sábado, 28 de dezembro de 2024

Os EUA estão perdendo o controle de seus aliados.

 Os EUA estão perdendo o controle de seus aliados

Golpe na Coreia do Sul e genocídio em Gaza podem ser sinais que os próprios apoiadores dos EUA já não o temem nem respeitam como antes.

Caio Almendra

Foto: Max Letek(@blackprojectionphotography)/via Unsplash

Dois grupos rebeldes sírios invadem a capital Damasco. A Coreia do Sul sofre um golpe, que é rapidamente derrotado. As imagens que formamos ao longo de meses sobre a guerra na Ucrânia, o genocídio em Gaza e casos mais esquecidos, como a guerra no Sudão, a queda do governo de Bangladesh, a tomada do Afeganistão pelo Talibã e os golpes na região do Sahel, mal estão completas e novos eventos explosivos já tomam o noticiário.

Talvez seja apenas uma ilusão de ótica achar que as coisas estão se acelerando. Ou talvez exista um processo maior que explique essa sensação: um enfraquecimento do império americano.

Desde antes da queda do Muro de Berlim, quando os EUA se tornaram a única superpotência do planeta, especialistas têm profetizado o fim do império americano. A cada novo desenvolvimento da história, muitos olham as implicações com atenção, buscando um sinal da ruína.

A redução da capacidade industrial, movida para o sudeste asiático, foi a evidência mais comum desses adivinhos na década de 1990 e início dos anos 2000. Os tigres asiáticos, e depois a China, iriam acabar com os EUA.

A ascensão de políticos tidos como incompetentes, como George W. Bush ou Donald Trump, era outro exemplo comum. E até a idade avançada dos governantes, como Joe Biden, Nancy Pelosi, Trump e Mitch McConnell, seria um sinal. A URSS, afinal, passou por sua fase gerontocrática antes de sua dissolução.

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E, claro, as derrotas em guerras, começando com Coreia e Vietnã, mas mais recentemente com Iraque, Afeganistão e até Ucrânia, sempre servem como evidências do fim do império. Ainda mais o caso curioso do Afeganistão, chamado de “cemitério dos impérios”, porque derrotas militares no país teriam, na visão de alguns, destruído os impérios britânico e a URSS.

O império americano, contudo, continua sendo a única superpotência mundial nos últimos 33 anos. Mesmo a ascensão da China e o surgimento de novas formas de interlocução e diplomacia mundial, como os BRICS, não afastam essa realidade..

Neste texto, pretendo me juntar aos pessimistas que preveem a ruína do império.

O que é um império?

É impossível entender como um império declina sem olhar atentamente o que é um império. Não é meramente um país superpoderoso. Pela maior parte da história da humanidade, a China foi o país mais populoso, o maior produtor artesanal e o maior PIB do mundo. Muito poucos, porém, diriam que a China era um império por todo esse período.

O império é a relação entre uma potência, a chamada metrópole, com sua zona de influência, formada por países aliados ou subordinados e as colônias.

A metrópole e o império não se confundem, e isso não é uma discussão meramente terminológica, porque a queda da metrópole e do império também não são sinônimos. Uma metrópole cai quando o país entra em crise, econômica ou bélica. Um império cai quando a relação que ele antes estabelecia com sua zona de influência se deteriora, e ele perde o controle das colônias, dos países subordinados e até dos aliados.

Um império pode cair sem que a metrópole jamais passe por nenhum processo fechado de declínio. É, grosso modo, o que aconteceu com o império britânico: os EUA deixaram de fazer parte de seu império e, aos poucos, foram se tornando os principais aliados comerciais de outras colônias inglesas, até que o domínio da Inglaterra sobre elas terminasse.

O caso que mais evidencia tudo isso, contudo, é bem mais próximo: o império português. Sua falência era tida como certa na Europa por décadas antes da independência do Brasil. Como poderia um país tão pequeno como Portugal, que sequer era a maior potência naval da época, manter sob seu domínio um país continental e muito mais populoso como o Brasil?

Porém, calhou de algo ainda mais estranho acontecer: Portugal foi invadido por Napoleão, o que gerou a rendição total do país. Ainda assim, o império português continuou vivo por ao menos mais 14 anos: a relação que a coroa portuguesa mantinha com suas colônias na África e na Ásia foi preservada apesar da derrota militar no continente europeu.

O império português morreu em 1822, com a independência brasileira, mas continuou como um morto-vivo até 1999, quando entregou sua última colônia, Macau, à China.

O declínio de um império, portanto, nem sempre é um evento cataclísmico. Ele pode ocorrer em longos processos graduais, nos quais as relações que o formam vão se enfraquecendo, desconfigurando ou esvaindo.

O império americano

O império dos EUA é a estrutura comercial, bélica e política mais complexa já criada pela humanidade.

Os EUA mantêm um complexo sistema de alianças, que se aproveitou dos resquícios dos impérios coloniais europeus e suas relações com ex-colônias, numa espécie de império dos ex-impérios. Esse tipo de relação, neocolonial, se estende pelo próprio continente americano, por toda a África e boa parte da Ásia.

No pós-Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria incentivou a formação de uma grande aliança, a OTAN, e de novos aliados, em especial Israel, Coreia do Sul, Japão e Alemanha Ocidental.

Grosso modo, os aliados mais próximos funcionam como hubs dos interesses dos EUA para neocolônias e adversários do império. É esse conjunto de relações que forma o império, mais até do que o potencial econômico e bélico da metrópole.

Afinal, a produção econômica ou mesmo a quantidade de tropas dos EUA é inferior à de seus aliados, apesar dos gastos militares, em espionagem e em propaganda serem superiores.

É, portanto, a capacidade de manter os aliados agindo dentro de seus interesses, mas também na intensidade tática desejada, que mantém o império americano.

Aliados fora de controle

Nada do que vimos recentemente foi exatamente uma traição de aliados dos EUA, ou um aliado agindo contra seus interesses. O genocídio em Gaza e a anexação da Cisjordânia, bem como a guerra contra as forças do Hezbollah no Líbano, fazem parte de um projeto colonial israelense há muito sancionado pelos EUA.

A guerra na Ucrânia, mesmo em seus desenrolares mais preocupantes, como a invasão a Kursk ou a explosão do gasoduto Nord Stream, foi uma continuidade da política dos EUA de militarizar a região, a chamada “guerra por procuração”.

Mesmo a tentativa de golpe pelo presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol e a instabilidade subsequente podem ser entendidas como uma continuidade da elevação de tom do país contra a Coreia do Norte.

Durante seu pronunciamento, Yoon dobrou a aposta na paranoia anticomunista, afirmando que a Coreia do Norte havia infiltrado inúmeros agentes na oposição. Ou seja, uma consequência direta de o país ter sido incluído no chamado “eixo do terror” pelo governo George W. Bush há 20 anos, relação que não foi verdadeiramente apaziguada em nenhum momento.

A cada momento, porém, tanto a diplomacia dos EUA quanto os próprios porta-vozes do Departamento de Defesa expressaram descontentamento e, muitas vezes, surpresa com as ações dos países aliados.

A capacidade dos EUA de se manter como líder ou, ao menos, participante das ações geopolíticas de seus aliados parece estar enfraquecendo aos olhos de todos.

O pós-império

Pode parecer contraditório achar que tantos aliados estarem dispostos, em um curto período de tempo, a exagerar na defesa dos interesses dos EUA seja uma evidência de declínio. Mas parte dessas ações aconteceu às costas da metrópole.

O prolongamento da guerra na Ucrânia, os bilhões em auxílio militar a Israel e a perda de influência comercial mundo afora têm criado a imagem de um império cansado, indisposto a levar questões regionais, como um golpe na Coreia do Sul, como algo central.

Se o império americano é responsável por uma profunda desigualdade econômica, inúmeros genocídios, pelo aquecimento global, pela manutenção de sistemas de exclusão e diversos outros males socioeconômicos, sua queda pode não significar novos dias.

Contudo, pode ser a dissipação da última nuvem que nos permita enxergar alguma esperança.

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