quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

PRIVATARIA TUCANA - Seleção de denúncias não publicáveis.

Por Valéria Said Tótaro.

A editora que lançou Privataria Tucana – cuja obra denuncia a pirataria praticada com o dinheiro público em benefício de fortunas privadas, tendo o ex-governador José Serra e o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil e ex-tesoureiro das campanhas eleitorais de Serra e de FHC, Ricardo Sérgio de Oliveira, como personagens principais – acertou na mosca ao trocar noite de autógrafos por um Twitcam com o autor do livro, o jornalista Amaury Ribeiro Jr., em São Paulo, 9 de dezembro: o vídeo transformou-se em comunicação viral.

São mais de 140 minutos de entrevista a um seleto grupo de blogueiros e jornalistas. E, logo no início do vídeo, a primeira resposta dada aos entrevistadores pelo mais que serendipitoso jornalista autor das denúncias revela que não é somente a fina flor de políticos piratas que terá de se haver com a opinião pública. Nossa imprensa está devendo muitas explicações aos cidadãos brasileiros, como aponta o diálogo abaixo:

“Amaury, quem é mais importante para entender essa história: Ricardo Sérgio ou Serra”?

“A imprensa.”

“Como? Por que a imprensa?”

“A imprensa é mais importante porque estou tentando publicar essas denúncias há mais de 20 anos...”

Silêncioensurdecedor

As cáusticas declarações dadas pelo ganhador de vários prêmios Esso já preencheriam os critérios de noticiabilidade para ocupar as editorias políticas da imprensa nacional. Inclusive, do “grande jornal dos mineiros”, onde Amaury fez uma reportagem investigativa, encomendada pelo Estado de Minas, sobre uma rede de espionagem estimulada pelo ex-governador paulista José Serra para levantar um dossiê contra o ex-governador mineiro Aécio Neves. A matéria foi a “bala na agulha” que disparou outras investigações mais amplas, culminando em Privataria Tucana, obraque demandou 12 anos de pesquisas, sendo que um terço das 334 páginas é dedicado a fartos documentos, com riqueza de detalhes, sobre negociatas na venda de empresas estatais entre 1995 e 2002.

Aliás, a forma como o autor obteve grande parte dos documentos que embasaram o livro não deixa de ser um critério jornalístico relevante: Amaury recorreu a um procedimento do direito penal chamado exceção da verdade, isto é, quando alguém é processado por calúnia, tem o direito de provar que o que está dizendo é verdadeiro. Por isso, quando o jornalista foi processado por Ricardo Sérgio por danos morais, ele teve acesso a todos os documentos da CPI do Banestado que envolviam o ex-tesoureiro de Serra. Junte-se a isso o fenômeno editorial de Privataria que vendeu, em menos de 24 horas, os primeiros 15 mil exemplares e mal teve tempo de chegar às livrarias do Brasil, pois, graças à blogosfera, o livro está sendo disputado a preço de capa, literalmente. Há filas de espera para as 80 mil novas cópias da 2ª edição, mesmo com o polêmico vazamento da obra em .PDF nas redes sociais.

Então, como calar-se diante desse silêncio ensurdecedor da mídia tradicional, que tem ignorado solenemente (exceção de CartaCapital, Record News e TV Record) essa notícia de interesse público? Como sair em defesa da liberdade de imprensa, se essa liberdade é levianamente tratada segundo critérios de conivência partidária de empresas jornalísticas? O mesmo tom de indignação é compartilhado por Ricardo Kotscho que, em seu blog, dispara: “Para quê e para quem, afinal, serve esta liberdade de imprensa pela qual todos nós lutamos durante os tempos da ditadura, que eles apoiaram, e hoje é propriedade privada de meia dúzia de barões da mídia que decidem o que devemos ou não saber?”

Condenado à inexistência

Teoricamente, essa prática infame da mídia tradicional pode ser explicada pela Hipótese da Espiral do Silêncio, uma das correntes das teorias da Comunicação, formulada pela alemã Elisabeth Noelle-Neumann (1984), segundo a qual o ponto de vista mais visível e explícito acaba por dominar a cena pública e o outro desaparece da consciência do público, devido ao fato dos seus apoiantes ficarem silenciosos, por terem medo de contrariar o status quo. Contextualizando: como tudo indica que o ponto de vista da grande mídia está atrelado ao establishment partidário do ex-governador paulista, notícias sobre as denúncias de Privataria Tucana estão sendo sumariamente eliminadas das pautas jornalísticas para não contrariar os interesses nada ocultos do tucano-mor. Em outro dizer, os tais meia dúzia de barões da mídia estão definindo os assuntos, ou melhor, as denúncias sobre as quais cada cidadão se preocupará e discutirá.

Exemplo explícito? Há uma semana, quando o livro foi lançado, a mídia tradicional dava (e continua dando) repercussão a todo tipo de denúncia, como as que envolvem o ministro Fernando Pimentel, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, e o publicitário Marcos Valério, mas não repercute as de lavagem de dinheiro público escancaradas na obra de Amaury. Com efeito, podemos inferir que o objetivo desse silêncio midiático é “alienar” os cidadãos das denúncias bem documentadas pelo jornalista, de modo que Privataria Tucana seja condenado à inexistência social, reforçando a máxima de que só se torna notícia, de fato, aquilo que se que lê e se vê na grande mídia. E o que é pior: não há mais dúvida nenhuma de que denúncias são publicadas de maneira imoral e indefensavelmente seletiva pela imprensa do “mundo real”.

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[Valéria Said Tótaro é jornalista, articulista e professora de Ética e Deontologia do Jornalismo]
Fonte: Observatório da Imprensa.

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