Por Ayrton Centeno, no site Sul-21:
Agora que o Coxismo pretende moldar o país a sua imagem e semelhança, é
crucial entendê-lo. Adentrá-lo, penetrá-lo em profundidade. Visitar,
percorrer e desbravar o território do fenômeno. Mas quem viajar ao
Universo Coxa deve-se preparar para um impacto: é um mundo habitado
exclusivamente por certezas absolutas. Seus nativos acreditam
integralmente em tudo que lhes convém acreditar. Para eles, a ferramenta
do conhecimento não é a experiência e a reflexão mas o desejo. É ele
que constrói a convicção. Acreditam, então existe.
Sim, o Nove Dedos é o homem mais
rico do Brasil. E aquela capa da Forbes que assim o apresenta não é
fake, não! Disseram pra você que era uma enjambração de internet? Oh,
como você é crédulo! E o filho do Nove Dedos é o segundo homem mais
rico, dono que é da Friboi, da Band e da Microsoft. E a Dilmanta então?
Torturou o Ustra, não sabia? Coitado, quando morreu ainda estava
abalado… Não lhe contaram isso, não? Ora, você precisa ler a Veja. Está
tudo lá. Como você sobrevive sem ler? Vai dizer que também não lê a
Folha, o Estadão e o Globo? Não vê o Jornal Nacional? Golpe? Em que
mundo você vive, seu cabecinha vazia?
O Universo Coxa reproduz uma imensa caverna de Platão. Lá fora impera o
Nada. O mundo real são as sombras projetadas pelos telejornais no fundo
da cova. Nada se transforma, tudo permanece o mesmo. Bem, para dizer a
verdade, algo muda aqui ou ali. Por exemplo, agora não se vê mais
aquelas faixas “Somos todos Cunha”. Ou seja, algo muda para tudo ficar
igual.
Viajar ao Universo Coxa é fácil, hoje em dia. Basta, geralmente, olhar
em torno. Ou aguçar o ouvido. Se você estiver em alguma região onde os
Coxas vivem, acasalam e se reproduzem será moleza ainda maior: Moinhos
de Vento, em Porto Alegre, Jardins e arredores na Pauliceia Comportada,
circuito Ipanema-Leblon no Rio por aí… Se o Coxismo for seu objeto de
estudo, considere-se em pleno campo de observação do fenômeno. Pode
começar, por exemplo, examinando o que faz o Coxa ser Coxa. Que
afinidade mantém o grupo entre seus membros? Quais elementos forjam sua
identidade? O que há de consenso interno para lhes servir de amálgama?
Esclarecidos tais pontos, passa-se ao oposto: como se distinguem os
diferentes espécimes que habitam o Mundo Coxa? Porque – sabe-se bem –
nenhum Coxa é exatamente igual a outro Coxa. O que não impede que, a
grosso modo, todos se alinhem à direita. Fosse um time de futebol,
haveria um deserto à esquerda do gramado e um tumulto no lado oposto.
Toda bola lançada à esquerda seria desperdiçada ou do adversário. À
direita, confusão total, com todos os atletas querendo chutar a mesma
bola com o pé direito e no canto direito da meta.
Deve-se pensar bem antes de xingar um Coxa de fascista. A começar pelo
fato de que muitos Coxas não sabem bem o que o termo significa. Ainda
não estudaram este ponto. É como você ofender alguém em Islandês ou
Aramaico. Ou chamar alguém de filho da puta quando a criatura não sabe o
significado de “filho” ou “puta”. Seria um simples rosnado que poderia
deixar o destinatário aborrecido mais pelo tom do que pela percepção.
Pior ainda se o “Fascista!” for interpretado ao contrário, algo como
“Faixinha!”, quer dizer, robertocarleanamente, “Meu amigo de fé, meu
irmão, camarada”. Então, aquela criatura responde “Meu bródi !” e acaba
se apegando a você. E, como somos eternamente responsáveis por aquele a
quem cativamos – assim nos ensina O Pequeno Príncipe — você pode acabar
indo ao cinema com aquele armário afetuoso com tatuagem do Bolsonaro no
bíceps. Ineficaz e insalubre, portanto.
No cartesiano esforço para segmentar os Coxas, identificamos a categoria
dos Coxas Brancas. São os torcedores do Coritiba e os naturais de
Curitiba. Como o Universo Coxa foi turbinado e expandido a partir da
República das Araucárias, deve-se dizer que compõem, com os paulistas, o
núcleo duro do Coxismo nacional, de onde partem as diretrizes,
ornamentos e modinhas das marchas coxas.
Com o prestimoso auxílio do açougueiro da esquina, foi possível
identificar os dois grupos e tendências ideológicas predominantes no
Universo Coxa, um moderado e outro radical. O primeiro é o Coxão Mole,
assim desairosamente apelidado pelos adversários. São os Coxas de
butique. Eleitores do Aécio, já votaram na Marina e até – credo! — no
PT. Vão às passeatas coxas mais para exibir os tênis e óculos de grife,
levar os totós para fazer cocô e tirar selfies. Que postam no Facebook
sempre mostrando as canjicas.
Já o pessoal do Coxão Duro diz no nome ao que veio. Quando ouve falar a
palavra “diálogo” puxa o revólver. Não tem conversa, é na porrada, meu!
Falam entre dentes, com porrete na mão e baba no queixo, até para
perguntar as horas. Acreditam que o New York Times, o Le Monde, o The
Guardian e outros jornais estrangeiros são subsidiados pelo comunismo
internacional para chamar o golpe de golpe. Vêem os Coxas Moles com
suspeição e acalentam o secreto anseio de decorar a cidade pendurando-os
nos postes.
Outra segmentação é de ordem vertical. Há Coxas e, claro, Sobrecoxas.
Situam-se no topo da pirâmide. Ou da Coxa. Seria aquela ponta afunilada
da coxinha de padaria. Frequentam este nicho os Arautos do Coxismo: os
ideólogos do movimento, suas lideranças, seus financiadores, donos de
jornais e seus pet-colunistas, dirigentes político-partidários. São os
que dão os rumos, entram com a propaganda e a grana grossa.
Desferindo certeiras tuitadas no cérebro de seu rebanho, o astrólogo
Olavo de Carvalho é da primeira galera, sempre tangendo os bolsões
sinceros porém radicais do Coxismo. É Bolsonaro desde criancinha, quando
escapou de ser comido, via oral, pelos comunistas. Seu bolsonarismo
rendeu-lhe – e continua rendendo – uma guerra de bugios com Reinaldo
Azevedo e Rodrigo Constantino, rivais na refrega pela condição de Guia
Genial dos Coxas. Joga pesado, do pescoço para cima tudo é canela.
Aprecia apelidos e escrachos. Chama Constantino de “Cocô Instantâneo” e
Reinaldo de “Arruinaldo”. Seu pensamento vivo: 1) a abertura das
Olímpiadas mostrou que os comunistas controlam o Brasil; 2) as
universidades são agências do comunismo internacional; 3) o aquecimento
global é uma farsa completa; 4) o PSDB é de esquerda; 4) Obama é um
agente russo.
Azevedo criticou Olavo que retrucou no seu padrão: “Cada vez que o
Reinaldo Azevedo fala de mim ou do deputado Bolsonaro ele se emboneca
todo e fica tocando punh… na frente do espelho…”, escreveu no Twitter.
Constantino caiu um tanto no ibope da Coxilândia depois que viajou à
Disney e postou no FB uma foto com o Pateta. Embora muitos Coxas tenham
achado fofo, outros não amaram tanto. No meio da barafunda, Olavo
acertou-lhe um uppercut: “Só não digo que seita fechada é o seu cu
porque não averiguei o estado das pregas”.
É a face mais circense da coisa toda. O poderio mesmo vem dos
financiadores – Fiesp e similares — e da pregação tóxica e diuturna dos
grandes conglomerados da mídia empresarial.
Não podemos esquecer da facção Coxabamba. Não, nada a ver com o
altiplano, flautas e El Condor Pasa, que eles tem horror desses troços
de índio. São os Coxas que já botaram camiseta da CBF, bateram panelas e
foram pra rua com nariz de palhaço. Hoje, com a ascensão do interino,
após as gravações nauseabundas de Sérgio Machado com Jucá e outros,
estão meio confusos, vacilantes, enfim bambeiam hamletianamente: ser ou
não Coxa? Onde eu errei, perguntam-se usando, agora, apenas o nariz de
palhaço.
Finalmente, a ala Coxa da real politik. Não são Coxas orgânicos. Estão
Coxas. São de conveniência. Manejam os punhais, a peçonha e as lições
dos Bórgias. Sem o charuto de Capone, exalam o aroma dos Corleones. É a
turma que grudou — com cola bonder — o nariz de bolota vermelha nos
Coxas modelito avenida Paulista — aqueles que patrioticamente até a
bunda botaram de fora para varrer a corrupção. É a patota que faz
política de resultados – seja para empalmar, sem voto, o mando e o
comando da nação, seja para livrar-se da cadeia. A união do útil ao
agradável. São os Temer, os Padilha, os Serra, os Geddel, os Jucá, os
Mendoncinha, os Cunha. Será justo defini-los como Coxa Nostra.
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