segunda-feira, 30 de setembro de 2013

ECONOMIA - O cara é contra o crescimento econômico.

Ex-presidente do BC de FHC é contra crescimento econômico e a favor do aumento de juros e desemprego


Este aí da foto é Pérsio Arida, um dos gênios da equipe econômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem foi presidente do Banco Central e do BNDES. Todos eles, hoje em dia, ou são banqueiros ou trabalham pra eles. O que por sí só justifica a ojeriza que o povo tomou pelos governos FHC.

Em palestra no 6º Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais, em Campos do Jordão, no mês de agosto, Arida, que é sócio e membro do conselho do BTG Pactual (banqueiro, uau!), defendeu o seguinte:
  • novas altas na taxa básica de juros, porque o Brasil está crescendo mais do que poderia (ué, mas não criticaram o PIBinho?)
  • Os motivos para a taxa de juro subir são cristalinos
  • o desemprego deveria chegar a 6,5 a 7 por cento (está em torno de 5%, logo ele quer que o número de desempregados suba em algumas centenas de milhares)
  • PIB não poderia passar de 2 por cento (é a favor do PIBinho!)[Fonte]

Pérsio Arida é contra o crescimento econômico e a favor do aumento de juros e do desemprego. Depois não sabem por que povo não quer a volta deles ao governo.

POLÍTICA - Propinoduto tucano.



Homem-bomba: “Dinheiro não faltava” para o operador do esquema tucano



“Não se abandona um líder ferido na estrada”
domingo, 29 de setembro de 2013

Homem-bomba do propinoduto tucano
Por Altamiro Borges, em seu blog
A revista IstoÉ desta semana traz novas e bombásticas revelações sobre Jorge Fagali Neto, o “homem-bomba” do propinoduto tucano. Ele já foi indiciado pela Polícia Federal como responsável por intermediar o pagamento de propinas da multinacional francesa Alstom às integrantes do PSDB de São Paulo.
A reportagem agora teve acesso ao depoimento e a uma série de e-mails entregues ao Ministério Público, em junho de 2011, pela secretária de Fagali, Edna da Silva Flores. A documentação escancara o esquema de corrupção. Vale conferir a reportagem, assinada pelos repórteres Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas:
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Trem pagador
Uma disputa travada na Justiça do Trabalho revelou como opera um dos principais agentes do propinoduto montado por empresas da área de transporte sobre trilhos em São Paulo para drenar dinheiro público dos cofres da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e do Metrô paulista.
Trata-se do consultor Jorge Fagali Neto, indiciado pela Polícia Federal sob a acusação de receber e intermediar o pagamento de propinas da multinacional francesa Alstom a autoridades do PSDB paulista.
IstoÉ teve acesso ao depoimento e a uma série de e-mails comprometedores entregues ao Ministério Público, em junho de 2010, por sua ex-secretária Edna da Silva Flores.
A documentação deixa clara a proximidade de Fagali Neto com agentes públicos e o seu interesse em contratos do Metrô paulista e da CPTM. Nas mensagens, o consultor revela, por exemplo, preocupações com a obtenção de empréstimos e financiamentos junto ao Banco Mundial (Bird), BNDES e JBIC que viabilizem investimentos nas linhas 2 e 4 do Metrô paulista.
O material entregue por Edna ao Ministério Público demonstra pela primeira vez a ligação direta de Fagali Neto com os irmãos Teixeira, Arthur e Sérgio, apontados como lobistas do esquema Siemens e responsáveis por pagar propina a políticos por intermédio de offshores no Uruguai, conforme revelou reportagem de IstoÉ em julho.
Em um trecho de seu depoimento ao MP, Edna diz que os três mantinham “relacionamentos empresariais” e “atuavam antes da assinatura de contratos” com o governo de São Paulo.
Copiados por Fagali em uma série de e-mails envolvendo contratos com as estatais paulistas de transporte sobre trilhos, os irmãos Teixeira também têm seus nomes citados na agenda pessoal de Fagali Neto.
Em uma das páginas da agenda, está registrado um encontro com Sérgio Teixeira, hoje falecido, às 11 horas na Alameda Santos, no Jardim Paulista, região nobre de São Paulo. Em outra, constam o telefone, o e-mail e o nome da secretária de Arthur Teixeira.
A ex-funcionária narra também os cuidados do antigo chefe com eventuais investigações. No período de 2006 a 2009, em que trabalhou para Jorge Fagali Neto organizando o seu escritório, ele a mandava se ausentar do seu gabinete quando precisava se reunir com clientes.
Também a pedido de Fagali Neto, ela comprou quatro celulares para que os aparelhos fossem usados por ele apenas para tratar de negócios. O consultor acreditava que assim dificultaria interceptações policiais.
A espécie de “faz tudo” da empresa era proibida até de mencionar ao telefone os nomes de representantes de companhias às quais Fagali prestava consultoria. Ela ainda recebeu orientação para se referir a personagens do círculo de negócios do consultor por apelidos.
José Geraldo Villas Boas – também indiciado pela PF por ter participado do esquema de corrupção – era chamado de “Geólogo”. O temor do consultor em não deixar rastros era tão grande que ele fazia questão de pagar tudo em espécie. “Ele sempre mantinha algumas quantias em local desconhecido em sua casa”, disse.
A ex-secretária afirma no depoimento que ele costumava emitir, por meio da empresa BJG Consultoria e Planejamento Ltda., notas de R$ 260 mil e R$ 180 mil, mesmo tendo apenas ela como funcionária.
Pelo jeito, dinheiro não faltava para o operador do esquema do propinoduto tucano. Em 2009, o ex-secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo (1994) e ex-diretor dos Correios (1997) na gestão Fernando Henrique Cardoso teve uma conta atribuída a ele com mais de R$ 10 milhões bloqueada por procuradores suíços.
Procurado, o advogado de Fagali Neto, Belisário dos Santos Jr., diz que os e-mails foram obtidos pela ex-funcionária por meio de fraude junto ao provedor. Ele, no entanto, não quis se pronunciar sobre o teor das mensagens.
Apesar das tentativas de Fagali de manter a discrição, segundo sua ex-secretária, o elo do homem da propina no escândalo do Metrô com agentes públicos ligados ao PSDB é irrefutável.
Em 2006, Fagali trocou mensagens e recebeu planilhas por e-mail de Pedro Benvenuto, então coordenador de gestão e planejamento da Secretaria de Transportes Metropolitanos, órgão responsável pelas estatais.
Entre o material compartilhado, como revelou o jornal Folha de S.Paulo na última semana, estavam as discussões sobre o Programa Integrado de Transportes Urbanos do governo até 2012, que ainda não estava definido. Até a quarta-feira 25, Pedro Benvenuto ocupava o cargo de secretário-executivo do Conselho Gestor do Programa de PPPs (Parcerias Público-Privadas) do governo de São Paulo, quando pediu demissão na esteira das denúncias.
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A cada dia que passa, o escândalo do propinoduto tucano vai tomando dimensões ainda mais assustadoras. Apesar disto, a maior parte da mídia evita dar o destaque que o assunto merece, comprovando a sua seletividade na escandalização da política.
A revista Veja, a mais descarada, nem trata do tema. Suas capas semanais sensacionalistas até agora não abordaram a grave denúncia. Já as emissoras de tevê, em especial a TV Globo, voltaram a ofuscar o tema. O processo de investigação, porém, parece irreversível, o que forçará uma mudança de postura da velha mídia.
Na semana passada, a Justiça de São Paulo determinou o bloqueio de uma conta na Suíça atribuída a Jorge Fagali Neto por ter encontrado vários indícios de que ela recebeu recursos ilegais da Alstom.
A decisão foi tomada pela juíza Maria Gabriela Spaolonzi, da 13ª Vara de Fazenda Pública, com base nas denúncias encaminhadas pelos promotores Silvio Marques, Saad Mazloum e Mario Sarrubbo.
De acordo com as investigações, a conta atribuída a Fagali Neto foi aberta no Banque Safdié de Genebra e recebeu quase R$ 20 milhões.
Segundo o Ministério Público da Suíça, o dinheiro depositado na conta de Fagali Neto saiu da Alstom e passou por pelo menos três outras contas até chegar ao Banque Safdié.
O trânsito tortuoso do dinheiro foi a forma encontrada pelo “homem-bomba” do propinoduto tucano para tentar despistar a sua origem, garantem os promotores brasileiros. A concessão de liminar pela 13ª Vara de Fazenda Pública visa evitar que a Justiça da Suíça suspenda o bloqueio das contas. Ela serve também para preparar o terreno jurídico para um eventual repatriamento de recursos.
PS do Viomundo: As investigações sobre Fagali e a quebra do sigilo fiscal do grão tucano Andrea Matarazzo certamente terão repercussões na campanha eleitoral de 2014. A questão é saber se afetam apenas a ala paulista dos tucanos.

QUANTO MAIS VOCÊ USA O FACEBOOK, MAIS INFELIZ VOCÊ FICA.


 Quanto mais você usa o Facebook, mais infeliz você fica


Este é o resultado de uma pesquisa inédita, que traz também uma boa notícia: os voluntários que tiveram mais contato real (e não virtual) com outras pessoas, foram mais felizes


Sim, é isso mesmo. Quanto mais você usa o Facebook, mais você fica infeliz. Pior: fica também mais solitário(a). E isso não é papo de boteco ou conclusão da cabeça do autor deste texto. Trata-se do resultado de uma pesquisa de fôlego recente conduzida pelo Laboratório de Estudos de Emoção e Autocontrole da Escola de Psicologia da Universidade de Michigan.

O resultado foi publicado pela Public Library of Science agora na segunda quinzena de agosto e é um dos destaques da reportagem "Brucutus da Timeline", dos repórteres Edu Graça e Rodrigo Martins, de CartaCapital. O material da dupla traz também outros estudos, e está na capa da edição que começou a chegar às bancas e tablets nesta sexta-feira 27.

O levantamento que chegou à conclusão dolorosa do título deste artigo foi conduzido pelo professor Ethan Kross, do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Michigan, em parceria com Phillipe Verduyn, da Universidade de Leuven, na Bélgica. Destacou-se por ser o primeiro a acompanhar com um método claro a rotina de dezenas de usuários da rede social.

Foram recrutados 82 jovens com menos de 30 anos para o experimento, e as perguntas foram enviadas diariamente 5 vezes, das 10 da manhã à meia noite, por meio de sms (mensagem de texto por celular). "Com isso fomos capazes de mostrar como o ânimo dos usuários mudava de acordo com o uso que cada um fazia do Facebook", explica Kross.

Independentemente da quantidade de amigos, das condições psicológicas dos pesquisados e da motivação para o uso da internet, a cada passagem pelo Facebook  aumentavam a preocupação e a sensação de isolamento e infelicidade dos jovens. "Em princípio, o Facebook parece oferecer recursos inestimáveis para satisfazer a necessidade humana de conexão social. Em vez de incrementar a sensação de bem estar, nossa pesquisa sugere, no entanto, que o Facebook diminui a percepção de felicidade do usuário", analisa o acadêmico.

Os 82 voluntários foram também instados a dar uma nota de satisfação obtida consigo mesmo no começo e no fim da pesquisa. A exposição ao Facebook apareceu diretamente ligada à sensação de infelicidade: quem passava mais tempo no site, mais infeliz havia ficado duas semanas depois. Por outro lado, quanto maior o contato social direto, com amigos de carne e osso, sem mediação digital, maior a sensação de felicidade.

O cientista levanta uma possibilidade para este fato: o Facebook ativaria um poderoso processo de comparação social. "Os indivíduos tendem a postar informação, fotos e anúncios que fazem com que suas vidas pareçam sensacionais. Exposição frequente a esse tipo de informação pode levar o outro a sentir que sua vida é, em comparação, pior. Essa é uma das possíveis explicações. Outro fator pode ser a falta de interação direta com outras pessoas."

POLÍTICA - Lula devia se inspirar mais em Mujica.


Lula devia se inspirar mais em Mujica do que em FHC

by Paulo Nogueira

Mujica e seu fusca são uma inspiração

Li a boa entrevista que Lula concedeu ao Correio Braziliense. Entre as conclusões a que cheguei está a seguinte: de uma maneira geral, é melhor Lula seguir o exemplo de Pepe Mujica do que o de Fernando Henrique.
Lula cita FHC ao tocar num ponto que é definitivamente embaraçoso para ele: as palestras milionárias, coisa na casa de 300 mil reais a hora.
Tais palestras são, em si, espinhosas. É um dinheiro indecente, que ajuda a explicar o mundo dividido entre o 1% e os 99%. E mais ainda quando associadas a empresas, como foi o caso de algumas dadas por Lula na África. Empreiteiras brasileiras interessadas em fazer negócios na África estavam envolvidas nas falas.
Lula, perguntado sobre se ainda fazia palestras, disse que sim, mas “menos”. E citou, como que para se justificar, FHC. Também para se defender, Lula disse que só bons presidentes são procurados para palestras, e isso significou um elogio franco – talvez involuntário – a seu antecessor.
FHC foi o primeiro presidente brasileiro a ingressar no mercado de palestras depois de seu governo. O Brasil se globalizara, e o circuito de falas também. Numa reportagem publicada na Piauí, FHC contou que comprara uma mala vermelha para viajar. Ficava mais fácil localizá-la em suas constantes viagens.
Admito que não é fácil recusar palestras tão bem pagas. O dinheiro copioso fascina, ilude e corrompe nossa alma, sabemos todos.
Mas quem quer fazer diferença, na história, tem que ser capaz de não se deixar levar por moedas fáceis com as quais poderá nadar numa piscina como a de Tio Patinhas.
Note que ex-presidentes têm direito a uma pensão vitalícia de cerca de 27 mil reais, destinada a evitar que possam passar dificuldades depois de deixar o poder, como aconteceu com Café Filho.
É aí que entra em cena Mujica.
Alguém imagina Mujica de aeroporto em aeroporto, com uma mala vermelha como a de FHC? Ou embarcando para a África a convite de empreiteiras como Lula?
É bem mais fácil enxergá-lo, pós-presidência, entregue ao sossego de seu sítio modesto, mergulhado numa vida simples ao lado da mulher, dos animais e de seu carrinho.
Mujica mostra que você não tem que ser santo para não se deixar escravizar pelo dinheiro.
O exemplo que ele lega é, desde já, um patrimônio da humanidade.

FRASES PRESAS.

Frases presas

       

Hoje, quero comentar algumas frases que foram cunhadas na semana que passou. Não são frases soltas, pois são construções formais que expressam conteúdos ideológicos bem definidos.  Algumas delas mostram que nem tudo está perdido para aqueles que, como eu, perseguem suas utopias. Outras, porém, revelam a imensidão do caminho a perseguir para que, aqui no Brasil, alcancemos os nossos melhores desígnios.

1.     Melhor ouvir isso do que ser surdo?

Em artigo publicado em “O Globo”, o colunista Artur Xexéo estranhou a ausência do pessoal do “Black Bloks” no “Rock in Rio”. Ele aventou como uma possível razão o fato de a Cidade do Rock ficar muito longe... Eu já acho que são mesmo públicos distintos aqueles que se esgoelam histericamente diante de certos sons infernais – entre eles o tilintar das caixas registradoras do Medina e da Globo - , e aqueles que gritam reivindicações de cunho social, levando porrada da policia. O músico “Marcel Schmier”, da banda “Destruction” (?), teria dito, para deleite do público do “Rock in Rio”:  “Meu português é uma merda, so let’s speak in the language of heavy metal” . Felizmente, não tive que ouvir nenhuma das duas linguagens...

2.     Uns assumem , outros negam ... 

Enquanto estamos assistindo, apesar dos pesares, à posse de  diversos médicos estrangeiros em lugares inóspitos, municípios esquecidos desse Brasil para onde os nossos profissionais não querem ir , somos, com frequência, sacudidos com as reações corporativas da classe médica nacional, que já perdeu essa parada para o povo, a julgar pelas pesquisas realizadas.  A última declaração é para se incorporar aos anais: o presidente de um dos Conselhos Regionais  de Medicina , ao renunciar ao cargo para não ter que conceder os registros provisórios aos  formados no exterior, citou Martin Luther King ao mencionar uma posição que  “não é segura, não é elegante, não é popular”, mas que tem que ser feita “porque a  nossa consciência nos diz que é essa a atitude correta”.  Hipócrates e o próprio Luther King, não sei se de mãos dadas, devem estar protestando no Além. Em tempo: não houve informações sobre se o demissionário  se aproveitou do embalo e  também se demitiu da profissão...

3.     Os homens públicos e as privadas

A semana teve um episódio emblemático, com repercussões idem. O personagem foi  o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) , cujas palavras e atos são tratados pela mídia como folclóricos, mas que traduzem, no fundo, um posicionamento aplaudido por todos os saudosos da ditadura que ainda andam por  aí.  Inserindo-se onde – por razões óbvias -  não foi chamado , quando da visita da Comissão da Verdade às antigas dependências do DOI-CODI, reagiu aos que não o queriam ali e foi acusado de dar um soco (que ele nega e chama de “empurrão por baixo”), no Senador Randolfe Rodrigues, do PSOL. Quando alertado de que haveria uma representação do PSOL contra ele, Bolsonaro foi enfático: “Estou me lixando para essa representação! Se chegar no meu gabinete, vou colocar na privada”. Suprema ironia: o deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) – que em 2009 disse que estava “se lixando para a opinião pública” – foi escolhido nesta quinta-feira como relator da representação. 

4.     Soberaria,  submissão e  silêncio

O episódio da espionagem americana gerou frases de diversas naturezas. As de Dilma foram as esperadas: a soberania brasileira requeria mesmo que fossem proferidas e diante da  plateia correta, a assembleia da ONU:  “O que temos diante de nós é um sério caso de violação dos direitos humanos e desrespeito à soberania. Jamais uma soberania pode firmar-se em detrimento de outra “. Mas temos no Brasil, sempre tivemos, o pensamento entreguista de plantão, o da turma que acha que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Ler as cartas dos leitores da grande imprensa é um prato cheio para um exame dessa natureza. É a tal alienação, ou seja, a exaltação dos valores alheios em detrimento dos próprios. O ruim mesmo é quando a coisa vem de outros segmentos. Um exemplo: o senador Jarbas Vasconcelos (que recordo com saudades do tempo em que combatia a ditadura) ,  talvez por confundir a cabocla e pequena política partidária nacional com  interesses maiores da cidadania, afirmou: “ Foi um expediente totalmente eleitoreiro, medíocre, que envergonha a história da política externa brasileira. Uma iniciativa ruim para a senhora Dilma Rousseff e seu partido, porém muito pior, muito mais grave, para o Brasil, como nação". Mas houve também frases não ditas: as de Obama. Não sei o que considero pior nesse caso: a conveniente subserviência de alguns brasileiros ou a arrogância acintosa do estrangeiro agressor.
5 -  Celso de Mello x  Midia. Vindo de quem vem...

O Ministro Celso de Mello, sempre apontado como um cidadão ínclito, em entrevista a uma jornalista da Folha, desabafou: “Eu honestamente, em 45 anos de atuação na área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz”. Em editorial do dia seguinte, a Folha reagiu: “Ainda que houvesse a tal tentativa de subjugação, seria impróprio tratar todos os veículos de comunicação como um corpo monolítico. Se muitos opinaram contra o cabimento do recurso, tantos outros manifestaram-se a favor dele. Segundo --e mais importante--, a confusão entre a legítima manifestação de opinião na esfera pública e a perniciosa tentativa de intimidar magistrados”. Duas posições. Uma, vindo de quem vem, merece reflexão. A outra é bem previsível.  É seguir acompanhando para tirar conclusões a respeito.
Fonte: Rodolpho Motta no Direto da Redação.

CAPITALISMO - Produção da destruição.

Obsolescência planejada: armadilha silenciosa na sociedade de consumo




PRODUÇÃO DA DESTRUIÇÃO
 
O crescimento pelo crescimento é irracional. Precisamos descolonizar nossos pensamentos construídos com base nessa irracionalidade para abrirmos a mente e sairmos do torpor que nos impede de agir

por Valquíria Padilha, Renata Cristina A. Bonifácio

"É comum um telefone celular ir ao lixo com menos de oito meses de uso ou uma impressora nova durar apenas um ano. Em 2005, mais de 100 milhões de telefones celulares foram descartados nos Estados Unidos. Uma CPU de computador, que nos anos 1990 durava até sete anos, hoje dura dois anos. Telefones celulares, computadores, aparelhos de televisão, câmeras fotográficas caem em desuso e são descartados com uma velocidade assustadora. Bem-vindo ao mundo da obsolescência planejada!

Na sociedade de consumo, as estratégias publicitárias e a obsolescência planejada mantêm os consumidores presos em uma espécie de armadilha silenciosa, num modelo de crescimento econômico pautado na aceleração do ciclo de acumulação do capital (produção-consumo-mais produção). Mészáros (1989, p.88) diz que vivemos na sociedade descartável que se baseia na “taxa de uso decrescente dos bens e serviços produzidos”, ou seja, o capitalismo não quer a produção de bens duráveis e reutilizáveis. A publicidade é o instrumento central na sociedade de consumo e um grande motivador de nossas escolhas, pois é por meio dela que geralmente nos são apresentados os produtos de que passamos a sentir necessidade. A função da publicidade é persuadir visando a um consumo dirigido. Para aquecer as vendas, trabalha arduamente para convencer o consumidor da necessidade de produtos supérfluos. É o que Bauman (2008) chama de “economia do engano”. Para Latouche (2009, p.18), “a publicidade nos faz desejar o que não temos e desprezar aquilo que já desfrutamos. Ela cria e recria a insatisfação e a tensão do desejo frustrado”.

A obsolescência planejada

Para mover esta sociedade de consumo precisamos consumir o tempo todo e desejar novos produtos para substituir os que já temos – seja por falha, por acharmos que surgiu outro exemplar mais desenvolvido tecnologicamente ou simplesmente porque saíram de moda. Serge Latouche, no documentário A história secreta da obsolescência planejada,1 diz que nossa necessidade de consumir é alimentada a todo momento por um trio infalível: publicidade, crédito e obsolescência.

Planejar quando um produto vai falhar ou se tornar velho, programando seu fim antes mesmo da ação da natureza e do tempo de uso é a obsolescência planejada. Trata-se da estratégia de estabelecer uma data de morte de um produto, seja por meio de mau funcionamento ou envelhecimento perante as tecnologias mais recentes. Essa estratégia foi discutida como solução para a crise de 1929. O conceito teve início por volta de 1920, quando fabricantes começaram a reduzir de propósito a vida de seus produtos para aumentar venda e lucro. A primeira vítima foi a lâmpada elétrica, com a criação do primeiro cartel mundial (Phoebus) para controlar a produção. Seus membros perceberam que lâmpadas que duravam muito não eram vantajosas. A primeira lâmpada inventada tinha durabilidade de 1.500 horas. Em 1924, as lâmpadas duravam 2.500 horas. Em 1940, o cartel atingiu seu objetivo: a vida-padrão das lâmpadas era de 1.000 horas. Para que esse objetivo fosse atingido, foi preciso fabricar uma lâmpada mais frágil.

Em 1928, o lema era: “Aquilo que não se desgasta não é bom para os negócios”. Como solução para a crise, Bernard London propôs, num panfleto de 1932, que fosse obrigatória a obsolescência planejada, aparecendo assim pela primeira vez o termo por escrito. London pregava que os produtos deveriam ter uma data para expirar, acreditando que, com a obsolescência planejada, as fábricas continuariam produzindo, as pessoas consumindo e, portanto, haveria trabalho para todos, que trabalhando poderiam consumir e assim fazer o ciclo de acumulação de capital se manter. Nos anos 1930, a durabilidade começou a ser propagada como antiquada e não correspondente às necessidades da época. Nos anos 1950, a obsolescência planejada ressurgiu com o enfoque de criar um consumidor insatisfeito, fazendo assim que ele sempre desejasse algo novo. Ainda no pós-guerra assentaram-se as bases da sociedade de consumo atual, por meio do estilo de vida norte-americano (American way of life), baseado na liberdade, na felicidade e na ideia de abundância em substituição à ideia do suficiente.

Os tipos de obsolescência

Podemos considerar três tipos de obsolescência: obsolescência de função, de qualidade e de desejabilidade. “Pode haver obsolescência de função. Nessa situação, um produto existente torna-se antiquado quando é introduzido um produto que executa melhor a função. Obsolescência de qualidade. Nesse caso, quando planejado, um produto quebra-se ou se gasta em determinado tempo, geralmente não muito longo. Obsolescência de desejabilidade. Nessa situação, um produto que ainda está sólido, em termos de qualidade ou performance, torna-se gasto em nossa mente porque um aprimoramento de estilo ou outra modificação faz que fique menos desejável” (Packard, 1965, p.51).

Slade (2006) chama a “obsolescência de função” de “obsolescência tecnológica”, que é o tipo de obsolescência mais antiga e permanente desde a Revolução Industrial até hoje, em razão da inovação tecnológica. Assim, a obsolescência tecnológica, ou de função, sempre esteve atrelada a determinada concepção de progresso visto como sinônimo de avanços tecnológicos infinitos. Os telefones celulares e os notebooks são o melhor exemplo disso. A “obsolescência de qualidade” é quando a empresa vende um produto com probabilidade de vida bem mais curta, sabendo que poderia estar oferecendo ao consumidor um produto com vida útil mais longa. Na década de 1930, faziam-se constantes apelos aos consumidores para trocarem suas mercadorias por novas em nome de se tornarem bons e verdadeiros cidadãos norte-americanos. O último e mais complexo tipo de obsolescência é o da desejabilidade, ou “obsolescência psicológica”, que é quando se adotam mecanismos para mudar o estilo dos produtos como maneira de manipular os consumidores para irem repetidamente às compras. Trata-se, na verdade, de gastar o produto na mente das pessoas. Nesse sentido, os consumidores são levados a associar o novo com o melhor e o velho com o pior. O estilo e a aparência das coisas tornam-se importantes como iscas ao consumidor, que passa a desejar o novo. É o design que dá a ilusão de mudança por meio da criação de um estilo. Essa obsolescência pode ser também conhecida como “obsolescência percebida”, que faz o consumidor se sentir desconfortável ao utilizar um produto que se tornou ultrapassado por causa do novo estilo dos novos modelos.

A lógica da sociedade capitalista precisa criar ou renovar estratégias que favoreçam a acumulação do capital (por meio não só da expropriação da mais-valia na produção, mas também pelo lucro obtido na venda dos produtos). Mészáros (1989) nos mostra que a taxa de uso decrescente no capitalismo é um mecanismo inevitável da produção destrutiva do capital. O autor considera esse fenômeno intrínseco ao modo de produção capitalista, o qual precisa estimular a sociedade descartável para perdurar enquanto sistema econômico hegemônico. Ele diz: “É, pois, extremamente problemático o fato de que [...] a ‘sociedade descartável’ encontre o equilíbrio entre produção e consumo necessário para a sua contínua reprodução, somente se ela puder artificialmente consumirem grande velocidade (isto é, descartar prematuramente) grandes quantidades de mercadorias, que anteriormente pertenciam à categoria de bens relativamente duráveis. Desse modo, ela se mantém como sistema produtivo manipulando até mesmo a aquisição dos chamados ‘bens de consumo duráveis’, de tal sorte que estes necessariamente tenham que ser lançados ao lixo (ou enviados a gigantescos ‘cemitérios de automóveis’ como ferro-velho etc.) muito antes de esgotada sua vida útil” (Mészáros, 1989, p.16).

A sociedade do consumo visa atender às necessidades de acumulação do capital mais do que às necessidades básicas de seus membros. Se a satisfação de todos fosse realmente a finalidade do sistema produtivo, os bens seriam reutilizáveis. Mas, como o capitalismo “tende a impor à humanidade o mais perverso tipo de existência imediata” (Mészáros, 1989, p.20), toda a sociedade fica submetida à lógica de acumulação do capital segundo a qual a não aceleração do ciclo produção-consumo se torna um obstáculo. Assim, a obsolescência planejada passa a ser uma estratégia fundamental para satisfazer as exigências expansionistas do modo de produção capitalista. “[...] quanto menos uma dada mercadoria é realmente usada e reusada (em vez de rapidamente consumida, o que é perfeitamente aceitável para o sistema), [...] melhor é do ponto de vista do capital: com isso, tal subutilização produz a vendabilidade de outra peça de mercadoria” (Mészáros, 1989, p.24).

Tudo acaba virando lixo

A obsolescência planejada é uma tecnologia a serviço do capital. Para aumentar a acumulação de riquezas privadas, o capital devasta, destrói, esgota a natureza. O aumento da riqueza do capital é proporcional ao aumento da destruição da natureza. Na sociedade da obsolescência induzida, tudo acaba em lixo. Quanto mais rápida e passageira for a vida dos produtos, maior será o descarte. A publicidade é o motor que faz toda essa dinâmica funcionar. Esse modelo de sociedade baseada na estratégia da obsolescência planejada está sendo determinante no esgotamento dos recursos naturais (que ocorre na etapa da produção) e no excesso de resíduos (que ocorre na etapa do consumo e do descarte). Magera (2012) salienta que a humanidade, que existe no planeta há milhares de anos, conseguiu alcançar a maioria de todos os avanços tecnológicos e informacionais apenas nos últimos duzentos anos. Mas essa sociedade do consumo, que, em nome do progresso, aumenta o volume e a velocidade das coisas produzidas industrialmente, eleva também o volume de lixo. Ao mesmo tempo, os consumidores não são estimulados a se conscientizar sobre a geração de resíduos. O lixo é algo do qual as pessoas querem se desfazer o mais rápido possível e, de preferência, que seja levado para bem longe.

Leonard (2011) apresenta inúmeros dados relacionados à extração de recursos naturais e à produção e geração de resíduos no final do ciclo. Alguns exemplos: para produzir uma tonelada de papel, são usadas 98 toneladas de vários outros materiais; 50 mil espécies de árvores são extintas todos os anos; os norte-americanos possuem cerca de 200 milhões de computadores, 200 milhões de televisores e 200 milhões de celulares; nos Estados Unidos são consumidos cerca de 100 bilhões de latinhas de alumínio anualmente. A autora mostra que todo o nosso sistema produtivo-consumista, potencializado pelas estratégias de obsolescência, produz uma destruição assustadora dos recursos naturais ao mesmo tempo que aumenta consideravelmente a geração de lixo. Com a taxa decrescente do valor de uso dos produtos, tudo o que o sistema consegue é aumentar a acumulação do capital enquanto aumenta a destruição do planeta.

Produção de tecnologias verdes ou programas de reciclagem não resolvem essa gama de problemas. É urgente rever o modelo de crescimento econômico que se sustenta nos pilares da obsolescência planejada.

Decrescimento econômico

Podemos afirmar que a espinha dorsal desta sociedade de consumo atual é a aceleração do ciclo produção-consumo-mais produção-mais consumo, gerando descarte e resíduos. O consumo é visto como o motor responsável pelo crescimento econômico – entendido como algo sempre bom e necessário – com base em um paradigma produtivista-consumista. A publicidade continua uma aliada fundamental para manter acesa a chama do consumo e da taxa decrescente do valor de uso das mercadorias, fazendo dos consumidores vítimas de uma armadilha invisível.

Rever os princípios que norteiam esse modelo de crescimento econômico é necessário. Inspiramo-nos no movimento recente do decrescimento econômico, que tem o economista francês Serge Latouche como um dos principais expoentes. O PIB não pode mais continuar sendo visto como uma taxa que deve sempre crescer. Não é razoável pensar num crescimento infinito quando o planeta é finito. O movimento pelo decrescimento econômico parece-nos uma saída para muitos dos problemas que apontamos aqui. Não se trata de voltar ao tempo das cavernas, mas sim de parar imediatamente com esse modelo de crescimento, de progresso e de felicidade ancorado na sociedade de consumo. O crescimento pelo crescimento é irracional. Precisamos descolonizar nossos pensamentos construídos com base nessa irracionalidade para abrirmos a mente e sairmos do torpor que nos impede de agir. Latouche diz: “A palavra de ordem decrescimento tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do objetivo do crescimento ilimitado, objetivo cujo motor não é outro senão a busca do lucro por parte dos detentores do capital, com consequências desastrosas para o meio ambiente e, portanto, para a humanidade” (2009, p.4). A nova lógica que deverá ser construída é a de que podemos ser felizes trabalhando e consumindo menos. Nesse projeto, não faz sentido falar em desenvolvimento sustentável – mais um slogan da moda que os capitalistas inventaram. Falar em ecoeficiência é continuar na “diplomacia verbal”.

O assunto não se esgota aqui, obviamente, mas é fundamental desvelar o princípio da obsolescência planejada para que possamos renovar nossas utopias de um mundo onde a natureza seja preservada, onde haja mais presença e menos presente, mais laços humanos e menos bens de consumo.

Valquíria Padilha
Professora de Sociologia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP) e autora de Shopping center: a catedral das mercadorias (Boitempo, 2006).

Renata Cristina A. Bonifácio
Graduada em Administração de Empresas pela FEA-RP/USP.

1 Disponível em: .

Referências bibliográficas
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
HAUG, W. F. Crítica da estética da mercadoria. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
LATOUCHE, S. Pequeno tratado do decrescimento sereno. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
LEONARD, A. A história das coisas. Da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
MAGERA, M. Os caminhos do lixo. Campinas (SP): Átomo, 2012.
MÉSZÁROS, I. Produção destrutiva e o estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1989.
PACKARD, V. Estratégia do desperdício. São Paulo: Ibrasa, 1965.
SLADE, G. Made to break: technology and obsolescence in America [Feito para quebrar: tecnologia e obsolescência nos Estados Unidos]. Harvard University Press, 2006

EU NÃO SOU DAQUELES ESQUERDISTAS LOUCOS.

Autor de novo livro sobre o totalitarismo, o esloveno Slavoj Zizek relativiza a sua crítica à democracia liberal, dizendo que ainda é melhor ser controlado nos EUA do que na China. Dizendo-se excluído da grande mídia por ser taxado de radical, afirma que não se pode comparar a União Soviética de Josef Stálin à Alemanha de Adolf Hitler.
Em entrevista à Ricardo Mioto da Folha de S.Paulo, 29-09-2013, critica a opressão nos países ocidentais, demonstrada pelas revelações sobre espionagem, mas também o relativismo cultural da esquerda.
Lançando agora Alguém Disse Totalitarismo? Cinco Intervenções no (Mau) Uso de uma Noção, Zizek defende ainda a dissociação entre a violência na Alemanha nazista e na União Soviética sob Stálin. Para o filósofo, o caso soviético foi um desdobramento trágico de um propósito original nobre, enquanto os nazistas sempre desejaram aquilo que colheram.
Eis a entrevista.
O senhor faz uma crítica muito forte à democracia liberal. Diz, no novo livro, que os partidos de esquerda erraram ao aceitá-la e que não tem medo de ser visto como antidemocrático ou totalitário.
Veja bem, não estou dizendo que a democracia liberal seja algo ruim. Claro que eu prefiro isso a uma ditadura aberta. Mas a democracia liberal tem as suas limitações. Em primeiro lugar, seus mecanismos tradicionais não são fortes o suficiente para controlar problemas ecológicos e econômicos. Em segundo, veja o que as revelações recentes sobre espionagem nos dizem. É fácil ver o jeito como somos oprimidos e controlados em um Estado abertamente autoritário, como a Rússia ou a China. Se alguém diz "na China, nossa liberdade é limitada", meu Deus, você está falando o óbvio! Mas o fato é que, na democracia liberal, também somos muito controlados e oprimidos, embora a maioria das pessoas tenha a sensação de que suas vidas são livres. Isso não quer dizer que todo controle seja igual. Claro que, nesse sentido, prefiro os EUA à China. O que teria acontecido com Bradley Manning [soldado do Exército americano condenado por vazar documentos ao Wikileaks] se ele fosse chinês ou russo? Na China, teriam prendido até a sua família.
Qual seria a alternativa às democracias liberais?
Bom, não é um problema simples. Não concordo com quem diz que bastaria que um Hugo Chávez assumisse o comando e tudo se resolveria... Não é só uma questão de imperialismo americano ou algo assim, é toda nossa organização social, tecnológica. Você vai se surpreender, mas sou contra ficar esperando uma revolução. O Brasil, apesar de todas as limitações, mostra que é possível melhorar as coisas. Se os pobres estão melhor, se a classe média se fortaleceu, é cínico dizer: "Ah, mas são as mesmas velhas relações capitalistas". Eu discordo daquela esquerda que nega isso, para quem a social-democracia é um compromisso com a burguesia que só atrapalha a revolução autêntica. Mas isso não significa que não exista uma problemática tendência neutralizante da democracia liberal.
Mas o sr., como intelectual e escritor, não utiliza justamente a liberdade da democracia para expor suas ideias e convencer as pessoas?
Veja, não sou daqueles que dizem "nossa liberdade é ilusão, vamos jogá-la fora". A liberdade é muito preciosa. Mas você pergunta sobre a minha condição pessoal. Não é que eu possa publicar tudo que eu queira. Recentemente recebi muitos ataques. Na "New Republic", no "New York Times". O "The Telegraph", na Inglaterra, disse que eu era um fascista de esquerda. Fui acusado até de defender um novo holocausto. E o espaço para responder, quando existe, é mínimo.
A liberdade deles de criticar não é a mesma que o sr. tem para opinar?
Mas há a proporção, é diferente. Publicar na mídia marginal, em pequenas editoras, é fácil, mas a grande mídia é muito fechada. Não sou só eu. Veja Noam Chomsky. É um intelectual extremamente conhecido, mas você nunca o viu na grande mídia americana. E não estou falando da Fox News. Você nunca viu Chomsky ser convidado a falar na CNN, mesmo no "New York Times" ele é boicotado. Claro que você pode falar que Chomsky é livre para fazer o que quiser, mas há essa exclusão do espaço público.
Vejo seu nome na grande mídia.
Sim e não. Há três ou quatro anos, publicaram aqui e ali sobre mim no "New York Times". Agora não mais. Na França, há dois ou três anos, escrevia regularmente para o "Le Monde". Agora estou fora, fui considerado radical demais. Na Alemanha foi parecido. Não é paranoia minha. Não estou dizendo que haja conspiração, mas que, se você passa de determinado um ponto, decidem que isso é demais. Eu fico me perguntando que limite é esse. Sempre fui muito crítico à esquerda, escrevo muitas críticas a Stálin.
Sobre Stálin, o senhor defende que não há como comparar a União Soviética de Stálin com a Alemanha nazista de Hitler.
Veja, a União Soviética stalinista foi horrível. A quantidade de assassinatos, o sofrimento. O que eu digo é que Stálin e Hitler não foram iguais. A prova, para mim, é a existência de dissidentes. Stálin teve a todo tempo de lutar contra quem o questionava. Muita gente dizia que Stálin tinha traído o comunismo autêntico, Trótski é um exemplo. Desculpe, mas não havia ninguém assim no nazismo, nenhum grupo questionando Hitler, dizendo que ele era um traidor do nazismo autêntico. Na União Soviética, algo que originalmente era para dar na libertação do povo --a Revolução de Outubro-- terminou em um pesadelo. Mas o objetivo inicial era outro. O nazismo era diferente. Os nazistas conseguiram exatamente o que eles queriam.
Mas o sr. escreve que não vê contradição entre violência e política.
Esse é um ponto importante a esclarecer. Há uma violência no mundo para permitir que as coisas continuem como são. Violência para mim não envolve só armas, polícia, gangues. Há, por exemplo, a violência social, a violência econômica --uma crise financeira brutal que acaba com empregos e economias de milhões não é uma violência? Para entender o terrorismo, por exemplo, você tem de entender esse tipo de violência. Não estou dizendo que uma coisa justifica a outra. Mas a violência econômica ou social tem consequências.
Que relação há entre essa forma de ver a violência e a crítica que o sr. faz à noção de direitos humanos?
Eu não sou um daqueles esquerdistas loucos, que acham que os direitos humanos são apenas uma ideologia do imperialismo. Eu concordo que, em algumas situações, direitos humanos podem ser importantes. Eu não compro o relativismo de esquerda que diz que nós não deveríamos impor uma noção ocidental de direitos humanos. Isso justifica qualquer coisa. Se estão arrancando os clitóris das mulheres, dizem "é a cultura deles, não deveríamos intervir". É nesse sentido que critico a tolerância. O que me incomoda é que as decisões de intervenção em nome dos direitos humanos são arbitrárias.
Agora se fala muito na Síria. Mas, se você quiser ver sofrimento de verdade, vá ao Congo. Em dez anos, morreram 4 milhões de pessoas. O Estado não funciona, os poderosos aterrorizam a população enquanto vendem minerais preciosos a empresas ocidentais. Esse é o pesadelo verdadeiro sobre direitos humanos. Mas ninguém se importa. Os países estão fazendo negócios lá --e não só os EUA mas também a China, vários outros--, então ninguém dá bola. Eu fui a Ramallah, na Palestina, e falei: "Vocês sofrem com Israel, mas, para as pessoas do Congo, mudar para cá seria um sonho". Decide-se fazer intervenções por motivações geopolíticas e econômicas. Aí, de repente, surgem milhões de imagens terríveis do lugar. Agora lemos todos esses artigos sobre como o Irã é opressivo para as mulheres. Mas o Irã é um paraíso feminista perto da Arábia Saudita, e não se fala sobre isso.
O sr. diz que o totalitarismo é mal compreendido. Em que sentido?
Eu não gosto do termo totalitarismo. Ele tem sido usado de maneira muito genérica. Do mesmo jeito que, nos anos 1960, manifestantes de esquerda diziam que os Estados Unidos eram fascistas. Meu medo é que o mesmo aconteça com o termo "totalitário" e ele acabe sem sentido, banalizado. Veja como Hannah Arendt usava o termo. Ela é muito específica: apenas nazistas e soviéticos --e estes somente por alguns anos-- foram totalitários. O que muda agora dizer que Assad é totalitário? Claro que ele é um cara mau. Mas totalitário? Ao falar isso, uma análise real de como funciona o regime, das suas particularidades, se torna difícil.
O sr. defende muito a ordem, acha que o mundo é melhor quando tudo está organizado. Seria, nesse sentido, um totalitário?
Nesse sentido, sim. Esse é, aliás, o meu problema com o Brasil. Rio, Carnaval, Bahia, eles dançam muito, se divertem muito, por mim iriam a um gulag [risos]. A sério: eu não acho que desordem, Carnaval, seja libertação. O problema das nossas sociedades é que elas são muito caóticas. É isso que os americanos não entendem: se você quiser ser um ser humano verdadeiramente livre -- ir aonde você quiser, encontrar quem você quiser--, você precisa de uma estrutura muito rígida de ordem pública, de boas maneiras. Sem isso, nossa liberdade é sem sentido. Liberdade e ordem andam juntas. Veja a economia soviética. Não é que ela fosse superorganizada. É o contrário. Por baixo da superfície planejada, nada funcionava, um grande improviso. A União Soviética era autoritária, mas ela não era organizada. O que ela precisava não era de mais caos, mas de mais ordem. Para isso, acho que precisamos de mais Estado, de poderes internacionais. Os problemas que confrontamos não serão resolvidos nesse nível estúpido de comunidades locais, democracia local.
No livro, o sr. conta a história de um amigo americano que foi à Romênia após a democratização, nos anos 1990, quando a polícia secreta local decidiu ser mais amigável. No hotel, ele ligou para a esposa e disse que o país era pobre, mas as pessoas muito agradáveis. Ao desligar, o telefone toca: um oficial da polícia secreta que ligava para agradecer as palavras gentis. O sr. dedica o livro a esse policial.
Essas histórias sempre me fascinaram, histórias de como, na passagem de um sistema para o outro, a linguagem e algumas regras de comportamento se conservam e criam confusão. O sujeito da polícia é um caso. Na época da queda do comunismo na Iugoslávia, havia uma rádio independente, de estudantes. Eles convidaram um antigo comunista, um "real" burocrata, para falar. Perguntaram a ele sobre sexo, e ele queria agradar os jovens, mostrar que aceitava os novos tempos. Então ele disse: "Eu concordo com vocês, sexo é um instrumento muito importante na construção do progresso social e político da nação". Todos ficaram sem reação [risos]. Eu amo esses momentos.

POLÍTICA - Entrevista do Lula.

Lula: “Não se pode negar o direito das pessoas de exigirem provas”



Recomendo a todos a ótima entrevista que os Diários Associados publicaram nesse fim de semana com o ex-presidente Lula. Ele trata de diversos temas, incluindo a campanha eleitoral, os rumos do governo e a economia. E também avalia que a AP 470, chamada de julgamento do mensalão, não terá influência nas eleições.

“E eu acho que a história vai mostrar de que mais do que um julgamento, o que nós tivemos foi um linchamento, por uma parte da imprensa brasileira, no julgamento. Eu tenho me recusado a falar disso porque sou ex-presidente, indiquei os ministros. Vou falar quando o julgamento terminar.”

Ele acrescenta: “Uma coisa eu não posso deixar de criticar. Se pegar o último julgamento agora (dos embargos infringentes), o que a imprensa fez com o Celso de Mello foi uma coisa desrespeitosa à instituição da Suprema Corte, que é o último voto. Ou seja, depois dela, ninguém mais pode falar. Eu fiquei irritado certa vez, quando eu era presidente, o (Sepúlveda) Pertence tomou uma decisão e alguém escreveu que José Dirceu tinha ganhado no tapetão, sem nenhum respeito a uma figura como o Pertence. Veja a arrogância e a petulância de algumas pessoas.”

“O povo sabe separar as coisas. Agora, o que não se pode é negar o direito das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho muita vontade de falar, mas eu preciso me calar. Alguns companheiros estão condenados. Se amanhã a Justiça falar que absolveu, estarão condenados do mesmo jeito. Ninguém se dá conta do que aconteceu com a família das pessoas, com os filhos das pessoas. Esta substituição da informação pela versão que interessa não pode ser adequada à construção de um país democrático.”

Eleição

Lula acrescentou que não existe uma divisão entre ele e a presidenta Dilma Rousseff. “Se houver alguém que se diz lulista e não dilmista, eu o dispenso de ser lulista. A Dilma é a presidente e representa o PT. Eu não estou pedindo que as pessoas gostem dela. Eu quero que as pessoas a respeitem na função institucional e saibam que o PT está lá para apoiá-la”, afirma.

Lula ainda comentou a possível candidatura de Eduardo Campos em 2014. “Eu não dou de barato que o Eduardo é candidato. Ele tem potencial? Ele tem estrutura, sabedoria política? Tem. Ele pode ser candidato, como o Aécio, a Marina. Eu só acho que foi um prejuízo para a gente ter o PSB, e sobretudo o Eduardo, do outro lado. Isso aconteceu apenas quando o Garotinho foi candidato contra mim, em 2002. Se ele vai ser candidato, nós temos de ter uma regra de comportamento. Se a eleição não terminar no primeiro turno, poderemos ter aliança no segundo turno. Mas eu não dou de barato que as coisas estão definidas na eleição.”

Lula avalia que o PSDB vai ter mais dificuldades com Aécio Neves do que com Serra. “Não é fácil criar um candidato novo num país do tamanho do Brasil. Então, eu não sei como o PSDB vai conseguir se livrar do Serra ou se o Serra vai conseguir provar que tem mais qualidades para ser candidato. Mas o PT não pode escolher adversário. Tem que enfrentar quem aparecer, e acho que pode ganhar dos dois.”

Lula ressalta que a participação dele na campanha será diferente da de 2010, já que Dilma passou a ser muito conhecida agora: “O que eu vou fazer na campanha depende dela. Eu não quero estar na coordenação, eu quero ser a metamorfose ambulante da Dilma. Estou disposto. Se ela não puder ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste. Isso quem vai determinar é ela”.

Partidos e reforma

Sobre a criação de novos partidos, Lula diz que é preciso “evitar as legendas de aluguel”. E também falou sobre a criação da Rede: “Não serei contra, depois de tudo que fiz pela criação do PT. Eu não sei se a Marina vai cumprir as exigências legais. Ela é uma personalidade política do país, tem todo direito de criar um partido. Agora, tem de ter coragem de dizer que é partido, não tem que inventar outro nome, dizer que não é partido, é uma rede. É partido e vai ter deputado, como todo partido”.

O ex-presidente também chamou atenção para a importância da reforma política: “Mas acho que ela só virá quando tivermos Constituinte própria para fazê-la. O Congresso não vai aprovar. Pode fazer uma mudança aqui, outra ali, mas não uma reforma profunda”.

Manifestações

Para Lula, as manifestações “fizeram muito bem ao Brasil”, com exceção dos mascarados. “Todas as reivindicações que apresentaram, um dia nós também pedimos.”

“As manifestações nos ensinaram que o desejo do povo de mudar as coisas é infinito. Quem consegue comprar carne de segunda passa a querer carne de primeira. Tínhamos 48 milhões de pessoas que andavam de avião em 2007. Em 2012, eram 103 milhões. Hoje, tem gente que entra no avião e não sabe nem guardar a mala. Alguns acham isso ruim. Eu acho ótimo.”

Ele também rebateu as críticas de que o Brasil não poderia sediar grandes eventos: “Veja o caso da Copa do Mundo. Todo país quer sediar uma Copa do Mundo. O Brasil não pode. Ah, porque temos problemas de saúde e moradia! Todos os países têm problemas, e por que não pode ter Copa do Mundo e Olimpíada? E o quanto uma nação ganha com isso, do ponto de vista cultural, do ponto de vista do desenvolvimento? Qual é a denúncia contra as obras?”.

Mais Médicos

O ex-presidente ainda classificou o Mais Médicos de “coisa fantástica” e disse que os médicos brasileiros que protestaram sabem que cometeram um erro gravíssimo. “O (Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: ‘Não queremos tirar o emprego de médico brasileiro. Queremos trazer médicos para atender nos locais onde faltam médicos brasileiros’. Em vez de protestar, eles deveriam ter feito um comitê de recepção aos colegas estrangeiros. E Deus queira que um dia o Brasil forme tantos médicos que possa mandar médicos para um país africano”.


Lula conta como foi 'desencarnar' da Presidência e diz que percorrerá o Brasil por Dilma O ex-presidente deu uma entrevista exclusiva para os Diários Associados

Tereza Cruvinel
Leonardo Cavalcanti -

'(Sair da Presidência) foi como se me desligassem de uma tomada. O general disse: 'Olha, daqui a três dias os celulares serão desligados e os carros, recolhidos'. Mas levaram apenas três minutos para me desconectarem' (Luludi/Esp.CB. Brasil)
"(Sair da Presidência) foi como se me desligassem de uma tomada. O general disse: 'Olha, daqui a três dias os celulares serão desligados e os carros, recolhidos'. Mas levaram apenas três minutos para me desconectarem"

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levanta-se em São Bernardo do Campo às 6h, faz duas horas de exercícios físicos, toma café e chega ao instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente saindo antes das 20h. Recebe políticos, empresários, sindicalistas, intelectuais, agentes sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma causa ou projeto. Quase três anos após deixar a Presidência e depois da vitória contra o câncer, Lula declara que está completamente “desencarnado” do cargo e com a saúde restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do tratamento, confirma.

Por telefone, ele é alcançado também por interlocutores de diferentes países, com convites para viagens e palestras no Brasil e no exterior. No ano que vem, o ritmo vai cair, pois ele vai ajudar, “como puder”, na campanha da sucessora, Dilma, pela reeleição. “Se ela não puder ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste”, disse o ex-presidente.

Nas instalações simples da casa no Ipiranga, o que denuncia o inquilino são as fotografias nas paredes, de momentos especiais da Presidência, selecionadas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que continua a seu lado, assim como os assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala de trabalho, em vez das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi lá que, na quinta-feira, Lula recebeu os Diários Associados para a sua primeira grande entrevista depois de deixar o governo. Em duas horas ele falou de tudo: da vida no poder e fora dele, da disputa eleitoral do ano que vem, passando por espionagem, Mais Médicos, mensalão e novos partidos.

Lula também falou, pela primeira vez, sobre a Operação Porto Seguro, a investigação da Polícia Federal que revelou um esquema de favorecimentos em altos cargos do governo federal e provocou a demissão de Rosemary Noronha, a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo. E disse ter saudades de Brasília: “O nascer e o pôr do sol no Alvorada são inesquecíveis”.

Deixar de ser presidente trouxe alívio ou pesar?

Não é fácil falar sobre isso. Eu achava que seria simples deixar a Presidência. O (João) Figueiredo, que saiu pela porta dos fundos, até pediu para ser esquecido. Quando a pessoa não sai bem, quer esquecer mesmo. Mas eu saí no momento mais auspicioso da vida de um governante. Eu brincava com o Franklin (Martins): se eu ficar mais alguns meses, vou ultrapassar os 100% de aprovação. Foi como se me desligassem de uma tomada. Num dia você é rei, no outro dia não é nada. Depois de entregar o cargo, cheguei a São Bernardo e havia um comício, organizado por amigos e pessoas do sindicato. O Sarney me acompanhou. Antes, visitei o Zé Alencar, choramos juntos. Eu fiquei danado da vida porque achava que ele devia ter ido à posse e subido a rampa de maca, mas os médicos não deixaram. Participei do comício e quando deram 11h da noite eu subi para o apartamento. Ao me despedir dos que trabalharam comigo na segurança e voltariam a Brasília, o general me disse: “Olha, presidente, daqui a três dias os celulares da Presidência serão desligados e os carros serão recolhidos”. Mas levaram apenas três minutos para me desconectarem. Este é o lado hilário da coisa. Mas ser ex-presidente é um aprendizado sobre como se comportar, evitando interferir no novo governo. Quem sai precisa limpar a cabeça, assimilar que não é mais presidente. Mas é difícil sair de um dia a dia alucinante, acordar de manhã e perguntar: e agora?

Mas como conseguiu resolver o “desligamento”?

Entre março de 2011 e a descoberta do meu câncer, em outubro, eu fiz 36 viagens internacionais, visitei dezenas de países africanos e latino-americanos. Eu queria ficar fora do Brasil para vencer a tentação de ficar dando palpites. Decidi voltar para o instituto, que eu já tinha, e comecei a trabalhar aqui. No dia do meu aniversario fui levar a Marisa para fazer um exame mas acabaram descobrindo o câncer em mim. E aí foi um ano de tortura. Nunca pensei que fosse tão difícil fazer quimioterapia e radioterapia. A doença, a internação, o fato de não poder falar ajudaram no desligamento. Fui desencarnando e hoje isso está bem resolvido na minha cabeça. Este ano, no evento dos 10 anos de governos do PT, quando eu disse que a Dilma era minha candidata, eu queria tirar de vez da minha cabeça a história de voltar a ser candidato. Antes que os outros insistissem, antes que o PT viesse com gracinhas, antes que os adversários da Dilma viessem para o meu lado, eu resolvi dar um basta e fim de papo.

Mesmo com eventuais “volta, Lula”, com manifestações, crises?

Mesmo. Hoje há pessoas defendendo o fim da reeleição. Eu sempre fui contra a reeleição, mas hoje posso dizer que ela é um beneficio, uma das poucas coisas boas que copiamos dos americanos. Em quatro anos, você não consegue realizar uma única obra estruturante no país. Depois, o eleitor pode julgar o governante no meio do período. Bush pai não se reelegeu, Carter não se reelegeu. Mas foi bom para os Estados Unidos o Clinton ter governado oito anos.

O senhor não ficou tentado a buscar o terceiro mandato, quando o deputado Devanir apresentou aquela emenda?


Eu fui contra. Chamei o partido e disse: ‘Não quero brincar com a democracia. Se eu conseguir o terceiro, amanhã virá alguém querendo o quarto, o quinto’. Sou amplamente favorável à alternância no poder, de pessoas e de segmentos sociais. Comigo, pela primeira vez um operário chegou à Presidência. Com a Dilma, a primeira mulher. Quer mais mudança do que isso? Quero que o povo continue mudando. Para errar ou acertar, não importa.

Deixar o poder traz mais liberdade?

Eu nunca tive liberdade, nem antes nem depois. Fiquei oito anos em Brasília sem ir a um restaurante, a um aniversário, a um casamento, porque tinha medo daquele mundo futriqueiro de Brasília. Mesmo hoje, prefiro passar o fim de semana em casa, de bermudas.

O que considera como mudanças importantes deixadas por seu governo?

As coisas que foram feitas, se em algum momento foram negadas, a verdade foi mais forte que a versão. A ONU acaba de reconhecer, com dados irrefutáveis, que o Brasil foi o país que mais combateu e reduziu a pobreza nos últimos 10 anos. Eu queria provar que, quando o Estado assume a responsabilidade de cuidar dos pobres, isso tem efeitos. Tenho muito orgulho de ter sido um presidente que, sem ter diploma universitário, foi o que mais criou universidades no Brasil, o que mais fez escolas técnicas, o que colocou mais pobres na universidade... Já houve presidentes da República que tinham diplomas e mais diplomas, fizeram muito pouco pela educação. A outra coisa de que muito me orgulho é de ter sido o primeiro presidente que fez com que o povo se sentisse na Presidência.

E o que o senhor considera o maior erro de seu governo?

Certamente cometi muitos erros. Os adversários devem se lembrar mais deles do que eu. Mas fiz as coisas que achava que poderia fazer. Há quem me pergunte se não me arrependo de ter indicado tais pessoas para a Suprema Corte. Eu não me arrependo de nada. Se eu tivesse que indicar hoje, com as informações que eu tinha na época, indicaria novamente.

E com as informações atuais?

Eu teria mais critério. Um presidente recebe listas e mais listas com nomes, indicados por governadores, deputados, senadores, advogados, ministros de tribunais. E é preciso ter quem ajude a pesquisar e avaliar as pessoas indicadas. Eu tinha o Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça, o (Dias) Toffoli na Casa Civil... Uma coisa que lamento é não ter aprovado a reforma tributária, e tentei duas vezes. Hoje estou convencido de que não poderá ser feita como pacote, mas fatiada, tema por tema. Eu mandava um projeto com apoio de todo mundo, mas as forças ocultas de que falava o Jânio se apresentavam nas comissões do Congresso e paravam tudo. Eu receava também que segundo mandato fosse repetitivo, com ministros não querendo trabalhar. Foi aí que tivemos a ideia do PAC. Mas acho que poucos conseguirão repetir o que fizemos entre 2007 e 2010. Era o time do Barcelona jogando. Tudo fluiu bem. Posso ter errado, mas não tenho arrependimentos. Tenho frustração de não ter feito mais.

Voltando à indicação dos ministros do STF. Hoje, se o senhor pudesse voltar no tempo...

Nem podemos pensar nisso. Eu não sou mais presidente, eles já estão indicados e vão se aposentar lá.

O senhor continua fazendo palestras?

Tenho feito, mas vou reduzir. No ano que vem vou me dedicar um pouco à campanha. Vocês sabem que um ex-presidente da Republica não tem aposentadoria. Não tendo aposentadoria de outra origem, terá que ser mantido pelo partido dele ou terá que se virar. Mas você só é convidado para fazer palestras se tiver tido êxito no governo. O Fernando Henrique inovou e passou a fazer palestras. O PT ofereceu-me um salário e eu agradeci. Eu mesmo ia tratar da minha sobrevivência.

O que acha das críticas de que existiria conflito de interesses quando as empresas têm contratos com o governo?


Acho uma cretinice. Primeiro porque não faço nada além do que eu fazia como presidente. Eu tinha orgulho de chegar a qualquer país e falar da soja, do etanol, da carne, da fruta, da engenharia, dos aviões da Embraer... Eu vendia isso com o maior prazer do mundo. Com orgulho. Eu achava que isso era papel do presidente da República. Se eu puder vender as empresas brasileiras na Nigéria, no Catar, na Líbia, no Iraque, na África, eu vou vender. Estas críticas também refletem o complexo de vira-lata. É não compreender o sentido disso. Tenho orgulho de saber que quando cheguei à Presidência não havia uma só fábrica brasileira na Colômbia e hoje existem 44. Havia duas no Peru e hoje são 66. De termos ampliado nossa presença na Argentina ou na África. Se não formos nós, serão os chineses, os ingleses, os franceses. Todas as empresas, inclusive as de jornais e de televisão, têm lobistas em Brasília. Mas são chamados de diretores corporativos ou institucionais. Agora, se alguém faz pelo país, é lobista. Faz parte da pequenez brasileira. Veja o caso da Copa do Mundo. Todo país quer sediar uma Copa do Mundo. O Brasil não pode. Ah, porque temos problemas de saúde e moradia! Todos os países têm problemas, e por isso não pode ter Copa do Mundo e Olimpíada? E o quanto uma nação ganha com isso, do ponto de vista cultural, do ponto de vista do desenvolvimento? Qual é a denúncia contra as obras?

Nos protestos, a crítica era ao custo das obras…

Ora, se em 1950 o Brasil pôde fazer um estádio para a Copa do Mundo, em 2013 não podemos fazer outros? Pergunto: qual é a denuncia? Eu deixei dois decretos, um sobre a Copa e outro sobre a Olimpíada, que estão no site da CGU. Perguntem ao Jorge Hage onde tem corrupção na Copa. O TCU designou um ministro, o Valmir Campelo, encarregado de fiscalizar especificamente os gastos com a Copa. Perguntem a ele onde há corrupção. A Copa está marcada e tem que ser feita com a maior grandeza. Se alguém praticar corrupção, que seja posto na cadeia.

Falando nas manifestações, o que mudou com elas no Brasil?

Eu acho que fizeram muito bem ao Brasil. Com exceção dos mascarados. Todas as reivindicações que apresentaram, um dia nós também pedimos. Veja o discurso do (Fernando) Haddad na campanha de São Paulo: “Da porta da casa para dentro a vida melhorou, mas da porta para fora ainda precisa melhorar”. Hoje, muito mais gente anda de carro, mas o transporte público não melhorou. Eu andava de ônibus lotados como latas de sardinha em 1959, e continua a mesma coisa. O povo nos disse o seguinte: “Já conquistamos algumas coisas e queremos mais”. As pessoas querem mais, mais salário, mais transporte, melhorarias na rua, e isso é extraordinário. Nem dá mais para ficar dividindo tarefa: isso é com o prefeito, isso com o governador, aquilo com o presidente. Agora é tudo junto.

E o programa Mais Médicos, é uma boa solução?


É uma coisa fantástica, mas vai fazer com que o povo fique ainda mais exigente com a saúde. O sujeito vai subir o primeiro degrau. Vai ter um médico que vai lhe pedir os primeiros exames, e a saúde vai ser problema outra vez. Discutir saúde sem discutir dinheiro, não acredito. E não adianta dizer, como fazem os hipócritas, que o problema é só de gestão. Chamem os 10 melhores gestores do planeta e perguntem como oferecer tomografia, ressonância, tratamento de câncer sem dinheiro. O hipócrita diz: “Eu pago caro por um plano de saúde, porque o SUS não me atende”. Mas, quando ele vai fazer a declaração de renda, desconta tudo do imposto a pagar. Então quem paga a alta complexidade para ele é o povo brasileiro. E aí vem a Fiesp fazer campanha para acabar com a CPMF. Não foi para reduzir custos, mas para tirar do governo o instrumento de combate à sonegação.

O Mais Médicos é uma marca de governo para Dilma?

Os médicos brasileiros que protestaram sabem que cometeram um erro gravíssimo. O (Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: “Não queremos tirar o emprego de médico brasileiro. Queremos trazer médicos para atender nos locais onde faltam médicos brasileiros”. Em vez de protestar, eles deveriam ter feito um comitê de recepção aos colegas estrangeiros. E Deus queira que um dia o Brasil forme tantos médicos que possa mandar médicos para um país africano. É admirável que um país pequeno como Cuba, que sofre um embargo comercial há 60 anos, tenha médicos para nos ceder.

Na semana passada, foram criados dois partidos políticos, houve um grande troca-troca de deputados, para lá e para cá. Como o senhor vê isso?

O fato de você legalizar um partido é o menos importante. Levar 10, 15 deputados, também. Eu quero saber é se na próxima eleição estes partidos passarão pelo teste das urnas.

Marina Silva talvez não consiga registrar o partido dela…

Quando nós fomos construir o PT, as exigências legais eram até maiores. Na primeira eleição, eu achava que seria eleito governador de São Paulo. Eu era uma figura estranha, um metalúrgico, levava muita gente aos comícios. Fiquei em quarto lugar. O Estadão fez uma pesquisa, dizendo que eu tinha 10%. Eu logo xinguei a imprensa burguesa (risos). E eu tive exatamente 10% (risos). Então, essas pessoas que estão criando partidos vão ter de trabalhar muito. E precisamos evitar as legendas de aluguel. Não serei contra, depois de tudo que fiz pela criação do PT. Eu não sei se a Marina vai cumprir as exigências legais. Ela é uma personalidade política do país, tem todo o direito de criar um partido. Agora, tem de ter coragem de dizer que é partido, não tem que inventar outro nome, dizer que não é partido, é uma rede. É partido e vai ter deputado, como todo partido. Mas o que vai contar nas eleições de 2014 são os partidos existentes: o PT, o PMDB, o PSB, o PSDB e outros mais.

Agora, sem a candidatura de Marina, a disputa presidencial se alteraria, não?


Ela ainda tem tempo. Ela tem de assistir ao dia final do julgamento com a ficha de outro partido do lado. Eu acho que a Marina tem o direito de ser candidata. Marina é um quadro político importante para o país. Caso ela não consiga o partido e não seja candidata, será importante saber para onde vão os votos dela. Ninguém pode perder o pé da realidade do país, achar-se melhor que o Congresso, que lá só tem corrupto, como vejo alguns dizerem.

O senhor mesmo já falou, quando disse que no Congresso havia 300 picaretas...

O Congresso é a cara da sociedade brasileira. Ulysses Guimarães dizia: “Toda vez que a sociedade começa a falar em muita mudança no Congresso, o Congresso piora”.

Quase 300, na realidade 280 deputados, foram responsáveis de alguma forma pela absolvição do deputado Natan Donadon em plenário...

Veja que eu não errei. O que acontece no Congresso acontece num clube de futebol, acontece no condomínio em que a gente mora, na sauna... Você tem gente de qualidade, você tem gente de menos qualidade, gente comprometida com os setores mais à esquerda, gente comprometida com os setores mais à direita. Se as pessoas fossem de direita ou de esquerda, era melhor do que serem simplesmente fisiológicas. O que eu acho que mata na política é o fisiologismo. E você não vai acabar com isso. É uma cultura política que está estabelecida no mundo, não é só no Brasil. E não é uma questão nacional, senão a Itália não tinha o Berlusconi.

Mas o senhor defende a reforma política não é buscando superar estes problemas?


Eu defendo a reforma política, mas acho que ela só virá quando tivermos Constituinte própria para fazê-la. O Congresso não vai aprovar. Pode fazer uma mudança aqui, outra ali, mas não uma reforma profunda. Defendo o financiamento público porque eu acho que é a forma mais barata e mais honesta de fazer campanha. Por que os empresários não defendem o financiamento público? Não seria melhor para eles não ter que dar dinheiro para candidato? Mas eles preferem que os políticos dependam deles. Eu li a biografia do Juscelino, os dois volumes do (Getúlio) Vargas, do Lira Neto (escritor cearense), estou lendo a biografia de Napoleão Bonaparte e a do Padre Cícero. A política é sempre a mesma. Nos Estados Unidos, Abraham Lincoln precisou vencer os mesmo obstáculos. Penso que com partidos mais sérios e valorizados, com mais seriedade nas campanhas, a política vai se qualificando e motivando mais. Eu sempre digo aos jovens: mesmo que você não acredite em mais ninguém, e ache que todos são corruptos, não desista. O político honesto que você procura pode estar dentro de você. Ao invés de negar a política, entre na política.

O momento mais delicado da Dilma ocorreu durante as manifestações. E naquele momento o PMDB, o principal aliado do PT, tentou emparedar a presidente no Congresso...


O ideal de um partido político é eleger um presidente da República, eleger a maioria dos governadores, eleger a maioria dos senadores, a maioria dos deputados federais. Isso é o ideal. Não parece maravilhoso? Pois bem, em 1987, o PMDB teve isso. O PMDB elegeu 306 constituintes e 23 governadores. O (José) Sarney teve moleza? Não teve. O principal adversário do Sarney era Ulysses Guimarães. Por isso eu prezo a democracia. Eu fico imaginando se o PT tivesse 400 deputados, 79 senadores. Iria ser fácil? Temos de aprender a lidar com a realidade. Angela Merkel acabou de ganhar as eleições na Alemanha, mas, para governar, terá que fazer aliança.

E a divisão interna no PT, entre lulistas e dilmistas?


Se houver alguém que se diz lulista e não dilmista, eu o dispenso de ser lulista. A Dilma é a presidente da República e ela representa o PT. Eu não estou pedindo que as pessoas gostem de Dilma. Eu quero que as pessoas a respeitem na função institucional e saibam que o PT está lá para apoiá-la. O povo de Brasília votou no (José Roberto) Arruda porque acreditou que o Arruda ia fazer as mudanças prometidas. Não deu certo. Você vai dizer que o eleitor do Roriz era pior do que o eleitor do Agnelo? Não era. O eleitor vota esperando que as coisas melhorem. Se tivermos agora como candidatos Dilma, Aécio, Eduardo Campos e Marina, o Brasil está qualificado. Todos candidatos de centro-esquerda para a esquerda.

O senhor tentou evitar o rompimento de Eduardo Campos com o governo. Agora que aconteceu, como ficará este relacionamento? Ele pode sair do campo de sua influência, o campo da esquerda?

Eu não tenho influência. Mas eu gostaria que não tivesse acontecido o que aconteceu.

Quem errou?

Não sei, acho que todo mundo errou. E eu posso estar errado também. Pode ser que o governo e o Eduardo estejam certos no rompimento, e eu errado. Mas eu não dou de barato que o Eduardo é candidato. Ele tem potencial? Ele tem estrutura, sabedoria política? Tem. Ele pode ser candidato, como o Aécio, a Marina. Eu só acho que foi um prejuízo para a gente ter o PSB, e sobretudo o Eduardo Campos, do outro lado. Isso aconteceu apenas quando o Garotinho foi candidato contra mim, em 2002. Se ele vai ser candidato, nós temos de ter uma regra de comportamento. Se a eleição não terminar no primeiro turno, poderemos ter aliança no segundo turno. Mas eu não dou de barato que as coisas estão definidas na eleição. Nem para o Eduardo Campos ser candidato, nem para o Aécio ser candidato. Sabe-se lá o que o Serra vai tramar contra o Aécio? Nem para a Marina. Eu acho que a gente tem de ver o seguinte: temos de esperar, até março. São mais seis meses pela frente, até as pessoas anunciarem de fato suas candidaturas. Sei apenas que, entre todos, a Dilma é a que tem mais credenciais e é mais qualificada para governar o Brasil. Eu vou percorrer o Brasil como se eu fosse candidato.

Qual será a diferença, na disputa com o PSDB, em ter o Aécio como candidato, e não o Serra?

Eu acho que vai trazer mais dificuldades para o PSDB. O Aécio vai ter que se tornar conhecido. O Serra já é conhecido, tem o recall de outras disputas. Não é fácil criar um candidato num país do tamanho do Brasil. Então eu não sei como o PSDB vai conseguir se livrar do Serra ou se o Serra vai conseguir provar que tem mais qualidades para ser candidato. Mas o PT não pode escolher adversário. Tem que enfrentar quem aparecer, e acho que pode ganhar dos dois.

Sua participação na campanha da Dilma agora será diferente da que teve em 2010?


Tem de ser diferente. Em 2010 a Dilma não era conhecida. Fizemos uma campanha para que ela se tornasse conhecida, e para mostrar ao eleitor o grau de confiança que eu tinha nela. Obviamente que depois de quatro anos de governo a Dilma passou a ser muito conhecida e conseguiu construir a sua própria personalidade. Então já tem muita gente que vai votar na Dilma independentemente de o Lula pedir. Naquilo que eu tiver influência, nas pessoas que eu tiver influência, eu vou pedir para votar na Dilma. O que eu vou fazer na campanha depende dela. Eu não quero estar na coordenação, eu quero ser a metamorfose ambulante da Dilma. Estou disposto. Se ela não puder ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste. Isso quem vai determinar é ela. Eu tenho vontade de falar, a garganta está boa. Eu estou com mais disposição, mais jovem. Apesar da idade, eu estou fisicamente mais preparado. Estou com muita saudade de falar. Faz tempo que eu não pego um microfone na rua para falar. Conversar um pouco com o povo brasileiro. Vou ajudar. Se for importante ficar quieto, eu vou ficar quieto. A única coisa que eu não vou fazer é cantar, porque eu sou desafinado, mas no resto ela pode contar comigo.

A prorrogação do julgamento do mensalão, levando as prisões de petistas para o próximo ano, em plena campanha, pode atrapalhar os candidatos do PT e a própria Dilma?

Eu não acredito, não. As pessoas têm o hábito de menosprezar a inteligência do povo. A história não é contada no dia seguinte, a história é contata 50 anos depois. E eu acho que a história vai mostrar que, mais do que um julgamento, o que nós tivemos foi um linchamento, por uma parte da imprensa brasileira, no julgamento. Eu tenho me recusado a falar disso porque sou ex-presidente, indiquei os ministros. Vou falar quando o julgamento terminar. Uma coisa eu não posso deixar de criticar. Se pegar o último julgamento agora (dos embargos infringentes), o que a imprensa fez com o Celso de Mello foi uma coisa desrespeitosa à instituição da Suprema Corte, que é o último voto. Ou seja, depois dela, ninguém mais pode falar. Eu fiquei irritado certa vez, quando eu era presidente, o (Sepúlveda) Pertence tomou uma decisão e alguém escreveu que José Dirceu tinha ganho no tapetão, sem nenhum respeito a uma figura como o Pertence. Veja a arrogância e a petulância de algumas pessoas. Elas amanhã poderão ser julgadas e vão querer o direito de defesa. A sociedade brasileira já aprendeu a separar o joio do trigo, inclusive pelo que tentaram fazer comigo em 2006, na campanha. Ninguém poderia ter sido mais violento comigo do que foi o (Geraldo) Alckmin. Todo mundo sabe o que aconteceu na véspera da eleição, quando o delegado da Polícia Federal mentiu que tinham roubado a fita (na realidade, um CD), sendo que ele mesmo fez a entrega para quatro jornalistas. (Aqui, Lula se refere ao “escândalo dos aloprados” e ao vazamento das fotos do dinheiro usado para comprar falsos dossiês contra José Serra e Geraldo Alckmin.) Todo mundo sabe o que houve na eleição do (Fernando) Haddad. Aquele julgamento (do mensalão) no meio da eleição, qual era o objetivo? Tudo isso o povo percebe.

Então o senhor acha que não terá efeito?


O povo sabe separar as coisas. Agora, o que não se pode é negar o direito das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho muita vontade de falar, mas eu preciso me calar. Alguns companheiros estão condenados. Se amanhã a Justiça falar que absolveu, estarão condenados do mesmo jeito. Ninguém se dá conta do que aconteceu com a família das pessoas, com os filhos das pessoas. Esta substituição da informação pela versão que interessa não pode ser adequada à construção de um país democrático.

O tema econômico da hora são as concessões. Na eleição, a oposição não vai explorá-las como uma forma de privatização feita pelo PT, que combateu as privatizações tucanas?


Não é privatização. Deixa eu dizer uma coisa: é urgente mudar a Lei 8.666/93, que regula as licitações nesse país, se quisermos que as coisas aconteçam. Hoje, para fazer uma obra, são tantos os obstáculos, como eu já disse…TCU, Ibama, CGU, Iphan… Uma verdadeira máquina de fiscalização que emperra a máquina da execução. Então, é melhor passar pelo crivo uma só vez e entregar o serviço para a iniciativa privada explorar, com mais facilidade e rapidez. A segunda coisa é que o Estado também não tem recursos. As concessões são um convite à iniciativa privada, que pode suprir a deficiência do Estado para investir. A Dilma estava na Casa Civil, nós reuníamos os ministros e órgãos envolvidos nos projetos. Eu falava todos os palavrões que tinha de falar, mas as coisas não andavam. Um problema aqui, outro ali. Temos que encontrar uma solução. A Dilma anunciou as concessões em junho do ano passado e os leilões só estão saindo agora. Se estivéssemos em 1955, começando a construir Brasília, nem a picada para o avião do JK pousar tinha saído.

Como o senhor avalia a decisão da CGU de pedir a destituição do serviço público da ex-chefe do Gabinete da Presidência de São Paulo, Rosemary Noronha, por 11 irregularidades, incluindo propina, tráfico de influência e falsificação de documentos?

Ela já estava demitida. O que a CGU fez foi confirmar o que todo mundo já sabia o que ia acontecer.

Mas tudo ocorreu dentro de um escritório da Presidência, em São Paulo...

Deixa eu falar uma coisa. A CGU julgou um relatório feito pela Casa Civil. E, pelo o que eu vi, do relatório, ele confirma as conclusões da Casa Civil. Todo servidor que comete algum ilícito tem de ser exonerado. O que valeu para o escritório vale para qualquer lugar no Brasil, no setor público. Vale para banco, vale para a Receita Federal. Vejo isso com muita tranquilidade. (Lula se vira para o assessor de imprensa e pergunta) “Não foi exonerado esses dias um companheiro que trabalhava com a Ideli (Salvatti)? (Lula se refere ao assessor da Subchefia de Assuntos Federativos Idaílson Vilas Boas Macedo, após notícias de que faria parte do esquema de lavagem de dinheiro descoberto pela Polícia Federal na Operação Miqueias.)

O que o senhor achou da reação do governo brasileiro em relação à espionagem norte-americana?


Dilma agiu certo. Não podia aceitar a ideia que o (Barack) Obama tentou passar, de que não aconteceu nada. Com aquele jeitão imperial do Obama falar.

Quase três anos depois de deixar a Presidência, como o senhor gostaria de ser lembrado?


O que me importa é a forma como serei lembrado pelas pessoas. Algo que me marcou foi meu último encontro com os cantadores de material reciclado e moradores de rua de São Paulo. Uma menina, afrodescendente, pegou o microfone e perguntou: “Presidente, você sabe o que mudou na minha vida nestes oito anos?” Eu não sabia. E ela disse: “Não foi o dinheiro que eu ganhei, nem as cooperativas que organizei. Foi o direito de andar de cabeça erguida que o senhor me restituiu. Hoje, não tenho vergonha de andar com o carrinho catando papelão na rua. Me sinto tão importante quanto os que passam de carro ao meu lado”. Nada é mais gratificante que isso. Foi o que me inspirou a pedir ao Fernando Morais para tentar fazer uma biografia do meu governo, conversando com quem ele quiser: banqueiro, dono de jornal, metalúrgico, bancário, catador de papel. Ouvir o que as pessoas pensam é mais importante, pois todo mundo tem tendência a falar bem de si mesmo.