domingo, 28 de julho de 2019

POLÍTICA - Xadrez do MBL e da grande autocrítica.


Xadrez do MBL e da grande autocrítica, por Luis Nassif

Há uma enorme lista de erros, o mais brutal dos quais foi a corrupção da informação e das análises e o comprometimento de espaços de mediação.
Renan Santos, coordenador nacional do MBL (Movimento Brasil Livre) inaugurou um precedente relevante para um futuro pacto nacional: uma autocrítica ampla (clique aqui). E desafiou para que a mídia e o PT façam o mesmo.
Não se trata de pouca coisa, ainda mais partindo do mais deletério grupo do início do processo de radicalização e ódio que levou Bolsonaro ao poder.
Diz ele.
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Sobre liberalismo político
O problema é que focamos muito o liberalismo econômico, e o liberalismo político perdeu força. Tanto que a ideia de democracia é questionada. Tivemos um déficit de atuação nesse ponto.
Se distancia do bolsonarismo e do lavajatismo
A direita que surgiu no Brasil é dividida em três partes: uma é baseada na ideia de ordem; outra é moralista, quase udenista, a da Lava Jato; e outra é reformista e modernizadora, a do MBL.
Sobre a perda de controle para a ultradireita
Em 2015, entramos com liminar para proibir o pessoal da intervenção militar de se manifestar no nosso ato. Hoje, eles são mainstream. Então, tem alguma coisa que não está funcionando.
Sobre a espetacularização da política
E aí entra o nosso erro. Trabalhamos a ideia de espetacularização da política, e isso funcionou para a gente enfrentar os inimigos. Mas começou a funcionar para todo mundo, inclusive para pessoas que não têm as mesmas concepções que as nossas. A gente tem uma responsabilidade num agravamento do discurso público? Temos
Sobre a polarização
A gente espetacularizaria menos, simplificamos demais a linguagem política. A gente polarizou, e era fácil e gostoso polarizar. Quando começaram a proliferar as camisetas do Bolsonaro e as pessoas diziam “mito, mito”, a ideia de infalibilidade dele, muito foi porque ajudamos a destampar uma caixa de Pandora de um discurso polarizado.
Sobre a autocrítica
Temos que fazer essa mea culpa. O que queremos é que os outros agentes políticos também a façam: a esquerda, a imprensa…A autocrítica da mídia

A autocrítica da mídia

A autocrítica da mídia não seria muito diferente. Há uma enorme lista de erros, o mais brutal dos quais foi a corrupção da informação e das análises e o comprometimento de espaços de mediação. Mas ainda está longe da hora da verdade, a julgar pela reiteração do Jornal Nacional na manipulação de chamadas, visando prorrogar a guerra santa ideológica.
Ao apelar ao uso sistemático de fake news, na pior fase do jornalismo de esgoto, a imprensa brasileira comprometeu os princípios fundamentais da atividade jornalística.
No dia em que for feita, será uma autocrítica dolorosa:
• O exercício diuturno da guerra cultural desde 2005.
• O discurso da criminalização dos adversários.
• O uso de fake news contra o inimigo.
• O discurso do ódio e da consagração do direito penal do inimigo.
• O desvirtuamento dos fatos e das análises, atentando contra os pilares básicos do jornalismo. A quantidade de fake news, especialmente nas eleições de 2010, é um dos episódios mais vergonhosos da história do jornalismo.
• O não comprometimento com a Constituição e o Estado de Direito.
• O endosso ao golpe do impeachment.
• A cobertura da Lava Jato.
• O estímulo ao julgamento e prisão políticos de Lula.

A autocrítica do PT

Por enquanto, a exigência de autocrítica do PT é maliciosa, visando atribuir a ele a culpa pelo impeachment. É o mesmo procedimento de criminalizar a vítima de estupros ou o sujeito que foi assaltado por ter se esquecido de trancar a casa.
Em algum ponto do futuro, com os espíritos mais desarmados, não haverá como o PT escapar de uma autocrítica severa, que abra caminho para os novos tempos, desde que resulte em lições e mudanças de práticas.
O abandono dos sistemas participativos
Havia um modelo em andamento, permitindo a participação da sociedade civil em vários níveis, que foi gradativamente sendo abandonado a partir de 2010.
Além de alimentar o Estado de subsídios para a definição das grandes políticas públicas, mantinha-se o necessário contato com os principais atores sociais.
No plano federativo, havia a troca de experiências entre entes federados, estados, municípios e União, como o caso das Conferências de Assistência Social e de Saúde. No plano setorial, discussões proveitosas entre empresas, movimentos sociais e sindicatos – como no caso das Conferências de Inovação, de Mídia e de Educação.
No plano empresarial, os fóruns criados na Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, que deveriam alimentar as políticas de investimento em inovação da FINEP (Financiadora de Estudos e Pesquisas), construindo canal relevante de contato com o setor privado, pontos estes mais foram acionados.
Finalmente, o Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), que deveria ser a grande câmara de eco de vários segmentos sociais, e alimentador de novas ideias, que foi praticamente desmobilizado a partir de 2010.
Essa postura isolou o governo da sociedade, de movimentos sociais a empresariais.
Visão autocrática das políticas públicas
O isolamento reforçou a visão autocrática das políticas públicas. Políticas públicas relevantes foram desenhadas sem uma visão sistêmica, capaz de prevenir distorções.
Foi o caso do “Minha Casa Minha Vida” que, à parte as unidades entregues, promoveu uma explosão dos aluguéis nas regiões metropolitanas. Ou as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), sem a preocupação de criar uma infraestrutura básica, como, por exemplo, capacitação de estados e municípios para desenvolver projetos e fiscalizar a implementação das obras.
Havia um desenho de cooperação federativa no início, mas que se perdeu com a centralização ocorrida.
Voluntarismo e megalomania
Ganhando corpo, a visão autocrática resvalou para a megalomania. Programas inicialmente bem desenhados, como o FIES (Financiamento Estudantil), Ciência Sem Fronteira, as obras para a Copa do Mundo, depois de um início promissor, foram superdimensionados, deixando de lado precauções básicas de controle.
Questões decisivas de política econômica foram tomadas de forma isolada, voluntarista.
Centralização e voluntarismo mataram a capacidade de inovação dos diversos Ministérios.
Virtudes e impeachment
Obviamente, nada disso justifica o impeachment e nem apaga o lado virtuoso das políticas do PT, o Fome Zero, Luz Para Todos, a expansão da rede federal de universidades, o avanço nos indicadores de educação, os avanços nas políticas cientifico-tecnológicas, a diplomacia comercial, o estímulo à agricultura familiar e ao agronegócio.
A inclusão social, agora em franco retrocesso, foi um dos feitos políticos mais relevantes de um período mundialmente marcado pela concentração de renda e falta de foco no combate à miséria.
A hipocrisia de exigir autocrítico do PT visava reforçar a má consciência do golpismo que se apossou de setores relevantes da vida nacional.
A autocrítica, agora, poderá ser o caminho para um realinhamento que permita recuperar os valores originais da política, preparando-o para o grande pacto nacional que surgirá em algum ponto do futuro para resgatar o país das milícias e dos oligarcas.

Autocrítica de FHC

Jamais ocorrerá, nem fará diferença.

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