A Segunda Guerra em documentários
por Walnice Nogueira Galvão
Que ninguém se queixe de falta de material: já há um número enorme de filmes sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tanto em ficções inesquecíveis quanto em documentários,.
Os realizadores foram buscar material ainda virgem, tanto em arquivos privados como em arquivos públicos pouco visitados. Por isso, o material, bastante amadorístico, é maravilhoso em sua espontaneidade e até mesmo canhestrice, apanhando pormenores surpreendentes do conflito. Duas partes se passam na Europa e na África, as outras duas cobrindo a guerra no Pacífico contra os japoneses.
O partido tomado pela montagem também foi bastante original. Em vez do usual material antigo comentado por contemporâneos, vemos lá os fragmentos por assim dizer desacompanhados, sem qualquer intervenção de gente de agora. Foram ajeitados numa linha cronológica – e isso é tudo. O resultado é notável.
Quanto a Five came back, resgata uma história que já andava pelas gavetas do olvido: a participação de cinco famosos diretores de Hollywood no esforço de guerra, exercendo seu ofício. Foram eles: William Wyler, Frank Capra, John Huston, John Ford e George Stevens, cujos documentários são mostrados apenas em excertos. À época, compunham noticiosos que eram exibidos diariamente nos cinemas dos Estados Unidos, daí podendo-se avaliar sua crucial importância.
Dirigidos por um francês, Laurent Bouzereau, têm três episódios de uma hora cada. Outros cinco diretores de hoje fazem os comentários: Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Guillermo del Toro, Paul Greengrass e Lawrence Kasdan. De modo que o filme segue a linha conhecida: fragmentos do passado analisados por pessoas na atualidade. Seguem uma cronologia, que vai desde a convocação até as consequências para os milhões que perderam a vida, sem esquecer os veteranos mutilados e sua árdua readaptação.
Alguns são quase insuportáveis de ver e de imaginar o que deve ter sido. Desses, o pior certamente é a descoberta dos campos de concentração nazistas, no caso Dachau, onde George Stevens foi dos primeiros a penetrar e o primeiro a filmar. Pode ser coincidência, mas o fato é que o bem-sucedido diretor de comédias românticas nunca mais filmou uma comédia.
Outra das mais terríveis foi o desembarque na Normandia no Dia D, que deixou dezenas de milhares de mortos nas praias e tingiu de carmim as ondas do Mar da Mancha. Novamente George Stevens estava lá, bem como John Ford: ambos filmaram a invasão. Quanto aos outros, John Huston filmou cenas bélicas no front do norte da África e na Itália. Frank Capra fez um filme sobre os soldados negros e outro sobre o front russo. E William Wyler dedicou-se a registrar as batalhas aéreas sobre a Alemanha e a Itália.
Merecem lembrança os muitos outros membros de Hollywood que foram voluntários na Segunda Guerra. Estimam-se seis mil ao todo, entre atores, diretores, produtores, roteiristas, técnicos etc, inclusive astros de primeira grandeza, como Clark Gable e James Stewart. Além da importância dos fragmentos mostrados, também é interessante pensar junto com o filme sobre o que esses diretores fizeram depois, todos profundamente marcados pelo impacto da tremenda experiência.
Já vimos que George Stevens perdeu a capacidade de fazer rir. O mais sensacional resultado parece ter sido o filme de ficção que William Wyler fez logo no ano seguinte (1946), retratando os dramas pessoais e sociais de três veteranos de regresso. O filme calou fundo, confirmou a reputação do diretor e ganhou seis Oscars, inclusive um de direção.
Um dos muitos documentários que passam de relance pelo filme pode agora ser visto na íntegra, no acervo Netflix. É Memphis Belle, de William Wyler, que filma uma incursão sobre a Alemanha de dentro de uma fortaleza-voadora, como parte de um bombardeio com dezenas de aviões, saindo da Inglaterra e voltando para ela (quase todos). Vale a pena conferir.
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
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