terça-feira, 31 de março de 2020

ANOS DE CHUMBO - Ditadura não pode ser esquecida.

Golpe de 64: Ex-presos políticos rechaçam nota das Forças Armadas


31/03/2020 - 15h45

por Lúcia Rodrigues*
A cúpula das Forças Armadas divulgou ontem, 30/03, véspera do aniversário de 56 anos do golpe militar, um documento intitulado Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964 (na íntegra, aqui).
“O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. O Brasil reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época”, diz o primeiro parágrafo da nota.
O texto é assinado pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e pelos comandantes do Exército, general Edson Leal Pujol, da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior, e da  Aeronáutica, tenente brigadeiro do ar Antonio Carlos Moretti Bermudez.
Em nenhum momento, os militares usam a palavra comunismo, mas ela está presente, escamoteada, em várias passagens do documento, como estas:
“Ingredientes utópicos embalavam sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas, engôdos que atraíam até os bem-intencionados”.
“Os países que cederam às promessas de sonhos utópicos ainda lutam para recuperar a liberdade, a prosperidade, as desigualdades e a civilidade que rege as nações livres”.
“A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram. As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis”.
“O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou”.
O surrado discurso de que o golpe foi uma reação contra os comunistas é vociferado até hoje pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.
O ex-presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Adriano Diogo, recebeu a nota das Forças Armadas com indignação:
Hoje já vivemos um novo período de exceção. Essa ordem do dia só confirma isso. Estamos debaixo de um novo regime militar, sob uma nova ditadura”.
Ele ressalta que Bolsonaro e os militares também tentam esconder os riscos da pandemia de coronavírus, como fizeram os generais em 1974 com a epidemia de meningite.
À época, os militares tentaram negar a doença e esconderam o número de vítimas.
“Os crimes e atrocidades cometidos durante os 21 anos da ditadura militar não foram averiguados. E voltaram de novo. Hoje já vivemos um período de exceção.”
Ele lamenta que a história do Brasil, em que milhares de cidadãos foram presos, torturados e assassinados pelo regime, não seja conhecida pela maioria dos brasileiros.
“Durante 56 anos essa história não foi contada.”
A ex-presa política e militante feminista Maria Amélia Teles, a Amelinha, concorda com o ex-presidente da Comissão da Verdade de São Paulo e lamenta a ocultação da história:
“Mesmo com a Comissão da Verdade a história do que aconteceu durante a ditadura não foi contada. Existe uma censura não explícita. É uma censura velada”.
Ela foi torturada pessoalmente pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo de Bolsonaro.
Os filhos de Amelinha, à época um menino de 4 anos e uma menina, de 5, foram levados por Ustra para vê-la arrebentada pela tortura.
“Os militares cometeram crimes de lesa humanidade, até hoje não foram julgados. O 31 de março de 1964 é a data do retrocesso. Um dia de triste lembrança. Um período de obscurantismo”, enfatiza.
O ex-senador da Itália José Luiz Del Roio também rechaça o texto divulgado pelo comando das Forças Armadas:
“Se a Constituição tivesse sido respeitada em abril de 1964, teríamos tido a grande chance de ter um desenvolvimento endógeno e independente. E hoje seriamos uma grande potência, respeitada e decisiva para os destinos mais equilibrados da humanidade”.
A própria história brasileira desmascara a falácia montada pelos militares durante a ditadura e repetida a exaustão até hoje por fanáticos de extrema-direita.
A ALN, a Ação Libertadora Nacional, de Carlos Marighella, organização de luta armada contra a ditadura e a qual Del Roio viria a integrar como dirigente, só surgiria em 1968.
Seminário sobre ditadura
Para rechaçar o golpe militar, ativistas de direitos humanos, ex-presos políticos e procuradores da República participam de um debate sobre os 56 anos do golpe de 64 e suas consequências para o Brasil.
O evento será transmitido pela internet. Essa foi a forma encontrada pelos organizadores para marcar a data e evitar atos como os realizados, em anos anteriores no antigo DOI-Codi e pela Caminhada do Silêncio, que reúnem milhares de pessoas.
O debate desta terça-feira, 31, será transmitido a partir das 18h pelas plataformas digitais e poderá ser acessado de qualquer parte do mundo nos seguintes endereços:
https://www.facebook.com/movimentovozesdosilencio
https://www.facebook.com/events/2614961008779956/
https://vozesdosilencio.com/
Os organizadores também pedem que a população suba a hashtag #DitaduraNuncaMais nas redes sociais e coloque um pano preto nas janelas como forma de protesto contra o golpe.
*Lúcia Rodrigues é jornalista e formada em Ciências Sociais pela USP.

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