Vida e morte duelam num dia para a História
“Enquanto Jorge Mario Bergoglio celebra a vida, no maior país católico do globo, um falso pastor insiste em conduzir seu povo à morte”, escreve Cappelli, referindo-se ao presidente Jair Messias Bolsonaro.
Segundo o articulista, Bolsonaro tenta criar uma contradição entre quem defende a economia e quem quer proteger vidas. “Um diversionismo rasteiro com o objetivo de esconder o que realmente o move: o desprezo pelo próximo.”
“Protegidos dentro de seus carros e escritórios luxuosos, uma elite escravocrata tenta empurrar milhares de prisioneiros da fome para dentro do navio negreiro”, critica Ricardo Cappelli aqueles que fizeram hoje carreata pelo fim do isolamento social.
“A Casa Grande têm plena consciência do fato de que na travessia do Atlântico a maioria dos acorrentados será assassinada pela doença”, afirma.
Leia a íntegra do artigo de Ricardo Cappelli:
Vida e morte duelam num dia para a História
Ricardo Cappelli*
A imagem de Jorge Mario Bergoglio sozinho, de pé, fazendo uma oração para a Praça de São Pedro vazia foi daquelas de arrepiar até o mais cético dos ateus. Mais de dois mil anos de história falaram pela boca do Papa argentino. Palavras simples e profundas do homem que promoveu o reencontro da Igreja com os mais pobres.
Os feixes de luz do Vaticano pareciam iluminar as almas dos 9.134 italianos mortos por uma pandemia que insiste em desafiar o mundo. Até as estátuas da gloriosa praça choraram. Na praça dos fiéis, um gigante vestido de branco confortou as famílias despedaças pelas perdas irreparáveis.
Na falta de lideranças políticas que inspirem o planeta, coube ao Papa Francisco a emissão de palavras que calaram fundo. Um alerta às nações sobre o verdadeiro sentido de nossa existência.
A energia emanada de Roma envolveu especialmente Milão, cidade italiana que concentra um grande número de óbitos. Os milaneses subestimaram o perigo. No início da crise lançaram a campanha “Milão não para”.
Estão pagando pelo pecado da ganância com despedidas dramáticas de seus entes mais queridos. Impossibilitados de se aproximar dos hospitais, despedem-se de familiares através de ligações de vídeo feitas por médicos para seus celulares.
Não há velório. Após a morte por asfixia os corpos são encaminhados para caminhões do exército que os levam para crematórios. A tela do celular comprado enquanto a metrópole não parou é fria. Não é possível tocar uma pessoa ou sentir o calor através dela. A impotência e a solidão do último adeus atormentam os corações.
Enquanto Jorge Mario Bergoglio celebra a vida, no maior país católico do globo, um falso pastor insiste em conduzir seu povo à morte.
Bolsonaro tenta criar uma contradição entre quem defende a economia e quem quer proteger vidas. Um diversionismo rasteiro com o objetivo de esconder o que realmente o move: o desprezo pelo próximo.
Protegidos dentro de seus carros e escritórios luxuosos, uma elite escravocrata tenta empurrar milhares de prisioneiros da fome para dentro do navio negreiro. A Casa Grande têm plena consciência do fato de que na travessia do Atlântico a maioria dos acorrentados será assassinada pela doença.
O mundo já indicou o caminho. Salvar vidas e a economia ao mesmo tempo. O dinheiro, um papel que não passa de uma convenção coletiva, um contrato social que viabiliza a vida em sociedade, não teria nenhum sentido se não se prestasse a esta missão: proteger da doença e salvar vidas humanas da fome.
O reducionismo maniqueísta ganha ares de excelência quando a estupidez procura desorientar a nação. É simples. Vida ou morte, de que lado você está? Aproveite o tempo em casa para refletir. Cuide de si, dos seus e do próximo. Declare amor à humanidade. Fique em casa.
*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999.
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