O discurso de Donald Trump é bem quarta série, mas pode estar
manipulando o nosso inconsciente. Com todo respeito ao astro dos reality
shows que de repente se tornou o candidato republicano à presidência
dos EUA, não se trata de ofensa gratuita, e sim de um fato da
linguística cognitiva.
Especialistas da Universidade de Wesleyan conduziram uma análise linguística do discurso de Trump e notaram que corresponde ao nível de leitura de um estudante da quarta série (o mais baixo entre os candidatos a presidência, com Bernie Sanders no topo da lista, à altura de um aluno colegial). Parece ruim, mas, ao que parece, é disso que o povo gosta.
Este vídeo do roteirista/produtor Evan Puschak, mais conhecido como Nerdwriter, explica como a enunciação de Trump pode ser a grande responsável por sua popularidade. “Pela ampla experiência como comerciante charlatão, Trump sabe muito bem como vender um sentimento”, diz Puschak. O candidato conclui suas frases com chavões como “erros”, “danos” e “missão” — nada além de duas sílabas. Outro dado importante: 78% das palavras que Trump usa são monossilábicas, segundo o vídeo.
"A repetição é uma das estratégias de Trump e tem efeito retumbante", nos contou George Lakoff, professor de linguística cognitiva da Universidade da Califórnia, nos EUA. A precisão ou legitimidade de declarações repetitivas como “Vamos vencer, vencer, vencer” ou “Maldita Hillary, maldita Hillary” ficam em segundo plano. A repetição por si só já basta. Quando a mídia repete algo incansavelmente, diz Lakoff, as conexões neurais ficam mais fortes.
A compreensão da linguagem é obra das conexões neurais, e ativá-las por meio da linguagem (ou repetição de termos) as fortalece. Elas ficam mais aguçadas. “A compreensão de toda e qualquer coisa começa com conexões neurais”, pontua o linguista.
Captura de tela do vídeo do linguista George Lakoff. Palavras-chave em vermelho: mortes, feridos, problemas, serviço. Crédito: George Lakoff/YouTube
Quanto
mais forte se tornam essas conexões, mais chances dos chavões evocarem
associações, e mais chances da ideia soar certeira, seja ela lógica ou
não, verdadeira ou não. “Se você disser ‘terroristas islâmicos radicais’
várias vezes, incutindo nas pessoas a ideia de que homicidas têm maior
probabilidade de serem muçulmanos, então as pessoas terão mais medo de
muçulmanos". afirma Lakoff. “Trump se aproveita dos processos neurais
simples do cérebro.”
Segundo a moralidade do “Genitor Cuidador”, as pessoas são acolhidas por auxílios comunitários (previdência, um salário mínimo mais alto etc.), ao passo que a moralidade do “Pai Severo” defende que, com autodisciplina e trabalho duro, cada um é capaz de cuidar de si. O “Pai Severo” implica respeito às autoridades e hierarquias sociais (os pais acima dos filhos, com base na ideia de que os pais sempre estão certos, escreveu Lakoff, e em muitos cenários, isso se estende para qualquer autoridade que exerça poder sobre uma não-autoridade).
A política de Trump se encaixa na moralidade do “Pai Severo”, de acordo com Lakoff, e isso atrai os conservadores. Qualquer pessoa que discorde de uma figura paterna de autoridade está errada ou é imoral. Então, se partirmos do princípio de que imoralidade é ilegalidade, em termos políticos, a repetição de “maldita Hillary” por parte de Trump a coloca no papel de inimiga do estado, uma infratora — ele retrata Clinton como uma vigarista, incitando as conexões neurais a associar os conceitos “Clinton” e “vigarista”. Isso se chama enquadramento cognitivo.
Ele faz a mesma coisa com muçulmanos. Ao exagerar a verdade, trazendo sempre à tona a ameaça dos “terroristas islâmicos radicais”, ele fortalece as conexões neurais entre “Islã” e “terrorismo” — “muçulmanos” e “terroristas”, portanto, viram parte de um mesmo quadro conceitual, lógica à parte.
Cerca de 98% dos pensamentos são inconscientes. “Trump está aproveitando o nosso inconsciente contra nós, a seu bel prazer”, disse Lakoff. “Usar uma linguagem que ativa processos neurais inconscientes nos faz acreditar, inconscientemente, no que ele diz. Acreditamos naquilo porque aquilo se repete e se torna parte da nossa compreensão. Por isso que é tão perigoso.”
Tradução: Stephanie Fernandes
Especialistas da Universidade de Wesleyan conduziram uma análise linguística do discurso de Trump e notaram que corresponde ao nível de leitura de um estudante da quarta série (o mais baixo entre os candidatos a presidência, com Bernie Sanders no topo da lista, à altura de um aluno colegial). Parece ruim, mas, ao que parece, é disso que o povo gosta.
Este vídeo do roteirista/produtor Evan Puschak, mais conhecido como Nerdwriter, explica como a enunciação de Trump pode ser a grande responsável por sua popularidade. “Pela ampla experiência como comerciante charlatão, Trump sabe muito bem como vender um sentimento”, diz Puschak. O candidato conclui suas frases com chavões como “erros”, “danos” e “missão” — nada além de duas sílabas. Outro dado importante: 78% das palavras que Trump usa são monossilábicas, segundo o vídeo.
Uma amostra da fala repetitiva e com palavras-chave que ressaltam medo, problemas e combates. Crédito: Nerdwriter
A
gente não dá nada para essas palavrinhas curtas, mas são bem
importantes. Elas estrategicamente pontuam as frases de Trump, ou seja,
são as últimas palavras que ecoam na plateia. E o efeito se agrava
quando ele as repete sem parar. (“Temos um problema”, “Precisamos resolver o problema”, etc.) Quando o restante do discurso de Trump soa incoerente, essas palavras se destacam."A repetição é uma das estratégias de Trump e tem efeito retumbante", nos contou George Lakoff, professor de linguística cognitiva da Universidade da Califórnia, nos EUA. A precisão ou legitimidade de declarações repetitivas como “Vamos vencer, vencer, vencer” ou “Maldita Hillary, maldita Hillary” ficam em segundo plano. A repetição por si só já basta. Quando a mídia repete algo incansavelmente, diz Lakoff, as conexões neurais ficam mais fortes.
A compreensão da linguagem é obra das conexões neurais, e ativá-las por meio da linguagem (ou repetição de termos) as fortalece. Elas ficam mais aguçadas. “A compreensão de toda e qualquer coisa começa com conexões neurais”, pontua o linguista.
Captura de tela do vídeo do linguista George Lakoff. Palavras-chave em vermelho: mortes, feridos, problemas, serviço. Crédito: George Lakoff/YouTube
O discurso do candidato e a moralidade política são marcados por “metáforas cognitivas”. “Costumamos pensar na nação, metaforicamente, em termos familiares”, afirma Lakoff. Por exemplo, usamos as expressões pais fundadores, pátria e filhos da guerra. O linguista diz que a ideia progressista de vida familiar condiz com a metáfora abrangente do “Genitor Cuidador”, enquanto os conservadores compactuam com o “Pai Severo”."Usar linguagem que ativa processos neurais inconscientes nos faz acreditar, inconscientemente, no que ele diz. Acreditamos naquilo porque aquilo se repete e se torna parte da nossa compreensão"
Segundo a moralidade do “Genitor Cuidador”, as pessoas são acolhidas por auxílios comunitários (previdência, um salário mínimo mais alto etc.), ao passo que a moralidade do “Pai Severo” defende que, com autodisciplina e trabalho duro, cada um é capaz de cuidar de si. O “Pai Severo” implica respeito às autoridades e hierarquias sociais (os pais acima dos filhos, com base na ideia de que os pais sempre estão certos, escreveu Lakoff, e em muitos cenários, isso se estende para qualquer autoridade que exerça poder sobre uma não-autoridade).
A política de Trump se encaixa na moralidade do “Pai Severo”, de acordo com Lakoff, e isso atrai os conservadores. Qualquer pessoa que discorde de uma figura paterna de autoridade está errada ou é imoral. Então, se partirmos do princípio de que imoralidade é ilegalidade, em termos políticos, a repetição de “maldita Hillary” por parte de Trump a coloca no papel de inimiga do estado, uma infratora — ele retrata Clinton como uma vigarista, incitando as conexões neurais a associar os conceitos “Clinton” e “vigarista”. Isso se chama enquadramento cognitivo.
Ele faz a mesma coisa com muçulmanos. Ao exagerar a verdade, trazendo sempre à tona a ameaça dos “terroristas islâmicos radicais”, ele fortalece as conexões neurais entre “Islã” e “terrorismo” — “muçulmanos” e “terroristas”, portanto, viram parte de um mesmo quadro conceitual, lógica à parte.
Cerca de 98% dos pensamentos são inconscientes. “Trump está aproveitando o nosso inconsciente contra nós, a seu bel prazer”, disse Lakoff. “Usar uma linguagem que ativa processos neurais inconscientes nos faz acreditar, inconscientemente, no que ele diz. Acreditamos naquilo porque aquilo se repete e se torna parte da nossa compreensão. Por isso que é tão perigoso.”
Tradução: Stephanie Fernandes
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