quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

ECONOMIA - Capitalistas e outros psicopatas.




William Deresiewicz: Capitalistas e outros psicopatas


Existe um debate em andamento no país sobre os ricos: quem eles são, qual o papel social deles, se eles são bons ou ruins. 

Por William Deresiewicz


Existe um debate em andamento no país sobre os ricos: quem eles são, qual o papel social deles, se eles são bons ou ruins. Bem, considerem o seguinte. Um estudo recente descobriu que 10% das pessoas que trabalham em Wall Street são “psicopatas clínicos”, exibindo falta de interesse ou empatia pelos outros e uma “capacidade sem paralelo para mentir, fabricar e manipular”. (A proporção para a população em geral é de 1%). Outro estudo concluiu que os ricos são mais inclinados a mentir, enganar e violar a lei.

A única coisa que me surpreende sobre estas alegações é que tem gente que acha que são surpreendentes. Wall Street é o capitalismo em sua forma mais pura, e o capitalismo é baseado em mau comportamento. Isso não deveria ser notícia. O escritor britânico Bernard Mandeville disse isso quase três séculos atrás num poema-satírico-com-pretensões-de-tratado-filosófico chamado “A fábula das abelhas”.

“Vícios privados, benefícios públicos” é o subtítulo do livro. Um maquiavélico no campo econômico — um homem que nos mostrou como somos, não como gostaríamos de pensar que somos — Mandeville argumentou que uma sociedade comercial cria prosperidade ao aproveitar nossos impulsos naturais: fraude, luxúria e orgulho. Por “orgulho” Mandeville quis dizer vaidade; por “luxúria”, o desejo por indulgência sensual. Ambas criam demanda, como todo publicitário sabe. No lado da oferta, como diríamos, estava a fraude, dizia o poema: ”De todos os negócios a fraude era parte/ Nenhuma profissão era isenta dessa arte”.

Em outras palavras, Enron, BP, Goldman, Philip Morris, G.E., Merck, etc., etc. Fraude contábil, evasão fiscal, lixo tóxico, violações na segurança de produtos, fraude em concorrências públicas, superfaturamento, perjúria. O escândalo de propinas da Walmart, o escândalo da violação de telefones da News Corp. — abra a seção de negócios do jornal em um dia qualquer. Golpeando seus trabalhadores, causando danos aos seus consumidores, destruindo a terra. Deixando o público ficar com a conta. Estas não são anomalias; é assim que o sistema funciona: você sai ileso com o que puder e tenta escapar quando te pegam em flagrante.

Sempre achei estranha a ideia de uma escola de negócios. Que tipos de cursos poderia oferecer? Roubar viúvas e órfãos? Esmagar a cara dos pobres? Alimentar-se com dinheiro público? Foi lançado anos atrás um documentário chamado “Corporação”, que aceitou a premissa de que as corporações são pessoas e em seguida perguntou que tipo de pessoas eram. A resposta foi, precisamente, psicopatas: indiferentes aos outros, incapazes de sentir culpa, devotadas exclusivamente a seus próprios interesses.

Existem corporações éticas, sim, e pessoas de negócio éticas, mas a ética no capitalismo é opcional, puramente extrínseca. Esperar moralidade do mercado é cometer um erro categórico. Os valores capitalistas são incompatíveis com os cristãos. (Como alguns dos cristãos mais barulhentos de nossa vida pública também são os belicosos proponentes do livre mercado sem qualquer regulamentação é uma questão para a consciência deles). Os valores capitalistas também são incompatíveis com os valores democráticos. Como a ética cristã, os princípios de um governo republicano requerem que consideremos os interesses dos outros. O capitalismo, que se dedica à perseguição do lucro, nos faz pensar que é cada um por si.

Tem havido muita conversa sobre os “criadores de empregos”, uma frase criada por Frank Luntz, um guru de propaganda da direita, para classificar Ayn Rand. Os ricos merecem nossa gratidão, assim como tudo o que têm, em outras palavras, e o restante é inveja. Em primeiro lugar, se empreendedores são criadores de empregos, os trabalhadores são criadores de riqueza. Os empreendedores usam a riqueza para criar emprego para trabalhadores. Trabalhadores usam os empregos para criar riqueza para os empreendedores — os excessos de produtividade que superam o salário e outras compensações representam o lucro das corporações. Não é objetivo de nenhum deles beneficiar o outro, mas isso acontece de qualquer forma.

Além disso, empreendedores e ricos são duas categorias diferentes que nem sempre se misturam. A maioria dos ricos não é de empreendedores; eles são executivos de corporações, gerentes institucionais de outros tipos, os médicos e advogados mais ricos, os mais bem sucedidos atletas e artistas, pessoas que simplesmente herdaram dinheiro e, sim, pessoas que trabalham em Wall Street.

Mais importante, nem os empreendedores nem os ricos têm o monopólio do saber, do suor ou do risco. Existem cientistas — e artistas e acadêmicos — que são tão inteligentes quanto qualquer empreendedor, apenas estão interessados em outras recompensas. A mãe solteira que usa o emprego para ir à faculdade comunitária trabalha tão duro quanto o gerente de um fundo hedge. Uma pessoa que consegue um empréstimo imobiliário — ou um empréstimo para educação, ou que tem um filho — contando com um emprego que pode perder a qualquer momento (graças, talvez, a um daqueles criadores de empregos) assume tanto risco quanto alguém que abre um novo negócio.

Questões fundamentais na política dependem destas percepções: quem vamos taxar e quanto; quanto vamos gastar e com quem. Mas se “criadores de empregos” é um termo novo, a adulação que expressa — e o desprezo que claramente assinala em relação a outros — não são. “Os norte-americanos pobres são chamados a detestar a si”, escreveu Kurt Vonnegut em “Abatedouro número 5″. E, assim, “eles se diminuem e glorificam os outros”. Nossa mentira mais destrutiva, ele acrescentou “é que é fácil para qualquer norte-americano ganhar dinheiro”. A mentira persiste. Os pobres são preguiçosos, estúpidos e diabólicos. Os ricos são brilhantes, corajosos e bons. Eles espalham sua beneficência sobre o resto de nós.

Mandeville acreditava que a busca pela satisfação de interesses individuais poderia trazer benefícios públicos mas, ao contrário de Adam Smith, não acreditava que faria isso por si só. A “mão” de Smith era “invisível”– a operação automática do mercado. A de Mandeville exigia “o gerenciamento multifacetado de um político hábil” — em termos modernos, legislação, regulamentação e taxação. Ou, como ele escreveu em verso, ”Assim, o vício o bem vai causar/ Se a Justiça o atar e podar”.

*O autor é ensaista, crítico e autor de “Uma educação de Jane Austen”

Fonte: Viomundo

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