perdura a impunidade dos assassinos e torturadores que, em nome do Estado e da lei, violaram hediondamente os direitos humanos.

Adital - Por que o senhor acha que os arquivos da ditadura militar ainda não foram abertos?

Frei Betto
- Falta vontade política. E muitos militares da ativa, de alta graduação, eram oficiais de patente inferior sob o comando dos cabeças da ditadura. O corporativismo impede que as Forças Armadas admitam que é preciso separar o joio do trigo e demonstrar à nação que os atuais militares não compactuam com ditadura e sim com democracia. Por isso, o Executivo e o Judiciário precisam agir com firmeza.

Adital - Hoje podemos dizer que temos outras "ditaduras": a da fome, da violência urbana, contra o meio ambiente...Como o senhor percebe a mobilização popular frente a essas violações?

Frei Betto - O governo Lula, ao contrário do que se esperava, desmobiliza movimentos populares, ao cooptar instituições como a CUT [Central Única dos Trabalhadores]. O MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra] é tolerado no limite, e a própria base governista, no Congresso, não conseguiu impedir a instalação da CPI que o investiga.

Esse processo de desmobilização teve início com a morte decretada do Fome Zero e a desarticulação dos Comitês Gestores em quase 3 mil municípios, para dar lugar ao Bolsa Família, que passa pelas prefeituras e não pelos movimentos sociais.

Adital - É possível afirmar que as organizações e movimentos sociais têm mais abertura num governo de esquerda?

Frei Betto - Um governo progressista, como o de Lula, tende a neutralizar os movimentos populares. As políticas sociais - que são importantes, porém insuficientes - fazem com que a população fique à espera do maná que vem de cima... O governo assume um caráter paternalista e, assim, as pessoas deixam de se mobilizar para defender e/ou conquistar seus direitos.

Adital - Caminhamos para um plebiscito sobre reforma política. Também temos a PLP da Ficha Limpa que, apesar dos esforços, só será apreciada no ano que vem. O senhor acredita que são indícios de mudanças realmente eficazes?

Frei Betto - Lamento que, em sete anos, o governo Lula não tenha realizado nenhuma reforma de estrutura no país: nem a agrária nem a tributária, a política ou a educacional.

Há avanços significativos, sem dúvida. Mas temos políticas de governo, não políticas de Estado. Penso que bastaria levar a efeito as medidas aprovadas pela Constituinte de 1988 para imprimir à nossa esfera política um salto de qualidade.

Adital - O senhor acha que o povo brasileiro mantém seu poder de indignação ou questões como corrupção, por exemplo, já estão banalizadas? Em outras palavras, o (a) brasileiro (a) ainda acredita no Brasil?

Frei Betto - Pouco. Quem foi para a rua quando vieram à tona os escândalos do Senado? No caso Arruda [José Roberto, governador do Distrito Federal, acusado de corrupção], as mobilizações se restringiram a Brasília.

O brasileiro está desencantado com a política e isso é preocupante, pois quem tem nojo da política é governado por quem não tem.

O LEGADO DE 1989 NOS DOIS HEMISFÉRIOS.

O legado de 1989 nos dois hemisférios

O contraste entre a queda do Muro de Berlim, a libertação dos países satélites da antiga União Soviética e o esmagamento da esperança nos estados clientes dos EUA é impressionante e instrutivo – ainda mais quando ampliamos a perspectiva. Os eventos são memoráveis, mas perspectivas alternativas podem ser reveladoras. Principalmente quando há outros muros a serem derrubados, como o muro de anexação na Palestina e o silêncio sobre o que aconteceu uma semana depois da queda do Muro de Berlim: o assassinato de seis importantes intelectuais jesuítas em El Salvador, por homens treinados na Escola das Américas. O artigo é de Noam Chomsky.

Este ano marcou o aniversário de grandes eventos ocorridos em 1989: "o maior ano da história do mundo desde 1945", como o historiador britânico Timothy Garton Ash o descreve. Naquele ano, "tudo mudou", escreve Garton Ash. As reformas de Mikhail Gorbachev na Rússia e a sua "impressionante renúncia do uso da força" levaram à queda do Muro de Berlim, em 9 de Novembro – e à libertação da Europa Oriental da tirania russa. Os elogios são merecidos, os eventos, memoráveis. Mas perspectivas alternativas podem ser reveladoras.

A chanceler alemã, Angela Merkel, forneceu – sem querer – uma tal perspectiva, quando apelou a todos nós para "usar este dom inestimável da liberdade para ultrapassar os muros do nosso tempo". Uma forma de seguir o seu bom conselho seria desmantelar o muro maciço, superando o muro de Berlim em escala e comprimento, que serpenteia atualmente através do território da Palestina, em violação do direito internacional.

O “muro de anexação”, como deveria ser chamado, é justificado em termos de “segurança” – a racionalização por defeito para muitas das ações do Estado. Se a segurança fosse a preocupação, o muro teria sido construído ao longo da fronteira e tornado inexpugnável. O propósito desta monstruosidade, construído com o apoio dos EUA e a cumplicidade européia, é permitir que Israel se aposse de valiosa terra palestina e dos principais recursos hídricos da região, negando assim qualquer existência nacional viável à população autóctone da antiga Palestina.

Outra perspectiva sobre 1989 vem de Thomas Carothers, um acadêmico que trabalhou em programas de “reforço da democracia” na administração do antigo presidente Ronald Reagan. Depois de rever o registro, Carothers concluiu que todos os líderes dos EUA foram "esquizofrênicos" – apoiando a democracia quando se conforma aos objetivos estratégicos e econômicos dos EUA, como nos satélites soviéticos, mas não nos estados clientes dos EUA.

Esta perspectiva é dramaticamente confirmada pela recente comemoração dos acontecimentos de Novembro de 1989. A queda do muro de Berlim foi comemorada com razão, mas houve pouca atenção ao que aconteceu uma semana mais tarde: em 16 de Novembro, em El Salvador, o assassinato de seis importantes intelectuais latino-americanos, padres jesuítas, juntamente com a sua cozinheira e sua filha, pelo batalhão de elite Atlacatl, armado pelos EUA, fresco do treino renovado na Escola de Guerra Especial JFK, em Fort Bragg, Carolina do Norte.

O batalhão e seus esbirros já tinham compilado um registro sangrento ao longo da terrível década que começou em 1980 em El Salvador com o assassinato, praticamente às mesmas mãos, de Dom Oscar Romero, conhecido como “a voz dos sem voz”. Durante a década da “guerra contra o terrorismo” declarada pelo governo Reagan, o horror foi semelhante em toda a América Central.

O reinado de tortura, assassinato e destruição na região deixou centenas de milhares de mortos. O contraste entre a libertação dos satélites da União Soviética e o esmagamento da esperança nos estados clientes dos EUA é impressionante e instrutivo – ainda mais quando ampliamos a perspectiva.

O assassinato dos intelectuais jesuítas trouxe praticamente o fim à “teologia da libertação”, o renascimento do cristianismo que tinha as suas raízes modernas nas iniciativas do Papa João XXIII e do Vaticano II, que ele inaugurou em 1962. O Vaticano II "deu início a uma nova era na história da Igreja Católica", escreveu o teólogo Hans Kung. Os bispos latino-americanos adotaram a "opção preferencial pelos pobres". Assim, os bispos renovaram o pacifismo radical do Evangelho que tinha sido posto de lado quando o imperador Constantino estabeleceu o cristianismo como a religião do Império Romano – "uma revolução" que, em menos de um século, transformou a Igreja perseguida numa "Igreja perseguidora", de acordo com Kung.

No renascimento pós-Vaticano II, os sacerdotes latino-americanos, freiras e leigos levaram a mensagem do Evangelho aos pobres e perseguidos, reuniram-nos em comunidades, e encorajaram-nos a tomar o destino nas suas próprias mãos. A reação a essa heresia foi a repressão violenta. No decurso do terror e do massacre, os praticantes da Teologia da Libertação foram o alvo principal. Entre eles estão os seis mártires da Igreja, cuja execução há 20 anos é agora comemorada com um silêncio retumbante, praticamente não quebrado.

No mês passado, em Berlim, os três presidentes mais envolvidos na queda do Muro – George H. W. Bush, Mikhail Gorbachev e Helmut Kohl – discutiram quem merece crédito.

"Eu sei agora como o céu nos ajudou", disse Kohl. George H. W. Bush elogiou o povo da Alemanha Oriental, que "por muito tempo foi privado dos seus direitos dados por Deus". Gorbachev sugeriu que os Estados Unidos precisam da sua própria Perestroika.

Não existem dúvidas sobre a responsabilidade pela demolição da tentativa de reavivar a igreja do Evangelho na América Latina durante a década de 1980. A Escola das Américas (desde então renomeada Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação de Segurança) em Fort Benning, na Geórgia, que treina oficiais latino-americanos, anuncia orgulhosamente que o Exército dos EUA ajudou a "derrotar a teologia da libertação" – assistida, com certeza, pelo Vaticano, utilizando a mão suave da expulsão e da supressão.

A sinistra campanha para reverter a heresia posta em movimento pelo Concílio Vaticano II recebeu uma incomparável expressão literária na parábola do Grande Inquisidor em Os Irmãos Karamazov de Dostoievski.

Nessa história, situada em Sevilha no "momento mais terrível da Inquisição", Jesus Cristo aparece subitamente nas ruas, "de mansinho, sem ser observado, e contudo, por estranho que pareça, toda a gente o reconheceu" e foi "irresistivelmente atraída para ele".

O Grande Inquisidor ordena aos guardas: "prendam-no e levem-no" para a prisão. Lá, ele acusa Cristo de vir "prejudicar-nos" na grande obra de destruir as idéias subversivas de liberdade e comunidade. Nós não Te seguimos, o Inquisidor admoesta Jesus, mas sim a Roma e à "espada de César". Procuramos ser os únicos governantes da Terra para que possamos ensinar à "fraca e vil" multidão que "só será livre quando renunciar à sua liberdade para nós e se submeter a nós". Então, eles serão tímidos e assustados e felizes.

Assim, amanhã, diz o inquisidor: "Devo queimar-te". Por fim, no entanto, o Inquisidor abranda a pena e liberta-o "nos becos escuros da cidade".

Os alunos da Escola das Américas não praticaram tal misericórdia.

Fonte: In These Times
Artigo traduzido por Infoalternativa.org.

A DÉCADA DO PAVOR NA IDADE DO MEDO.

A década do pavor na Idade do Medo

Por Mauro Santayana


O último ano do século passado – e o primeiro da década que se encerra hoje – foi marcado pela decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre a contagem de votos da Flórida. Ao garantir a posse de George Bush II, e legitimar a fraude, o tribunal colocou na Casa Branca o mais nefasto dos presidentes daquela República, desde o mandato de James Buchanan, que se tornou mais conhecido como rótulo de uísque do que como homem de Estado. À sua debilidade moral e política, a História debita a Guerra da Secessão. Aos dois Bush – mas principalmente ao filho – coube a responsabilidade da agressão desastrosa ao Iraque e ao Afeganistão, cujo desfecho é ainda imprevisível.

É cedo para saber exatamente o que ocorreu no dia 11 de setembro de 2001. Ao se admitir que o atentado tenha sido perpetrado pela Al Qaeda, ficou provado que Saddam Hussein nada tinha a ver com a organização muçulmana, dirigida por um antigo sócio da família Bush nos sempre viscosos e mal-cheirosos negócios do petróleo. Os próprios norte-americanos reconheceriam, depois, que seu país fora à guerra por causa do petróleo e do gás, do Oriente Médio e da Bacia do Cáspio. Quaisquer tenham sido os responsáveis, diretos e indiretos, pelo surpreendente atentado contra as Torres Gêmeas e os outros alvos, o efeito foi terrível, com a disseminação do pavor. Esse pavor serviu de pretexto para a guerra contra Bagdá, não obstante todos os esforços do governo de Saddam para evitar a invasão do país. Os Estados Unidos conseguiram seu objetivo, com a execução de Saddam Hussein, transmitida ao mundo inteiro, na madrugada de 30 de dezembro de há três anos – e o domínio do país e a exploração de seu petróleo.

Nas últimas horas, o pavor voltou aos Estados Unidos, com a tentativa de explodir um avião em sua descida em Detroit, por um rico nigeriano, na noite de Natal. Uma análise psicológica da vida do jovem – que agiu supostamente em nome da Al Qaeda do Iêmen – poderia encontrar razões poderosas para o seu fanatismo. Ele é filho de um milionário, que foi ministro da Economia da Nigéria, cuja elite política é vista como das mais corruptas do mundo. Não são raros os casos de rebelião contra pais milionários, que levam a atos como os de Abdulmutallab. Suas confidências aos amigos fortalecem essa hipótese. O rapaz revelou sua profunda depressão, diante da realidade do mundo.

Mesmo frustrada, sua ação trouxe efeitos nos Estados Unidos, com o retorno do pânico. Obama determinou novas e rigorosas medidas, ao mesmo tempo em que reclamava dos serviços de segurança, pela sua incompetência. Conforme se revelou, o próprio pai havia prevenido as autoridades que o seu filho estava envolvido com movimentos islamitas, e a informação ficou em banho-maria na sede da CIA. Em seguida houve alarmes falsos em vários pontos dos Estados Unidos.

Ao medo se atribui quase toda a agressividade humana. As grandes nações, que se fizeram maiores mediante o emprego da força e da asfixia econômica, são as maiores vítimas do pânico, porque sua vulnerabilidade é proporcional ao próprio poder. Há também o temor da decadência. Nestes últimos dez anos, a China passou a ser uma grande potência – também militar – o que colocou em xeque a supremacia do Ocidente. Como a História nos revela, o domínio cultural é sempre resultado da hegemonia econômica. Em pouco mais de 60 anos, a China deixou de ser a humilhada colônia da Inglaterra, e de outras nações, para tornar-se um dos países mais industrializados do mundo, com um governo forte e intransigente na defesa de seus interesses. É crescente o medo que os chineses trazem ao Ocidente.

A tudo isso se acrescenta o temor à violência interna, provocada pelo grande mercado da droga – que movimenta bilhões no sistema financeiro. Em alguns países, entre eles, de forma dramática, o México e o Brasil, os traficantes de drogas e contrabandistas – a serviço de altos e discretos senhores – já contam com exércitos regulares, bem armados e adestrados, que buscam seus soldados na miséria da desigualdade social e aterrorizam as grandes cidades. Os Estados não têm conseguido manter o monopólio da violência, para a garantia da ordem da lei e da segurança de seus cidadãos. As elites políticas perderam o rumo, e as instituições estatais esperam os líderes que as possam restaurar.

MEIO AMBIENTE - O direito da humanidade a existir.

Reflexões do companheiro Fidel
O DIREITO DA HUMANIDADE A EXISTIR
(Extraído de Cubadebate)

• A mudança climática já causa danos consideráveis e centenas de milhões de pobres sofrem as conseqüências.

Os centros de investigações mais avançados garantem que resta muito pouco tempo para evitar uma catástrofe irreversível. James Hansen, do Instituto Goddard da NASA, assevera que um nível de 350 partes do dióxido de carbono por milhão ainda é tolerável; contudo, hoje ultrapassa a cifra de 390 e cada ano se incrementa a ritmo de duas partes por milhão, ultrapassando os níveis de há 600 mil anos. As últimas duas décadas têm sido, cada uma delas, as mais calorosas desde que se têm notícias do registro. Nos últimos 150 anos o mencionado gás aumentou 80 partes por milhão.

O gelo do Mar Ártico, a enorme camada de dois quilômetros de espessura que cobre a Groenlândia, as geleiras da América do Sul que nutrem suas fontes principais de água doce, o volume colossal que cobre a Antártida, a camada que resta do Kilimanjaro, os gelos que cobrem a Cordilheira do Himalaia e a enorme massa gelada da Sibéria estão a se derreter visivelmente. Cientistas notáveis temem saltos quantitativos nestes fenômenos naturais que originam a mudança.

A humanidade pôs grandes esperanças na Cimeira de Copenhague, depois do Protocolo de Kyoto subscrito em 1997, que começou a vigorar no ano 2005. O estrondoso fracasso da Cimeira deu lugar a vergonhosos episódios que precisam ser esclarecidos.

Os Estados Unidos da América, com menos de 5% da população mundial emitem 25% do dióxido de carbono. O novo Presidente dos Estados Unidos da América prometeu cooperar com o esforço internacional para encarar um problema que afeta esse país e o resto do mundo. Durante as reuniões prévias à Cimeira, ficou evidenciado que os dirigentes dessa nação e dos países mais ricos manobravam para fazer com que o peso do sacrifício caísse sobre os países emergentes e pobres.

Grande número de líderes e milhares de representantes dos movimentos sociais e instituições científicas decididos a lutar por preservar a humanidade do maior risco de sua história, viajaram a Copenhague convidados pelos organizadores da Cimeira. Não vou me referir aos detalhes sobre a brutalidade da força pública dinamarquesa, que arremeteu contra milhares de manifestantes e convidados dos movimentos sociais e científicos que acudiram à capital da Dinamarca, para me concentrar nos aspectos políticos da Cimeira.

Em Copenhague reinou um verdadeiro caos e aconteceram coisas incríveis. Os movimentos sociais e instituições científicas foram proibidos de participar nos debates. Houve Chefes de Estado e de Governo que não puderam nem sequer emitir suas opiniões sobre problemas vitais. Obama e os líderes dos países mais ricos apropriaram-se da conferência com a cumplicidade do governo dinamarquês. Os organismos das Nações Unidas foram relegados.

Barack Obama, que chegou no último dia da Cimeira para permanecer ali apenas 12 horas, reuniu-se com dois grupos de convidados escolhidos "a dedo" por ele e seus colaboradores. Junto a um deles se reuniu na sala da plenária com o resto das mais altas delegações. Falou e foi embora logo pela porta traseira. Nessa sala, com a exceção do grupo selecionado por ele, foi proibido fazer uso da palavra aos outros representantes dos estados. Nessa reunião os Presidentes da Bolívia e da República Bolivariana da Venezuela puderam falar porque, perante o reclamo dos representantes o Presidente da Cimeira não teve outra alternativa que lhes conceder a palavra.

Noutra sala contígua, Obama reuniu os líderes dos países mais ricos, vários dos Estados emergentes mais importantes e dois muito pobres. Apresentou um documento, negociou com dois ou três dos países mais importantes, ignorou a Assembléia Geral das Nações Unidas, ofereceu entrevistas coletivas, e foi embora como Júlio César numa de suas campanhas vitoriosas na Ásia Menor, que fez com que exclamasse: Cheguei, vi e venci.

O próprio Gordon Brown, Primeiro Ministro do Reino Unido, no dia 19 de outubro, afirmou: "Se não chegamos a um acordo, no decurso dos próximos meses, não devemos ter nenhuma duvida de que, uma vez que o crescimento não controlado das emissões tenha provocado danos, nenhum acordo global retrospectivo, nalgum momento do futuro, poderá desfazer tais efeitos. Nessa altura, será irremediavelmente tarde demais."

Brown concluiu seu discurso com dramáticas palavras: "Não podemos dar-nos ao luxo de fracassar. Se fracassamos agora, pagaremos um preço muito alto. Se atuamos agora, se atuamos de conjunto, se atuamos com visão e determinação, o sucesso em Copenhague ainda estará ao nosso alcance. Mas se fracassamos, o planeta Terra estará em perigo, e para o planeta não existe um Plano B."

Agora, declarou com arrogância que a Organização das Nações Unidas não deve ser tomada como refém por um pequeno grupo de países como Cuba, a Venezuela, a Bolívia, a Nicarágua e Tuvalu, ao mesmo tempo que acusa a China, a Índia, o Brasil, a África do Sul e outros Estados emergentes de cederem perante as seduções dos Estados Unidos da América para subscreverem um documento que lança à lixeira o Protocolo de Kyoto e não contém nenhum compromisso vinculativo por parte dos Estados Unidos da América e dos seus aliados ricos.

Sou obrigado a recordar que a Organização das Nações Unidas nasceu há apenas seis décadas, depois da última Guerra Mundial. Os países independentes, naquela altura não ultrapassavam o número de 50. Hoje fazem parte dela mais de 190 Estados independentes, após ter deixado de existir, produto da luta decidida dos povos, o odioso sistema colonial. À própria República Popular China, durante muitos anos, lhe foi negado pertencer à ONU, e um governo fantoche ostentava sua representação nessa instituição e em seu privilegiado Conselho de Segurança.

O apoio tenaz do crescente número de países do Terceiro Mundo foi indispensável no reconhecimento internacional da China, e um fator de suma importância para que os Estados Unidos da América e seus aliados da NATO lhe reconheceram seus direitos na Organização das Nações Unidas.

Na heróica luta contra o fascismo, a União Soviética tinha realizado o maior contributo. Mais de 25 milhões de seus filhos morreram, e uma enorme destruição assolou o país. Dessa luta emergiu como superpotência capaz de contrapesar em parte o domínio absoluto do sistema imperial dos Estados Unidos da América e as antigas potências coloniais para o saqueio ilimitado dos povos do Terceiro Mundo. Quando a URSS se desintegrou, os Estados Unidos da América estenderam o seu poder político e militar para o Leste, até o coração da Rússia, e a sua influência sobre o resto da Europa aumentou. Nada de estranho tem o acontecido em Copenhague.

Desejo sublinhar o injusto e ultrajante das declarações do Primeiro Ministro do Reino Unido e a tentativa ianque de impor, como Acordo da Cimeira, um documento que em nenhum momento foi discutido com os países participantes.

O Ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, na entrevista coletiva oferecida no dia 21 de dezembro, afiançou uma verdade que é impossível negar; usarei textualmente alguns dos seus parágrafos: "Gostaria de enfatizar que em Copenhague não houve nenhum acordo da Conferência das Partes, não foi tomada nenhuma decisão com respeito aos compromissos vinculativos ou não vinculativos, ou de natureza de Direito Internacional, de maneira nenhuma; simplesmente, em Copenhague não houve acordo".

"A Cimeira foi um fracasso e um engano à opinião pública mundial. [...] ficou a descoberto a falta de vontade política..."

"... foi um passo atrás na ação da comunidade internacional para prever o mitigar os efeitos da mudança climática..."

"... a média da temperatura mundial poderia aumentar em 5 graus..."

Logo, o nosso Ministro das Relações Exteriores acrescenta outros dados de interesse sobre as possíveis conseqüências segundo as últimas pesquisas da ciência.

"...desde o Protocolo de Kyoto até a data as emissões dos países desenvolvidos aumentaram 12,8%... e desse volume 55% corresponde aos Estados Unidos da América."

"Um estadunidense consome anualmente, em média, 25 barris de petróleo, um europeu 11, um cidadão chinês menos de dois, e um latino-americano ou caribenho, menos de um."

"Trinta países, incluídos os da União Européia, consomem 80% do combustível produzido."

O fato muito real é que os países desenvolvidos que subscreveram o Protocolo de Kyoto aumentaram drasticamente suas emissões. Querem substituir agora a base adotada das emissões a partir de 1990 com a de 2005, com o qual os Estados Unidos da América, o máximo emissor, reduziria só 30% suas emissões de 25 anos antes. É uma desavergonhada zombaria à opinião pública.

O Ministro das Relações Exteriores cubano, falando em nome de um grupo de países da ALBA, defendeu a China, a Índia, o Brasil, a África do Sul e outros importantes Estados de economia emergente, afirmando o conceito alcançado em Kyoto de "responsabilidades comuns, porém diferenciadas, quer dizer que os acumuladores históricos e os países desenvolvidos, que são os responsáveis por esta catástrofe, têm responsabilidades diferentes às dos pequenos Estados insulares ou às dos países do Sul, sobretudo os países menos desenvolvidos..."

"Responsabilidades quer dizer financiamento, responsabilidades quer dizer transferência de tecnologia em condições aceitáveis, e então Obama faz um jogo de palavras, e em vez de falar de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, fala de ‘respostas comuns, porém diferenciadas’."

"... abandonou a sala sem se dignar a escutar ninguém, nem tinha escutado ninguém antes de sua intervenção."

Numa entrevista coletiva posterior, antes de abandonar a capital dinamarquesa, Obama afirma: "Temos produzido um substancial acordo sem precedente aqui em Copenhague. Pela primeira vez na história, as maiores economias viemos juntas aceitar responsabilidades."

Em sua clara e irrefutável exposição, nosso Ministro das Relações Exteriores afirma: Que quer dizer isso de que ‘as maiores economias viemos juntas aceitar nossas responsabilidades’? Quer dizer que estão descarregando um importante peso da carga que significa o financiamento para a mitigação e a adaptação dos países sobre todo do Sul à mudança climática, sobre a China, o Brasil, a Índia e a África do Sul; porque há que dizer que em Copenhague teve lugar um assalto, um roubo contra a China, o Brasil, a Índia, a África do Sul e contra todos os países chamados com eufemismo em desenvolvimento."

Estas foram as palavras contundentes e incontestáveis com as quais nosso ministro das Relações Exteriores relata o acontecido em Copenhague.

Devo acrescentar que, quando às 10 horas do dia 19 de dezembro nosso vice-presidente Esteban Lazo e o Ministro das Relações Exteriores cubano tinham ido embora, se produziu uma tentativa tardia de ressuscitar o morto de Copenhague, como um acordo da Cimeira. Nesse momento, não restava praticamente nenhum Chefe de Estado nem apenas ministros. Novamente, a denúncia dos restantes membros das delegações de Cuba, da Venezuela, da Bolívia, da Nicarágua e de outros países derrotou a manobra. Foi assim que finalizou a inglória Cimeira.

Outro fato que não pode ser esquecido foi que nos momentos mais críticos desse dia, em horas da madrugada, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, juntamente com as delegações que travavam uma digna batalha, ofereceram ao secretario-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, sua cooperação na luta cada vez mais dura que se levava a acabo, e nos esforços a se realizarem no futuro para preservar a vida de nossa espécie.

O grupo ecológico Fundo Mundial para a Natureza (WWF) advertiu que a mudança climática ficaria fora de controle nos próximos 5 a 10 anos, se não são diminuídas drasticamente as emissões.

Mas não faz falta demonstrar o essencial do que aqui é afirmado a respeito do feito por Obama.

O presidente dos Estados Unidos da América declarou, quarta-feira, 23 de dezembro, que as pessoas têm razão ao estarem decepcionados pelo resultado da Cimeira sobre a Mudança Climática. Em entrevista pela cadeia de televisão CBS, o mandatário assinalou que "’em vez de ver um total colapso, sem que tivesse feito nada, o que poderia ter sido um enorme retrocesso, ao menos nos mantivemos mais ou menos donde estávamos’..."

Obama — afirma a notícia — é o mais criticado por aqueles que, de maneira quase unânime, sentem que o resultado da Cimeira foi desastroso.

A ONU agora está numa situação difícil. Pedir a outros países que adiram ao arrogante e antidemocrático acordo seria humilhante para muitos Estados.

Continuar a batalha e exigir em todas as reuniões, principalmente nas de Bonn e do México, o direito da humanidade a existir, com a moral e a força que nos outorga a verdade, é segundo a nossa opinião o único caminho.