terça-feira, 26 de novembro de 2019

POLÍTICA - Estava trabalhando na Interbrás, trade da Petrobras, e participei desse momento.


Quando Saddam quis um general brasileiro em Bagdá, por Andre Motta Araujo

Foi curiosa a razão da presença de um general do Exército Brasileiro como Embaixador no Iraque, a estória me foi contada pelo Ministro Camilo Penna, um dos melhores Ministros do Governo Geisel.

Quando Saddam quis um general brasileiro em Bagdá

por Andre Motta Araujo

Durante o Governo do Presidente Geisel, o Iraque tornou-se o maior fornecedor de petróleo cru para o Brasil. Sem boas reservas em moeda forte o Brasil tinha dificuldade em pagar pela importação de petróleo, a produção nacional era mínima, o País dependia de petróleo importado cujos preços tinham se multiplicado várias vezes desde o fortalecimento da OPEP, cartel de países exportadores fundado por decisão da Conferência de Bagdá de 1960 seguindo ideia do então Ministro do Petróleo da Venezuela, Juan Perez Alfonso.
O acordo do Brasil com o Iraque foi amplo, desafiou os EUA e permitiu que o Brasil fosse suprido de petróleo SEM pagamento em moeda, o acerto se faria em serviços e produtos brasileiros. Era um acordo estratégico, só possível pela audácia e criatividade do General Geisel e sua equipe.
No âmbito de serviços entrou a Construtora Mendes Junior, que construiria com materiais, equipamentos, operários e engenharia do Brasil a ferrovia Bagdá-Basra e outras obras. Para financiar o fluxo dos dois lados, o acordo previu a criação de um banco, o Banco Brasileiro Iraquiano S.A., joint venture do Banco do Brasil com o Raffidain Bank, principal banco comercial do Iraque, estatal.
Participei da viagem de fundação do banco, em 1981, com uma comitiva chefiada pelo Ministro da Fazenda Ernane Galveas. Eu era, na ocasião, fornecedor de equipamentos para as obras da Mendes Junior. No jantar em homenagem ao Ministro Galveas destacava-se a importância dada ao Embaixador do Brasil, General Samuel Alves Correa, alvo de todas as deferências do Presidente Saddam Hussein, um gentleman muito diferente do perfil selvagem pintado pela mídia anglo-americana posteriormente, era notória a admiração e amizade com que Saddam prestigiava os brasileiros, o Brasil estava em alta em Bagdá.
Foi curiosa a razão da presença de um general do Exército Brasileiro como Embaixador no Iraque, a estória me foi contada pelo Ministro Camilo Penna, um dos melhores Ministros do Governo Geisel.
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Em uma das viagens a Bagdá, ainda na década de 70, o Ministro estava de malas prontas para voltar ao Brasil quando dois oficiais do Exército iraquiano bateram à porta de seu quarto no hotel e pediram que não voltasse antes de se encontrar com Saddam, que depois se encarregaria de seu retorno ao Brasil. Passaram-se dias e o Ministro se impacientava sem notícias. Numa madrugada batem à porta de seu quarto os oficiais que o contactaram antes e pedem que o Ministro os acompanhe. Rodaram por lugares desconhecidos por duas horas e, em uma tenda, no deserto, Saddam estava aguardando o Ministro.
Desculpou-se pelo incomodo e pediu que ele levasse um pleito ao Presidente Geisel. Disse Saddam que as relações do Iraque com o Brasil estavam crescendo em escala, o Brasil recebia petróleo e pagava com automóveis Passat, frangos, máquinas, eletrodomésticos, Saddam disse que ele se sentiria mais seguro nas relações bilaterais se o Embaixador do Brasil fosse um General brasileiro de alto nível de autoridade e prestígio no círculo do poder em Brasília. Saddam pedia que o Ministro levasse a mensagem ao Presidente Geisel e novamente se desculpando pelo incomodo de sua retenção em Bagdá mandou seu avião  particular levar o Ministro a Paris para que de lá ele retornasse ao Brasil.
Apenas como curiosidade, Saddam tinha 12 palácios em Bagdá e cada noite dormia em um ou em outros lugares mais secretos, para evitar golpes. O palácio, onde houve o jantar ao Ministro Galveas, tinha um elevador do tamanho de uma sala, com sofás e mesinhas, o jantar foi na cobertura, a descrição do jantar requer um artigo específico, dessas ocasiões que não se esquece mais na vida, banquete com requinte árabe, carneiros inteiros trinchados. Depois, sempre chefiada pelo Ministro, a comitiva voltou via Ryad, Baharein, Kuwait e Valencia na Espanha, onde o Ministro presidiu a inauguração de uma agência do Banco do Brasil.
No ano anterior participei também de outra viagem oficial do Ministro Galveas a Algeria e Tunísia, para acordos de gás na Algeria e exportações para a Tunísia. Galveas era absolutamente fluente em francês, um senhor Ministro.
O presidente Geisel atendeu ao pedido de Saddam e indicou o General Samuel Alves Correa, que tinha no seu excelente currículo ter sido Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o que demonstrava estar dentro do círculo de poder. Alves Correa foi Embaixador de 1980 a 1982, já no Governo Figueiredo. As boas relações com o Iraque continuaram até a guerra Irã-Iraque, se deterioraram não por culpa do Brasil.
Ainda em 1982 uma Missão do Iraque esteve em São Paulo para comprar máquinas, nós participantes da comitiva brasileira do ano anterior oferecemos um almoço no restaurante Massimo, a lista de compras era enorme, infelizmente a guerra atrapalhou os negócios.
Olhando em retrospectiva, um acordo desse tipo seria hoje impossível, não existem homens desse calibre no comando, a coragem de Murilo Mendes em assinar um contrato de quase dois bilhões de dólares em um País tão longínquo, diferente e complicado como era o Iraque, os equipamentos eram enviados a Bagdá via Copenhagen, os canteiros de milhares de operários brasileiros, com cozinheiros de Minas, enfermeiros e médicos brasileiros, era preciso um espírito de aventura, muita coragem para grandes obras em meio a outro povo com outros costumes.
Hoje, com a Lava Jato, seria impossível um contrato dessa envergadura. Barreiras e investigações inviabilizariam esse tipo de negócio que só países que querem ser grandes fazem. Lembrando que o mesmo Governo Geisel teve outro lance de alto valor estratégico ao reconhecer o governo marxista de Angola obtendo com isso uma posição privilegiada do Brasil na ex-colônia portuguesa. Hoje, um gesto diplomático desses seria impensável, o Brasil se apequenou.
As grandes empreiteiras brasileiras começaram suas incursões no exterior durante o governo militar, como ponta de lanças estratégicas para ampliar a influência do Brasil em outros continentes e países, um esforço combinado sempre entre Governo e empresa, não existe esse tipo de projeção lá fora sem apoio do Governo, com créditos, garantias e apoio financeiro, no caso do Iraque foi o Banco do Brasil, tudo isso hoje seria demonizado pela cruzada moralista que desconhece como a Inglaterra, a França, os EUA construíram sua projeção no exterior. Hoje o Brasil ficou pequenino, virou aldeia, País de provincianos sem noção. Para sair pelo mundo é preciso aventureiros, almas delirantes e não burocratazinhos de compliance.

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