sexta-feira, 26 de julho de 2013

FREI BETTO E A VIAGEM DO PAPA AO BRASIL.

Viagem do Papa ao Brasil] Dois artigos: Opção pelos pobres e volta ao latim / Maria Negra Aparecida

Frei Betto
Adital

Ilustração: studiobrien.com

Com o rosto visivelmente cansado, o papa Francisco celebrou missa na basílica de Aparecida sem fazer eco, em sua homilia, ao apelo de cardeal Raymundo Damasceno por "uma Igreja comprometida com os pobres”. A homilia do pontífice, dirigida aos jovens, restringiu-se a exaltar a esperança, a entrega a Deus e a alegria como marcas da fé cristã. Nada teve, porém, de moralismo, e ressaltou que "aquilo que é pecado se transforma em vinho novo na amizade com Deus”.
Hoje, o papa visitará, pela manhã, a favela de Varginha. Este roteiro não constava da agenda do papa Bento XVI, que estaria no Rio caso não tivesse renunciado. Foi incluído por exigência de Bergoglio, que insiste em sinalizar uma Igreja mais próxima dos pobres.
Há quem julgue a "opção pelos pobres” uma proposta da Teologia da Libertação. Nada mais equivocado. Nos quatro evangelhos, a condição para se aderir a Jesus é, primeiro, defender o direito do pobre a uma vida digna. "Pai Nosso” e "Pão Nosso”, são os refrões da oração ensinada por Jesus. Só deve se sentir no direito de chamar Deus de "Pai” quem não busca apenas para si o pão, símbolo das condições materiais de vida, mas para todos.
A pobreza é um mal que resulta da injustiça social. Não há um único versículo na Bíblia que afirme ser a pobreza agradável aos olhos de Deus. O pobre, sim, é bem-aventurado, porque Deus assume a sua causa, como proclama o Sermão da Montanha. Na verdade, o que existe são pessoas empobrecidas, levadas involuntariamente a uma vida de carências e sofrimentos.
Às 19h, Francisco terá o primeiro grande encontro com os jovens, na praia de Copacabana. Na celebração, será lido o evangelho da Transfiguração de Jesus (Lucas 9, 28b-36) – uma crítica à acomodação da Igreja e ao espiritualismo farisaico.
Pedro, Tiago e João subiram a montanha com Jesus, e o viram em toda a sua glória divina, em companhia de Moisés e Elias. Sugeriram armar tendas e ali permanecer, proposta prontamente rejeitada por Jesus: "Pedro não sabia o que dizia.” Queria fugir da missão.
A bênção final será em um idioma que, com certeza, pouquíssimos jovens compreendem: latim!
O que significa essa sutil volta ao latim na liturgia da Igreja? Um anacronismo. Desde o Concílio Vaticano II, o latim foi extinto da liturgia católica, que passou a adotar a língua vernácula. Isso provocou forte reação da ala conservadora da Igreja, que considera o abandono do latim uma "profanação” da instituição bimilenar.
Bento XVI cedeu às pressões e autorizou as "missas tridentinas”, em latim, sem, no entanto, impedir o vernáculo. O fato de Bergoglio proferir, no Rio, várias orações em latim, pode sinalizar uma respeitosa concessão ao papa renunciante, com quem ele convive no mesmo território do Vaticano, ou, na pior das hipóteses, certa simpatia pela restauração tridentina na liturgia.
O latim na liturgia é como os símbolos da monarquia britânica. Quase ninguém sabe o que significam, mas causam bom efeito para revestir a nobreza de respeitável auréola. Nesse mundo globalizado, o inglês é, hoje, a língua internacional, como foram o grego no mundo dominado por Alexandre Magno e o latim no mundo governado pelo Império Romano.
Jesus falava aramaico. Talvez soubesse hebraico, por frequentar a sinagoga, e um pouco de latim, por viver numa região sob jugo dos romanos. Quando a liturgia da Igreja se prende a seus aspectos exteriores, ganha o senso estético e perde a profundidade espiritual.
[Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.http://www.freibetto.org- twitter:@freibetto.
Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].

******************
Leia também:
Maria Negra Aparecida
Por Frei Betto
O papa Francisco passou a manhã de quarta-feira no santuário nacional de Aparecida. A liturgia da missa que celebrou girou em torno de três textos bíblicos "feministas”, extraídos do Livro de Ester (5, 1b-2; 7, 2b-3) , do Apocalipse (12, 1 e 5 e 13a e 15-16a) e do Evangelho de João (2, 1-11).
A escolha se explica por ser Aparecida um santuário mariano. Lembro de um encontro de Comunidade Eclesial de Base, na periferia de São Paulo, quando Tadeu, mecânico, comunicou que não participaria da próxima reunião porque iria com a família à Aparecida. Houve quem torcesse o nariz e estranhasse um adepto da Teologia da Libertação frequentar um santuário de religiosidade popular. Tadeu não se fez de rogado: "Sou devoto de Nossa Senhora Aparecida, porque ela é da cor de minha mãe, da minha, da minha mulher e de meus filhos.”
Tadeu fez uma leitura libertadora da padroeira do Brasil, cuja imagem foi encontrada no Rio Paraíba, em 1717, por três pescadores. Em uma sociedade escravocrata colonizada pelo reino de Portugal, no qual reis e rainhas eram todos brancos, disseminar a devoção a uma negra, rainha do céu, mãe de Deus, constituía uma forma de afirmar a dignidade das escravas vítimas da luxúria e da crueldade de seus senhores.
Os poderosos procuraram se "apropriar” de Nossa Senhora Aparecida. A 8 de setembro de 1822, um dia após a independência, D. Pedro I a declarou "padroeira do Brasil”. É curioso que o título tenha sido concedido pelo imperador, e não pela Igreja. E a 6 de novembro de 1888, a princesa Isabel ofertou à imagem a coroa de ouro cravejada de rubis e diamantes e o manto azul bordado em ouro e pedrarias.
As autoridades eclesiásticas, que sempre relutam frente às devoções populares, apenas em 1894 enviaram ao santuário os padres redentoristas, 177 anos depois de a imagem de Maria "aparecer”.
Quando Bergoglio visitou Aparecida pela última vez, em maio de 2007, para participar da reunião de todos os bispos da América Latina, ele foi o único prelado estrangeiro a comparecer à missa das Comunidades Eclesiais de Base, em um domingo pela manhã.
Não se pode afirmar que o novo papa é um adepto da Teologia da Libertação. Tudo indica, porém, que não fará objeção a ela, ao contrário de seus dois antecessores. Prova disso é que, em abril, tirou da gaveta o processo de canonização de Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, assassinado pelo Esquadrão da Morte em 1980 e considerado um ícone da Teologia da Libertação.
Logo após a homilia de Francisco na missa em Aparecida, veio a Oração dos Fiéis. A primeira reforçou a "opção pelos pobres”, tão enfatizada pelos católicos progressistas: "Pela Igreja, para que seja sempre comprometida com a vida do nosso povo, especialmente dos mais fracos, pequenos e pobres”.
Após a celebração, Francisco abençoou, no seminário de Aparecida, a imagem de frei Galvão (1739-1822), o primeiro brasileiro a ser declarado oficialmente santo, embora a devoção popular já tenha "canonizado” padre Cícero (1844-1934), que ainda hoje não é reconhecido por Roma como cristão exemplar. A imagem de frei Galvão seguiu posteriormente para Guaratinguetá, onde ele nasceu.
De volta ao Rio, o papa visitou o Hospital São Francisco de Assis, onde teve contato com um projeto de recuperação de dependentes químicos.
[Frei Betto é escritor, autor de "A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros. http://www.freibetto.org - twitter:@freibetto.
Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].

Nenhum comentário: