sábado, 26 de abril de 2014

ECONOMIA - A contradição que pode desafiar o neoliberalismo.

Gérard Dumenil: A contradição que pode desafiar o neoliberalismo



por Luiz Carlos Azenha
Como os leitores do Viomundo, muito bem informados, já sabem — os da Folha, O Globo e Estadão vão levar algumas semanas para descobrir — os economistas franceses estão em evidência.
Nos Estados Unidos, o livro Capital no Século Vinte e Um, de Thomas Piketty (ainda não traduzido para o português) é um fenômeno de vendas. Na Amazon, esgotou. Só existe em versão digital. O autor fala a auditórios abarrotados. É detonado pelos neoliberais.
Comecei a ler, mas ainda não terminei. Baseio-me em resenhas.  Piketty pesquisou estatísticas de um grupo de países do capitalismo central dos últimos três séculos. Concluiu que a produção de desigualdade não é um fenômeno do neoliberalismo, mas inerente ao sistema capitalista. A única forma de enfrentá-la, hoje, seria criar um imposto global sobre o capital. Ou isso, ou a barbárie.
Pode se inferir, a partir do conteúdo do livro, que o capitalismo de “livre mercado” é incompatível com a democracia liberal, motivo pelo qual o livro bombou nos Estados Unidos.
Um articulista do New York Times escreveu: Capitalismo vs. democracia.
Na segunda-feira, desde Nova York, publicaremos artigo de Heloisa Villela a respeito do livro que promete ser best seller mundial.
Aqui no Brasil, os franceses Gérard Dumenil e Dominique Lévy estão lançando, pela Boitempo, A Crise do Neoliberalismo.
Gérard fará uma série de palestras sobre o livro.
Conversei hoje cedo, por telefone, com o autor.
O livro descreve o neoliberalismo como uma reação dos capitalistas aos ganhos obtidos pelas chamadas classes populares no pós-guerra, especialmente através do New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt, nos Estados Unidos.
Começando nos anos 70 e 80, no Reino Unido e nos Estados Unidos, através dos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, os capitalistas estabeleceram aliança com a chamada classe gerencial de empresas públicas e privadas, tendo como objetivo reconquistar os lucros e o poder.
Houve transformação radical no gerenciamento de empresas, além da globalização e da financeirização.
Os capitalistas ganharam de forma espetacular.
O laboratório neoliberal havia sido o Chile de Pinochet. Na globalização, diria eu, Azenha, a Dina — polícia política do ditador chileno — foi substituída pelo discurso único da mídia corporativa. Saiu o pau-de-arara do Fleury, entrou o poder coercitivo dos irmãos Marinho, a cadeira-de-dragão verbal do Sardenberg-Miriam Leitão-William Waack.
Na crise de 2008, segundo Gérard Dumenil, os feiticeiros do capitalismo “perderam o controle de sua própria mágica”.
Resultado de desequilíbrios internos nos Estados Unidos: a dívida altíssima dos domicílios e o gigantesco déficit comercial de Washington.
Seis anos depois, a crise permanece.
O autor francês prevê que ela será de longa duração.
Nisso, coincide com seu colega Thomas Piketty, que tem falado em décadas de crescimento pífio das economias dos Estados Unidos e Europa. Em outras palavras, acreditam que o mundo capitalista vai se arrastar correndo o risco sempre iminente de explosão social.
Gérard diz que o fracasso no enfrentamento da crise se deve ao fato de que não mudaram as bases do neoliberalismo.
Continua nos Estados Unidos a lógica da distribuição de dividendos, da exportação de capital e da recompra de ações por empresas com o objetivo de sustentar o valor dos papéis nas bolsas.
É como se a crise de 2008, afinal, não tivesse acontecido!
Sobre o futuro, ele contempla tanto saídas à esquerda quanto à direita — com o espectro da extrema-direita rondando no horizonte.
Porém, Gérard Dumenil aponta uma contradição central que pode ameçar a aliança entre capitalistas e a classe gerencial que trabalha em nome deles: a perda de poder relativo de Washington em relação a outros países.
Para manter a hegemonia norte-americana, a classe gerencial sabe que é preciso cobrar impostos que os capitalistas evitam recorrendo aos paraísos fiscais — refúgios é uma definição melhor.
Cobrar impostos, por exemplo, para sustentar as forças armadas. Para cuidar da infraestrutura. Para não perder da China.
Para o economista francês, este descolamento entre os capitalistas norte-americanos e os interesses políticos/estratégicos/econômicos/diplomáticos dos Estados Unidos pode ser um fator definidor do futuro.
Na classe gerencial, aliás, já tem gente pregando o fim dos refúgios fiscais, sem os quais o lucro dos capitalistas não sobrevive!
Um rearranjo na aliança que comanda o neoliberalismo poderia provocar mudanças significativas no futuro.
Um relatório recente da Oxfam concluiu que as 85 pessoas mais ricas do mundo controlam riqueza equivalente à dos 50% mais pobres.
Será possível sustentar isso a longo prazo?
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