quarta-feira, 1 de abril de 2009

A LONGA NOITE DA REPÚBLICA

Mauro Santayana

Hoje (não ontem) o golpe militar de 1964 faz 45 anos. Foi na primeira madrugada de abril que o presidente do Congresso declarou vaga a Presidência da República, com Jango em território nacional. A ditadura foi longa, perversa e sangrenta mentira, que prometia a ordem democrática e trouxe a tortura, os assassinatos, o medo e a corrupção. A mentira no poder por mais de duas décadas tornou-se uma vacina política. É quase impossível que haja outro golpe militar em nosso país.

A República fora uma aspiração civil a partir da Inconfidência Mineira, mas não seria proclamada em 1889 sem os militares. A Guerra do Paraguai e o Abolicionismo haviam reunido, em 1870, na mesma causa antimonárquica, paisanos e fardados. Até o golpe de 64, o poder de fato sobre a República foi disputado pelos bacharéis e militares. Depois de Deodoro e Floriano, os civis se revezaram na Presidência, sempre sob a pressão militar, até 1910, quando exerceram a Presidência com o marechal Hermes da Fonseca. No quatriênio seguinte, o mineiro Wenceslau Braz iniciou o processo de afirmação civil, que a morte de Pinheiro Machado, em 1915, facilitaria. Como assinalam historiadores do período, os levantes militares, pouco ou nada tinham de ideológicos. Foram, a partir de 22, manifestações corporativas contra a predominância do poder civil, que a eleição de Arthur Bernardes iria consolidar. O corporativismo é infecção crônica no Brasil. O pretexto para o levante dos 18 do Forte de Copacabana, foram cartas falsas, atribuídas a Bernardes, nas quais o marechal Hermes era chamado de "Sargentão".

Os tenentes só viriam a ter visão social do Brasil com a Coluna Prestes. Essa visão inverteria a razão dos tenentes de 22, levando-os à posição de esquerda da Aliança Liberal no movimento de 30. Os tenentes queriam o poder, certos de que só a força resolveria a questão social. Assim surgiu o movimento de 1935, que foi tipicamente militar, embora se identificasse com reduzido grupo de civis de esquerda. Frustrada a rebelião, continuou a tensão entre militares e políticos do Estado Novo, que só se entendiam no campo da direita mais reacionária. Continuou em 1945, com o putsch de 29 de outubro, contra Vargas, amainou-se no governo híbrido e chocho do marechal Dutra e se rearticulou contra o segundo governo de Vargas, levando-o ao suicídio em 54.

O setor legalista dos militares, nascido da II Guerra Mundial, conteve os golpistas em 11 de novembro de 55, assegurando a posse de Juscelino em janeiro do ano seguinte. O mineiro conseguiu driblar as tentativas golpistas de Jacareacanga e Aragarças, e entregou, sem tropeços maiores, o poder a seu sucessor. Depois da renúncia de Jânio, os militares voltaram a articular-se, para tentar impedir à aliança PT–PSD (nascida do varguismo) de exercer o governo com Jango. Ao assumir diretamente o governo, o que não faziam, de forma explícita, desde a eleição de Prudente de Moraes (Hermes governara sob forte influência civil), os militares levaram quase 20 anos para descobrir que a realidade não lhes permitia continuar no poder.

O fim do regime de exceção, em 1985, não foi o fim do entulho autoritário. O STF julga, hoje, a constitucionalidade ou não de uma lei da ditadura, de 1967, que limitou a liberdade profissional, intelectual e política dos cidadãos, exigindo dos novos jornalistas licença universitária. Para o nosso constrangimento, isso se fez a pedido de jornalistas, que fechavam os olhos à censura e à perseguição a seus colegas, em troca de falso status social, e do "fechamento" do ingresso na categoria aos pobres, em benefício da classe média.

Fora o argumento de que a liberdade de expressão, por todos os meios, é o mais exigido dos direitos humanos, cabe a indagação lógica, se o jornalismo é técnica ou manifestação ética e política. Na experiência de 57 anos de trabalho, estou certo de que o jornalismo é tanto mais autêntico quanto mais distanciado for dos esquemas técnicos, e mais próximo estiver do compromisso ético, só assumido nos embates do cotidiano. Para o resto, basta conhecer a língua pátria, que muitos professores de jornalismo – e seus discípulos – desconhecem. Poderão objetar que minha posição se deve ao fato de ser autodidata, como tantos outros de minha geração.

É uma opinião respeitável.
Fonte:JB

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