Entrevista de Villas Boas provoca espanto e protestos na oposição e no jornalismo das redes
A repercussão entre políticos e jornalistas às declarações do comandante do Exército, general Villas Boas, à Folha deste domingo, variou do espanto a indagações: “O que ele temia? Um golpe militar? E quem daria o golpe, o general Hamilton Mourão?”. Exemplos de recentes punições de militares no Uruguai e no Chile foram lembrados.
Políticos e jornalistas reagiram com veemência à entrevista concedida à Folha de S. Paulo deste domingo pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, na qual o militar admite ter buscado interferir na decisão do STF sobre a votação do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, ocorrida no mês de abril deste ano.
As declarações do general fizeram lembrar dois episódios análogos, ocorridos recentemente no Uruguai e no Chile, quando um general e um coronel, respectivamente, foram punidos com prisão e transferência compulsória para a reserva por haverem feito declarações ou tomado atitudes de cunho político.
A certa altura da entrevista à Folha, concedida ao jornalista Igor Gielow, Villas Boas afirma que “a coisa podia sair do controle” caso ele não publicasse o tuíte:
– Ali nós, conscientemente, trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática. Me lembro, a gente soltou [o post no Twitter] às 20h20, no fim do Jornal Nacional. O William Bonner leu a nossa nota.
Sobre as críticas que recebeu ao interferir no processo de decisão do STF, Vilas Boas disse que o saldo foi positivo: “Do pessoal de sempre, mas a relação custo-benefício foi positiva. Alguns me acusaram… De os militares estarem interferindo numa área que não lhes dizia respeito. Mas aí temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar”, encerrou.
A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, reagiu à entrevista do General com acusações e indagações:
– A fala do general Villas-Boas evidencia a trama política contra Lula! Deixa claro que houve ingerência em decisão do STF! O que fugiria do controle? Teve de agir por quê? Que limite tinha? Era uma decisão judicial, a Constituição Federal deveria ser observada! Bagunçaram o país para impedir Lula de ser candidato”, disse Gleisi pelo Twitter.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) comentou o tema em sua conta do Twitter afirmando que o comandante do Exército fez uma ameaça implícita à democracia:
– Villas Bôas dizer que Exército esteve ‘no limite’ e que Lula solto poderia ‘tirar militares do controle’, é uma ameaça implícita à democracia. Não é papel das forças armadas tutelar os poderes, em particular o STF, afrontado claramente neste episódio.
Em seu blog “Balaio do Kotscho”, o jornalista Ricardo Kotscho manifestou espanto semelhante:
– Fugir ao controle? Como assim? Que controle? Que poder é esse numa democracia? O que ele temia? Um golpe militar? E quem o daria, o general Hamilton Mourão, eleito vice de Bolsonaro, que já havia feito várias ameaças de intervenção militar? O eleitorado brasileiro, que fez papel de figurante em toda esta história, agradeceria se o general pudesse responder a estas singelas perguntas”.
No blog Brasil/247 o jurista Afrânio Silva Jardim afirma, sobre a entrevista de Villas Boas, que “agora não pode haver mais dúvidas: 1) Lula é um preso político; 2) Lula estava certo: O STF estava acovardado; cabe uma pergunta: vale a pena viver assim, sob ameaças e com uma sociedade amedrontada?”
O também deputado do PT, Wadih Damous (RJ), colaborador do Nocaute, publicou em suas redes sociais:
“A entrevista do chefe do Exército mostrou o conluio entre a farda e a toga para destruir a democracia brasileira e levar Bolsonaro ao poder. E é mais um episódio que prova ser Lula um preso político”, disse Damous pelo Twitter.
Em nota oficial o PT repudiou a fala do general e defendeu que a condenação do ex-presidente Lula foi uma operação política, confirmada pelas atuais declarações de Villas Boas.
“É grave a entrevista do comandante do Exército, general Villas Bôas, na qual ele confessa ter interferido diretamente para impedir o Supremo Tribunal Federal de conceder habeas corpus ao ex-presidente Lula, em abril deste ano.
Ao afirmar que, a seu critério, a liberdade de Lula seria motivo de “instabilidade”, o general confirma que a condenação do maior líder político do país foi uma operação política, com o objetivo de impedir que ele fosse eleito presidente da República.
Está demonstrado, agora, que não apenas o sistema judicial ligado a Sérgio Moro, a Rede Globo e a grande mídia participaram dessa operação arbitrária e antidemocrática, mas também a cúpula das Forças Armadas.
O general Villas Bôas afirma querer “despolitizar” as Forças Armadas, mas sua confissão compromete os comandos militares com o golpe e demonstra que eles exercem de fato uma tutela inconstitucional sobre as instituições, jogando inclusive com a liberdade de um cidadão injustamente condenado.
A entrevista compromete a cúpula das Forças Armadas com a visão autoritária do processo político de Jair Bolsonaro, que faz graves ameaças à oposição, por meio de declarações e textos que circulam nas redes sociais.
O PT conclama as forças democráticas do país a repudiar e denunciar a usurpação confessada pelo general Villas Bôas e a defender a democracia contra as ameaças de Bolsonaro. Não há limites para a tirania depois que ela se instala”
O jornalista Kiko Nogueira, editor do blog DCM – Diário do Centro do Mundo, lembrou que o artigo 77 da Constituição do Uruguai estabelece que os militares em atividade deverão se abster de “fazer parte de comissões ou de clubes políticos, de subscrever a manifestos de partidos, de autorizar o uso de seu nome e, de modo geral, de executar qualquer outro ato público ou privado de caráter político, exceto o voto”.
Há pouco mais de um mês, o general Guido Manini Ríos, comandante máximo do Exército do Uruguai, foi punido pelo presidente Tabaré Vázquez com 30 dias de detenção por suas reiteradas declarações contra a reforma das pensões militares que se encontrava em votação no Congresso.
Episódio semelhante ocorreu há três semanas no Chile. O comando do Exército chileno passou compulsoriamente à reserva o coronel Germán Villarroel, que dirigia a Escola Militar do país. O oficial foi punido por haver permitido uma homenagem, dentro da instituição, ao brigadeiro da reserva Miguel Krassnoff Martchenko, que é acusado de genocídio e cumpre pena por 71 crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Nenhum comentário:
Postar um comentário