Carlos Augusto de Araujo Dória, 82 anos, economista, nacionalista, socialista, lulista, budista, gaitista, blogueiro, espírita, membro da Igreja Messiânica, tricolor, anistiado político, ex-empregado da Petrobras. Um defensor da justiça social, da preservação do meio ambiente, da Petrobras e das causas nacionalistas.
domingo, 31 de janeiro de 2021
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sábado, 30 de janeiro de 2021
COVID 19: Quebra de patentes.
Quebra de patentes: o trem que o Brasil está perdendo
Rastejante, diplomacia de Bolsonaro sabotou esforços dos BRICs para que toda a população mundial tivesse acesso às vacinas. Sociedade paga o preço: além aceitar dependência, país confrontou aliados que poderiam protegê-lo
Por Leonardo Foletto, no blog BaixaCultura
Estamos chegando a quase um ano de pandemia e uma pergunta ainda não foi respondida: por que não estamos discutindo intensamente a quebra compulsória de patentes para as vacinas contra a covid-19? Por que não estamos falando de flexibilização de direitos de propriedade intelectual em equipamentos/produtos que auxiliam o combate à pandemia ou ao acesso à literatura acadêmica que possibilita o avanço de pesquisas científicas que estudem o novo coronavírus e suas implicações?
A quebra de patentes poderia possibilitar a produção descentralizada das vacinas e desmistificar seu processo de produção, uma vez que seu código é aberto e pode ser visto e remixado por qualquer um*. Poderia, também, dar um impulso à produção de produtos como ventiladores, máscaras e equipamentos de proteção usados na prevenção e no tratamento da covid-19. Já a flexibilização de licenças de direito autoral na produção de conhecimento espalharia a informação científica, especialmente para aquelas pessoas – notadamente pesquisadoras/es do Sul Global – que têm menos possibilidade de pagar por acesso a livros e revistas científicas caras.
Cabe dizer que, se não estamos discutindo como deveríamos, há algumas ações. Já falamos em nossa newsletter que o Creative Commons puxou uma proposta global de liberar as patentes das tecnologias e medicamentos ligados ao tratamento da Covid, chamada Open Covid Pledge, que já obteve bons resultados no licenciamento aberto de produtos.
Mas duas situações recentes sugerem que, mesmo em uma pandemia, o lucro ainda parece prevalecer ante à saúde da população e o livre acesso ao conhecimento.
Quebra de patentes durante a pandemia
Em setembro de 2020, a Organização Mundial do Comércio (OMC) debateu uma proposta da Índia e África do Sul, depois apoiada pela China, sobre a quebra temporária das patentes de todas as tecnologias de saúde necessárias ao enfrentamento da pandemia. O argumento foi o que nos soa óbvio: deve prevalecer a proteção da saúde da população durante uma pandemia e de que o conhecimento envolvendo o combate à doença deve circular, e não ficar preso em propriedades intelectuais. Nas palavras de Mustaqeem De Gama, conselheiro da Missão Permanente da África do Sul (chamada MSF) junto à OMC, que ajudou a redigir a proposta: “O que essa proposta de renúncia faz é abrir espaço para mais colaboração, para transferência de tecnologia e para que mais produtores venham para garantir que tenhamos escalabilidade em um período de tempo muito mais curto”.
Dezenas de países de renda baixa e média (em inglês, Low-income and middle-income countries LMICs) apoiam a proposta. Mas o Brasil – que já foi vanguarda nessa discussão com a quebra de patentes dos medicamentos contra a AIDS, em 2001, com o então ministro da Saúde José Serra – e alguns países ditos desenvolvidos não. Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Noruega e a União Européia rejeitaram a proposta argumentando que o sistema de propriedade intelectual é necessário para incentivar novas invenções de vacinas, diagnósticos e tratamentos, que podem secar em sua ausência. Eles negaram a alegação de que a propriedade intelectual é uma barreira ao acesso dizendo que o acesso igualitário pode ser alcançado por meio de licenciamento voluntário, acordos de transferência de tecnologia e um compromisso assumido perante o mercado (!) por financiadores ou doadores para vacinas. Para estes países, quebra de patentes é a abordagem errada para a produção de vacinas porque vacinas “são produtos biológicos complexos em que as principais barreiras são as instalações de produção, a infraestrutura e o know-how, não a propriedade intelectual”, afirmou o norueguês John-Arne Røttingen, que preside a Solidarity Trial of COVID-19 treatments, iniciativa que ajuda a encontrar um tratamento eficaz para COVID-19, lançado pela Organização Mundial da Saúde e parceiros.
Em uma das duas reuniões na OMC no fim do ano passado, um porta-voz da União Europeia disse: “não há evidências de que os direitos de propriedade intelectual dificultam o acesso a medicamentos e tecnologias relacionadas ao COVID-19”. Na mesma ocasião, o governo do Reino Unido declarou: “o mundo precisa urgentemente de acesso a esses novos produtos para combater a pandemia, razão pela qual um sistema de propriedade multilateral forte e robusto que possa enfrentar esse desafio é vital”. Reino Unido e União Européia são dois dos maiores financiadores do COVAX (The COVID-19 Vaccines Global Access Facility), iniciativa de colaboração global que apoia a pesquisa e o desenvolvimento de novas vacinas, com investimentos e negociação de preços com empresas farmacêuticas. A meta da COVAX é ter 2 bilhões de doses para distribuir até o final de 2021, o que deve ser suficiente para ajudar os países (membros e doadores) a vacinar 20% de suas populações. Para os países que ficam de fora, a meta mal chega a 3% da população, segundo informação do The Conversation.
A argumentação técnica de que as vacinas são complexas demais para se produzir e quebrar as patentes não ajudaria esconde preconceito e perversidade. É lógico que produzir uma vacina é um processo custoso, que envolve muitas informações, processos e amostras biológicas, linhas de células ou bactérias, que, para serem comprovadas pelas agências reguladoras científicas, precisam ser testadas em diferentes situações com bons resultados, como a ciência nos ensina desde o século XIX. Mas, em se tratando de uma pandemia que já chegou a casa do milhão de mortes, qual o problema de também se quebrar patentes? Liberar a patente não vai fazer com que qualquer um produza vacinas; os mesmos critérios de validação da ciência também valem sem patentes, assim como também vale sem patentes a fiscalização das agências reguladoras como a brasileira Anvisa, por exemplo. Como afirmou Yuanqiong Hu, conselheiro na área legal e de políticas da MSF, não é uma questão de “ou / ou”, mas de “E/ E”. “Os governos precisam de um pacote completo de kits de ferramentas, incluindo acordos de transferência de tecnologia e medidas legais, como a proibição de patentes”.
Vale lembrar também que, segundo as regras internacionais da OMC chamadas TRIPS (sigla em inglês para “Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio”), a possibilidade da quebra de patentes é restrita aos países em desenvolvimento – em anos anteriores, as regras do tratado foram usadas inclusive pelo Brasil, como mostra esse artigo científico de 2020 no Journal of International Business Policy. Portanto, a quebra de patentes ainda não afetaria tanto o lucro das farmacêuticas, em sua maior parte obtido na venda de produtos para os Estados Unidos e a União Européia, como exemplifica esse gráfico das receitas da Pfizer, uma das principais empresas mundiais na área.
Em defesa pela quebra de patentes, a missão liderada pela África do Sul e a Índia na OMC trouxe exemplos de como a propriedade intelectual tem criado barreiras ao acesso a medicamentos e à vacinas no mundo. Citou a batalha legal na Índia entre Médicos Sem Fronteiras e Pfizer sobre sua vacina pneumocócica, onde uma patente bloqueou o desenvolvimento de versões alternativas do imunizante. Na Coréia do Sul, a Pfizer processou a SK Bioscience, que havia desenvolvido uma vacina pneumocócica conjugada, forçando o desenvolvedor coreano a encerrar a produção de PCV-13. A missão sul-africana/indiana argumentou ainda, segundo o artigo de Ann Danaiya Usher no periódico Lancet, que uma situação semelhante surgirá com as vacinas contra a COVID-19, a menos que sejam tomadas medidas para lidar com as barreiras de propriedade intelectual. Pode ocorrer também outro problema ainda mais grave: não ter vacinas para todos, como o representante indiano na OMC falou em reunião fechada nesta última semana, principalmente devido à falta de imunizantes, componente essencial da vacina e que poderia ser produzido em diferentes lugares se houvesse a quebra de patentes.
Embora a missão não tenha tido sucesso ainda, há a expectativa de levar a questão ao Conselho Geral da OMC e estimular um debate mais amplo sobre questões de saúde pública. Como afirma o conselheiro da missão, Mustageem De Gama: “Percebemos que essa renúncia [da discussão] não é uma bala de prata. A COVID provou que o sistema de propriedade intelectual não funciona. Não foi projetado para lidar com pandemias. Tenho esperanças que isso nos colocará no caminho para falar sobre como reformar o sistema de propriedade intelectual para reagir às necessidades das pessoas dos países membros. Porque esta não é a única pandemia que enfrentaremos.”
Fechamento do conhecimento científico sobre a covid-19
A segunda situação ocorreu no final de 2020. No dia 21 de dezembro, as editoras científicas Elsevier, Wiley e American Chemical Society ajuizaram uma ação na Alta Corte de Nova Déli, na Índia, pedindo que os provedores de internet bloqueassem o Sci-Hub e a Libgen, sites que disponibilizam livremente o acesso a livros e artigos acadêmicos protegidos por paywall. A acusação era de que as plataformas violavam os direitos autorais em grande escala e que, devido à natureza das plataformas (conhecidas como “Pirate Bay da Ciência”), o bloqueio de acesso pelos provedores de internet seria a única solução eficaz disponível. Segundo informações do Torrent Freak, a ação, de 2.169 páginas, foi recebida pelo Sci-Hub, que, com pouquíssimo tempo para a avaliação, solicitou uma prorrogação, garantindo ao tribunal (pdf) que “nenhum novo artigo ou publicação, em que os demandantes têm direitos autorais, seria inserido”. O juiz presidente da Corte ouviu os apelos e concordou que um atraso para permitir uma análise mais detalhada seria apropriado. Com mais tempo para responder, o Sci-Hub começou uma campanha para angariar apoio entre pesquisadores, acadêmicos e cientistas – entre eles a Breakthrough Science Society, organização científica indiana, que manifestou apoio em uma nota pública que denuncia o jeito de operar de editoras acadêmicas como a Elsevier:
“Editores internacionais (como a Elsevier) criaram um modelo de negócios no qual tratam o conhecimento criado por pesquisas acadêmicas financiadas pelo dinheiro dos contribuintes como sua propriedade privada. Aqueles que produzem esse conhecimento – os autores e revisores de artigos de pesquisa – não são pagos e, ainda assim, essas editoras ganham bilhões de dólares com a venda de assinaturas para bibliotecas em todo o mundo a taxas exorbitantemente infladas que a maioria das bibliotecas institucionais na Índia, e até mesmo em países desenvolvidos, não podem pagar. Sem uma assinatura, um pesquisador tem que pagar entre US$ 30 e US$ 50 para fazer o download de cada artigo, o que a maioria dos pesquisadores indianos não pode pagar. Em vez de facilitar o fluxo de informações de pesquisa, essas empresas o estão restringindo.”
Como disse Alexandre Abdo, pesquisador no laboratório LISIS-IFRIS em Paris e facilitador da rede Ciência Aberta, as editoras Elsevier, Wiley e a American Chemical Society decidiram que o meio da pandemia de Covid-19 é o momento acertado para entrar com uma ação para bloquear o Sci-Hub num país pobre e vulnerável. O agravante vem em vários sentidos pois, segundo Abdo, “cientistas precisam de acesso à literatura mais do que nunca para lidar com a crise; médicos nem se fala, e a maioria das instituições de saúde não tem como pagar acesso; muitos pesquisadores estão em home-office, de forma que mesmo quem teria acesso pela universidade está com esse acesso dificultado, se não impossibilitado; grandes números de grupos cidadãos mobilizados para contribuir aos esforços científicos dependem do Sci-Hub; para não falar de cidadãos buscando se manterem informados e melhor combater falsidades”.
O Twitter do Sci-Hub, com mais de 187 mil seguidores, estava sendo usada pela criadora do site, Alexandra Elbakyan, para receber declarações de apoio da comunidade científica para o processo contra as editoras. Mas, no dia 8 de janeiro deste 2021, a rede social suspendeu a conta do Sci-Hub. O motivo está relacionado à “política de falsificação” do Twitter, uma verdadeira caixa-preta: não lista nenhum pedido de remoção concreto, mas simplesmente menciona a violação da política e o fato de que sua decisão não pode ser apelada. “Sua conta foi permanentemente suspensa devido a uma violação das políticas do Twitter, em particular a “Counterfeit policy” [Política de falsificação].Esta decisão não está sujeita a apelação”, escreveu o Twitter para a Sci-Hub, segundo o Torrent Freak. Vale lembrar que, nessa mesma semana, o Twitter também suspendeu a conta de Donald Trump, por incitar violência nos protestos do Capitólio – depois de anos de mentiras espalhadas e violação sistemática dos Termos de Conduta da plataforma.
Voltamos às perguntas que abrem esse texto: Por que não estamos discutindo a quebra compulsória de patentes para as vacinas contra a covid-19? Por que não falamos da flexibilização de direitos de propriedade intelectual ou do livre e amplo acesso ao conhecimento em meio a pandemia?
A primeira resposta que surge a ambas é até óbvia: porque não interessa aos países desenvolvidos e à indústria farmacêutica, que vão lucrar muito com as vacinas – seja em iniciativas de aceleração como a COVAX ou em vendas à países mais pobres do sul global. As editoras científicas predatórias como a Elsevier também vão lucrar (já estão) com a produção acadêmica global, potencializada pelo desejo coletivo de buscar entender melhor esse micro ser tão mortal. Como sabemos, a desigualdade – social, política, econômica, informacional – é um projeto que se perpetua porque poucos enriquecem ao custo da exploração de muitos, e aqui está mais um exemplo cristalino, caso algum lapso de otimismo nos faça esquecer de como funciona o capitalismo.
A segunda resposta não é tão óbvia. Desde sua invenção, no século XVIII, a partir dos primeiros copyrights ingleses e dos direitos de autor francês, a propriedade intelectual se consolidou de tal forma que hoje, três séculos depois, ela se parece ter se transformado no único sistema de mediação de posse legal entre o ser humano e suas invenções. Naturalizamos a tal ponto a existência de uma propriedade intelectual que temos dificuldade de imaginar possibilidades que não sejam dentro da propriedade. O fato de pouco falarmos sobre alternativas (ou de suspensão) da propriedade intelectual em meio à pandemia indica uma derrota como humanidade: aceitamos o pensamento dominante de que, de fato, o direito de quem produz as vacinas é maior do que o acesso a ela; que quem faz algo complexo como uma vacina deve, em primeiro lugar, receber pelo trabalho, e só em segundo lugar, o acesso a este produto deve ser público e gratuito, amplo e irrestrito. Que o direito à propriedade é maior que o direito à vida.
O fracasso das tentativas de discutirmos, como opção real e coletiva, a suspensão completa da propriedade intelectual de produtos de claro benefício coletivo como as vacinas parece ser também reflexo da aceitação desse destino do fim (do mundo, não do capitalismo informacional do século XXI). Diz muito também sobre nossas escolhas destrutivas enquanto humanidade. Se, como afirmou Franco Berardi “Bifo” em entrevista ao The Intercept Brasil, “ou fundamos uma nova sociedade ou acabaremos com a espécie humana”, parece mais claro, depois da pandemia do novo coronavírus, que essa sociedade só será possível se não existir propriedade intelectual.
Leonardo Foletto
[Com informações e colaboração de The Lancet, InternetLab, Ciência Aberta, Alexandre Abdo, André Houang, Elias Maroso e Tatiana Dias]
*O texto da patente é, a princípio, acessível num registro de patentes. O que a quebra permitiria é o uso efetivo, a adaptação e o aprimoramento, além da produção por um número maior de atores.
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Transconselhos: retomar luta por democracia participativa
Em quatro anos, Temer e Bolsonaro fecharam ou deformaram mais de 50 órgãos coletivos, que elaboravam políticas públicas ou controlavam poder de Estado. Avança hoje, no Fórum Social Mundial, ação para retomar e ampliar experiência
Publicado 27/01/2021 às 11:36 - Atualizado 27/01/2021 às 11:51
Por Milena Franceschinelli, Babi Maués e André Leirner
MAIS:
TRANSCONSELHOS — A potência dos Conselhos Participativos do Brasil
Oficina no Fórum Social Mundial (virtual) 2021
Quarta-feira, 27/1, às 17h
Assista Aqui: https://www.youtube.com/watch?v=m75LL8UPE-s&ab_channel=WorldSocialForumTV
Talvez você desconheça todo o poder e capilaridade dos Conselhos e até desconsidere toda essa imensa potência democrática. A democracia do Brasil é referência, mesmo com todos os seus gigantescos desafios. Com esse solo fértil e castigado, nosso convite, aqui, é o de transcender, ir além da barbárie antidemocrática ou do comodismo do ponto que havíamos parado na construção da soberania popular. Transconselhos é convite em brasa.
Os conselhos estão presentes na vida cívica de 100% dos municípios brasileiros. São 60mil espaços permanentes de evolução da cultura democrática. Milhões de voluntários dedicados. Sim, somos milhões. E temos ainda uma infinidade de conselhos gestores e instituições públicas de ensino, das unidades básicas de saúde, unidades de conservação do meio ambiente, comitês de bacias. O Brasil tem uma das maiores e mais longas experiências de controle social da democracia do mundo.
Os conselhos são o espaço de encontro tão pedido além e com os partidos. Transconselhos é a união desse rizoma, mesmo que por imaginação. Seus milhões de conselheirxs, são protagonistas, partícipes das políticas criadas, executadas em colaboração com o poder executivo. Temos muito mais conselheiros voluntários em atuação do que vereadores no País.
Os mecanismos de controle social devem ser ampliados para os outros poderes. O judiciário é o mais fechado. O legislativo pode e deve pensar formas de fomentar os conselhos, chamando a atenção da sociedade civil e despertando o interesse em exercer a cidadania ativa.
O Ministério Público é central para o aprofundamento da participação social e seu efetivo poder. Transconselhos significa pensar soluções para as vulnerabilidades da consolidação e evolução dos mecanismos de controle e colaboração social. É questionar a quem privilegia a paridade dos conselhos. É pensar na diversidade de acesso, questionar as cadeiras marcadas, a ausência de eleições dos conselhos e indicações de membros por quem deveria ser alvo do controle social. É garantir visibilidade e educação para participação social. É ampliar o envolvimento do terceiro setor, e também ressuscitar o Sistema Nacional de Participação Social, reforçando seu caráter plural, participativo e democrático, com força de lei para que este não seja morto ou fique novamente, gravemente ferido como fez o atual desgoverno. É também, por fim, construir inteligência social coletiva por meio da instrumentação e articulação complexa dos conselhos, e da sua contraparte social participativa.
Publicado em 23 de maio de 2014, o Decreto 8243 instituiu a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social, que nasceu sob o calor das conturbadas eleições e das jornadas de junho de 2013.
Alvo de ataques incisivos por parte da Câmara de Deputados, taxado de “bolivariano”, “ o debate ao redor da PNPS e o tom exacerbado das críticas a ela, tudo isso, se bem analisado, esboça um retrato amplo da saúde da democracia brasileira, como já apontavam os pesquisadores José Szwako e Adrian Gurza Lavalle na apresentação da entrevista respondida por Pedro Pontual a respeito do processo de criação das bases a PNPS.
O diagnóstico dos doutores estava correto. A doente democracia passava a ser desacreditada, atacada de todas as formas e poderes. Como um ataque vital e sintomático passou despercebido por grande parte da população?
A nossa “jovem democracia”, bela, recatada e do lar, sofre por falta de tempo de experiência dos brasileiros em fomentar sua cultura de participação social? Os conselhos, a nossa democracia participativa são perigosos para quem ?
A PNPS deitou na gaveta esplêndida no governo pós golpe. E foi iniciado o desmonte. Michel Temer (MDB) publicou o decreto 9.076/2017, que transfere atribuições do ConCidades ao Ministério das Cidades. A partir de agora a pasta pode, por exemplo, editar novo regimento e convocar a conferência sem consultar o conselho. Na prática é um cala a boca da sociedade civil do Brasil. Cadê o Conselho Nacional das Cidades? Ninguém sabe, ninguém viu.
Invisibilidade crônica é outro sintoma da doente democracia participativa brasileira. Em 1911 o Brasil já contava com o Conselho Nacional de Educação, o mais antigo colegiado brasileiro deste tipo. Em abril de 2021 esse espaço de luta pelo acesso universal à Educação completa 110 anos e passa quase sem comemorações. Criado pelo decreto n. 8.659, o Conselho Superior de Ensino é um marco no processo democrático. E como toda instituição democrática no Brasil sofreu mais ou menos ataques durante seu desenvolvimento. O mais recente ataque sofrido por uma instituição democrática ligada a educação foi perpetrado pelo governo Temer por seu então ministro da Educação, Mendonça Filho através da Portaria No 577, de 27 de abril de 2017, que revogou as portarias anteriores e alterou composição do Fórum Nacional de Educação e, na prática, dissolveu a entidade sem diálogo e desrespeito total as normas vigentes na ocasião. E não parou por aí. No caso do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), acabou com orçamento, e chegou até a total extinção, ocorrida com o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) .
Temer apontou um norte para desarticular a frágil estrutura do controle social e seus decretos.
O governo Bolsonaro inicia com a Medida Provisória no 870 promulgada no dia 1º de Janeiro de 2019. Entre outras coisas, resolve extinguir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), órgão de extrema importância para a construção histórica de políticas públicas centradas no combate à fome, promoção da SAN, e não violação do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). E claro, no combate ao uso dos agrotóxicos e na luta por comida de verdade, pelo incentivo da agricultura familiar.
Quem foi beneficiado pela extinção do CONSEA? Às vezes a melhor forma de identificar uma fragilidade é demonstrada através da facilidade em ser destruído. O sacrifício ocorrido no caso da conselheira por um dia, Ilona Sabó é exemplo para muitas questões. Conselheiros têm garantia e proteção aos seus mandatos? Quais Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais têm autonomia e eleições para escolher seus conselheiros? O poder de consulta e deliberação é assegurado e acompanhado de perto pelo Judiciário e Ministério Público?
Nessa linha de expor nossa fragilidade para pensar em ações de fortalecimento dos mecanismos formais participação social, no mês da mentira, acontece o maior golpe, o AI-5 do controle social, o “Revogaço” – decreto 9759 abril 2019 que com uma canetada extinguiu dezenas de colegiados mesmo afirmando não saber quantos e como seriam impactados. Parte revertida em uma ação no STF está em andamento com pouca pressão e visibilidade diante do seu simbolismo.
E na audácia da imposição de atos por decreto, a boiada precisa passar e com o CONAMA: com a sociedade civil e seus 22 assentos fica impraticável acabar com o meio ambiente. Agora, com apenas 4 assentos, indicados pelo Ministro Sales, tudo passa, até o fim da Resolução 303. Desmonte pouco é bobagem. Decreto 9806, a internação compulsória da democracia participativa que garantia o avanço da proteção do meio ambiente ao qual somos totalmente dependentes.
No dia 7 de maio, por meio do decreto 9.784 de 2019, foi a vez de acabar com 55 colegiados ligados à Casa Civil, entre eles o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CNDES), o famoso “Conselhão”. Um dia antes de o decreto 9.75 começar a valer, em 27 de junho veio mais um covarde golpe: dezenas de decretos foram emitidos de uma só vez, instituindo mudanças em 52 colegiados de áreas as mais diversas, como, por exemplo, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. E mais uma vez com pressão social ou jurídica conquistamos algum recuo por parte dos golpistas.
O Decreto presidencial No 9.926, em julho, que dispõe sobre novas regras para composição do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). A medida retirou os Conselhos profissionais e a sociedade civil do Conad, que passou a ser composto majoritariamente por integrantes governamentais. Deixa clara a estratégia, os que conselhos nacionais criados por lei devem ter sua composição alterada para suprimir o poder de fiscalização e deliberação da sociedade civil. E continua um golpe por Decreto. Retira em setembro de 2019 a participação social do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), principal órgão de defesa do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. E a sociedade civil organiza mais o contra ataque jurídico, campanhas de pressão no congresso.
Resistimos adormecidos, anestesiados. Pandemia. Isolamento. Morte e vida. E do sonho vamos imaginar, retomar e vamos além dos limites impostos anteriormente. Agora temos a experiência da participação social virtual. Estamos mais conscientes de nossas limitações. Precisamos reconhecer toda nossa potência para superar os golpes. A democracia participativa do Brasil precisa ser antifrágil.
Unir e somar as partes todos os Conselhos independente de área temática, nível de atuação — nacional, estadual e municipal. Trocar boas práticas e apoio. Transconselhos alimenta-se da transdisciplinaridade. Edgar Morin, nos presenteia com a seguinte reflexão: “a soma do conhecimento das partes não é suficiente para se conhecer as propriedades do conjunto, pois o todo é maior do que a soma de suas partes. Além disso, quando se toma o todo não se vê a riqueza das qualidades das partes, por ficarem inibidas e virtualizadas, impedidas de expressarem-se em sua
plenitude. Daí que o todo é menor do que a soma de suas partes. As relações das partes com o todo são dinâmicas, portanto, o todo é, ao mesmo tempo, menor e maior que a soma das partes.”
O chamado emana de quem detém o poder, o povo. Retomada da “posse” da democracia cabe a cada um de nós em todos os espaços e frentes democráticas. O verdadeiro contragolpe é a inteligência participativa, social e coletiva. Isso já existe, cabe a nós a construímos no Brasil e torná-la efetiva.
Como Citar:
Lista de parte dos colegiados extintos em 2019
I – Câmara de Políticas de Infraestrutura do Conselho de Governo, instituída pelo Decreto de 21 de março de 2003 ;
II – Comitê Executivo da Câmara de Políticas de Infraestrutura do Conselho de Governo, instituído pelo Decreto de 2 de julho de 2003 ;
III – Câmara de Política Social do Conselho de Governo, instituída pelo Decreto no 4.714, de 30 de maio de 2003;
IV – Comitê Executivo da Câmara de Política Social do Conselho de Governo, instituído pelo Decreto no 4.714, de 2003 ;
V – Câmara de Política de Recursos Naturais do Conselho de Governo, instituída pelo Decreto no 4.792, de 23 de julho de 2003 ;
VI – Comitê Executivo da Câmara de Política de Recursos Naturais do Conselho de Governo, instituído pelo Decreto no 4.792, de 2003 ;
VII – Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional do Conselho de Governo, instituída pelo Decreto no 4.793, de 23 de julho de 2003 ;
VIII – Comitê Executivo da Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, instituído pelo Decreto no 4.793, de 2003 ;
IX – Grupo Técnico para acompanhamento das Metas e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, instituído pelo Decreto de 31 de outubro de 2003 ;
X – Câmara de Política Cultural do Conselho de Governo, instituída pelo Decreto no 4.890, de 21 de novembro de 2003 ;
XI – Comitê Executivo da Câmara de Política Cultural do Conselho de Governo, instituído pelo Decreto no 4.890, de 2003 ;
XII – Comitê de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, instituído pelo Decreto no 4.901, de 26 de novembro de 2003;
XIII – Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, instituído pelo Decreto no 4.901, de 2003 ;
XIV – Grupo Gestor do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, instituído pelo Decreto no 4.901, de 2003 ;
XV – Comissão Executiva Interministerial encarregada da implantação das ações direcionadas à produção e ao uso de óleo vegetal – biodiesel – como fonte alternativa de energia, instituída pelo Decreto de 23 de dezembro de 2003;
XVI – Câmara de Política de Desenvolvimento Econômico do Conselho de Governo, instituída pelo Decreto no 5.142, de 15 de julho de 2004 ;
XVII – Comitê Executivo da Câmara de Política de Desenvolvimento Econômico do Conselho de Governo, instituído pelo Decreto no 5.142, de 2004 ;
XVIII – Câmara de Política Econômica do Conselho de Governo, instituída pelas disposições do Decreto no 5.143, de 15 de julho de 2004 ;
XIX – Comitê Executivo da Câmara de Política Econômica, instituído pelo Decreto no 5.143, de 2004 ;
XX – Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal, instituído pelo Decreto no 5.385, de 4 de março de 2005 ;
XXI – Comissão Técnica das Parcerias Público-Privadas, instituída pelo Decreto n° 5.385, de 2005 ;
XXII – Grupo Executivo do Comitê Gestor das Parcerias Público-Privadas Federal, instituído pelo Decreto no 5.385, de 2005 ;
XXIII – Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, instituído pelo Decreto no 5.390, de 8 de março de 2005 ;
XXIV – Grupo Executivo Interministerial para acompanhar a implementação das ações de competência dos órgãos federais no Arquipélago de Marajó, instituído pelo Decreto de 26 de julho de 2006;
XXV – Comitê Gestor do Programa de Aceleração do Crescimento, instituído pelo Decreto no 6.025, de 22 de janeiro de 2007 ;XXVI – Grupo Executivo do Programa de Aceleração do Crescimento, instituído pelo Decreto no 6.025, de 2007 ;
XXVII – Comitê Nacional de Biotecnologia, instituído pelo Decreto no 6.041, de 8 de fevereiro de 2007 ;
XXVIII – Comitê de Articulação Federativa, instituído pelo Decreto no 6.181, de 3 de agosto de 2007 ;
XXIX – Comitê Executivo do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163 no Trecho Cuiabá/MT – Santarém/PA – Plano BR-163 Sustentável, instituído pelo Decreto no 6.290, de 6 de dezembro de 2007;
XXX – Comitê Gestor Nacional do Programa Territórios da Cidadania, instituído pelo Decreto de 25 de fevereiro de 2008 ;
XXXI – Grupo Interministerial de Execução e Acompanhamento do Programa Territórios da Cidadania, instituído pelo Decreto de 25 de fevereiro de 2008;
XXXII – Grupo Executivo Intergovernamental para a Regularização Fundiária na Amazônia Legal, instituído pelo Decreto de 27 de abril de 2009.
XXXIII – Comitê Gestor do Programa de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, instituído pelo Decreto no 6.868, de 4 de junho de 2009;
XXXIV – Comitê Interministerial TCU, instituído pelo Decreto no 7.153, de 9 de abril de 2010 ;
XXXV – Comitê Gestor do Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil, instituído pelo Decreto no 7.166, de 5 de maio de 2010 ;
XXXVI – Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, instituído pelo Decreto no 7.340, de 21 de outubro de 2010 ;
XXXVII – Comitê Gestor Nacional do Plano Brasil Sem Miséria, instituído pelo Decreto no 7.492, de 2 de junho de 2011 ;
XXXVIII – Grupo Executivo do Plano Brasil Sem Miséria, instituído pelo Decreto no 7.492, de 2011 ;
XXXIX – Grupo Interministerial de Acompanhamento do Plano Brasil sem Miséria, instituído pelo Decreto no 7.492, de 2011 ;
XL – Comitê de Acompanhamento do Programa Minha Casa Minha Vida, instituído pelo Decreto no 7.499, de 16 de junho de 2011 ;
XLI – Comitê Gestor do Plano Viver sem Limite, instituído pelo Decreto no 7.612, de 17 de novembro de 2011;
XLII – Grupo Interministerial de Articulação e Monitoramento do Plano Viver sem Limite, instituído pelo Decreto no 7.612, de 2011 ;
XLIII – Comitê de Acompanhamento e Assessoramento do Programa Ciência sem Fronteiras, instituído pelo Decreto no 7.642, de 13 de dezembro de 2011;
XLIV – Comitê Executivo do Programa Ciência sem Fronteiras, instituído pelo Decreto no 7.642, de 2011 ;
XLV – Mesa Nacional Permanente para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção, instituída pelo Decreto de 1o de março de 2012;
XLVI – Comitê de Gestão Integrada das Ações de Atenção à Saúde e de Segurança Alimentar para a População Indígena, instituído pelo Decreto de 5 de junho de 2012 ;
XLVII – Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, instituída pelo Decreto no 7.794, de 20 de agosto de 2012 ;
XLVIII – Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica – CIAPO, instituída pelo Decreto n° 7.794, de 2012 ;
XLIX – Câmara Técnica do Conselho Interministerial de Estoques Públicos de Alimentos, instituída pelo Decreto no 7.920, de 15 de fevereiro de 2013 ;
L – Conselho Interministerial de Estoques Públicos de Alimentos, instituído pelo Decreto no 7.920, de 2013 ;
LI – Comitê Gestor do Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento, instituído pelo Decreto no 8.269, de 25 de junho de 2014 ;
LII – Comitê Técnico do Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento, instituído pelo Decreto no 8.269, de 2014;
LIII – Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social, instituído pelo Decreto no 8.443, de 30 de abril de 2015 ;
LIV – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, regido pelo Decreto no 8.887, de 24 de outubro de 2016 ; e
LV – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, regido pelo Decreto no 9.186, de 1o de novembro de 2017 .
ÍNDIA - O agro é pop.
A grande batalha da Índia contra o Agronegócio
No país com maior população camponesa do mundo, 300 mil acampam e lutam, há dois meses, nos arredores da capital. Governo de ultradireita quer agricultura baseada em lucro e grandes corporações. Eles dizem que outro projeto é possível
Por Stella Paul, na IPS News | Tradução: Simone Paz
“Esta estrada agora é minha casa e decidirá o meu futuro”, disse Sukhvinder Singh, agricultor de 27 anos do distrito de Moga, em Punjab, à IPS News. Em novembro passado, semanas depois de o governo da Índia aprovar três projetos de lei agrícolas que ele considera anticamponsesas, Singh viajou para Singhu, uma vila perto de Delhi, para exigir que as leis fossem revogadas. Desde então, ele mora em uma tenda que divide com outros cinco agricultores manifestantes.
Na noite de domingo, a temperatura caiu para 7°C, mas a voz de Singh soava quente e forte, como se enganasse o frio. “Fazer isto é como passar mais uma noite no campo, protegendo minhas plantações de trigo”, explica.
Atualmente, há cerca de 300 mil agricultores protestando em Singhu, agora transformada em uma cidade de tendas.
Apesar de mobilizados por 32 grupos diferentes, os agricultores estão unidos em sua demanda — uma revogação total das três novas leis:
- a Lei de Comércio (Promoção e Facilitação) de Produtos Agrícolas;
- o Acordo dos Agricultores (Capacitação e Proteção) sobre a Garantia de Preços e Lei de Serviços Agrícolas, e
- a Lei de Produtos Essenciais (Emenda)
Nos protestos, explosão do acúmulo de raiva
A manifestação dos camponeses dos arredores de Nova Delhi, começou em 26 de novembro, mas este é um movimento que vem acontecendo há anos.
De acordo com especialistas em alimentos e agricultura, os preços incertos e erráticos, a falta de acesso ao mercado, os baixos retornos, as perdas recorrentes e as dívidas fazem parte da vida de qualquer agricultor médio em qualquer canto do país, incluindo o estado indiano do Punjab, há muito tempo.
Enquanto uma parcela dos especialistas acredita que o Estado deveria assumir a responsabilidade pelo bem-estar dos agricultores e compensá-los por suas perdas, a outra parcela crê que o governo deve apenas abraçar e promover uma política de livre mercado com intervenções e regulamentações mínimas sobre o mercado agrícola.
Até agora, as intervenções do Estado incluem: Preços Mínimos de Apoio (MSPs, na sigla em inglês) — um sistema em que os Estados anunciam esses MSPs para 22 safras antes da época de semeadura. Isso também inclui a aquisição de grãos e leguminosas de agricultores pelo governo, com o fim de administrar a distribuição de alimentos subsidiados aos pobres (sistema PDS); a regulamentação do comércio no atacado com os agricultores; o controle dos estoques com os comerciantes; e o controle das exportações e importações.
As novas políticas agrícolas alinharam-se com os defensores de políticas de livre mercado e adotaram o caminho oposto ao que desejavam os agricultores: aplicação estrita dos MSPs e uma maior intervenção do governo nas compras e no comércio no atacado.
“Os agricultores indianos protestam há muitos anos, mas o país foi incapaz de perceber e lhes dar atenção. Nos últimos anos, produtores de leite derramaram baldes de leite nas ruas e produtores de vegetais esmagarem seus produtos frescos com máquinas agrícolas — tudo como forma de protesto contra os preços voláteis e erráticos que os fazem sofrer perdas, explica Kavitha Kuruganti, uma conhecida ativista da Aliança por Agricultura Sustentável e Holística — ou ASHA, em inglês. “Mas, todas as vezes, o protesto terminava apenas com alguma garantia verbal do governo ou um pedaço de papel prometendo que suas queixas seriam examinadas”, diz Kuruganti.
O que os agricultores querem e o que é oferecido
Na Índia, a compra de produtos dos agricultores no atacado é regulamentada pela Lei do Comitê de Comércio de Produtos Agrícolas (APMC) de 2003. De acordo com a política, as transações no atacado entre agricultores e comerciantes devem ocorrer em um mandi — um pátio de mercado específico. A venda dos produtos sob o escrutínio público trazia um nível de proteção contra fraude em pesos, medidas e preços. Existem centenas de mandis em todo o país, que são governados por um corpo eleito pela autoridade do APMC.
No entanto, com o tempo, esses mercados se tornaram centros de corrupção generalizada, onde um pequeno grupo de agentes de vendas assumiu o controle e influenciou os funcionários da APMC — graças ao seu poder econômico e ligações com os principais partidos políticos. Incapazes de enfrentar esses ditadores de preços, os agricultores não tiveram outra opção a não ser jogar junto e arcar com as perdas.
O governo reconhece que ocorreu uma cartelização e, como solução, está permitindo o surgimento de canais como locais de mercado administrados de forma privada, que podem competir pela produção do agricultor contra os mandis do APMC.
Além disso, os agricultores poderão vender diretamente aos consumidores. Grandes compradores, como empresas que atuam no processamento de alimentos, no varejo em grande escala ou com exportações, também poderão contornar os mercados de atacado e comprar diretamente dos agricultores.
Essas ideias foram uma recomendação da Comissão Swaminathan — um comitê de especialistas encarregado pelo governo, em 2004, de encontrar soluções para os problemas enfrentados pelos agricultores.
No entanto, a Comissão Swaminathan também recomendou MSPs (Preços Mínimos de Apoio) mais altos e regulamentações de proteção aos agricultores, ao assinarem acordos com grandes comerciantes privados. Mas as novas leis não incluem nenhuma dessas recomendações.
Os agricultores temem que, quando os MSPs não forem mais obrigatórios, serão forçados a aceitar qualquer preço oferecido pelas grandes empresas. Os produtores de alimentos também argumentam que não podem nem mesmo transportar seus produtos para o pátio de mercado mais próximo sem sofrer perdas. E questionam como podem alcançar mercados distantes, para lá vender.
O susto dos grandes players
Em dezembro de 2020, com os protestos ganhando força, os agricultores de Punjab derrubaram centenas de torres móveis pertencentes à Reliance Jio Infocomm — a maior rede de serviço celular da Índia. Os manifestantes alvejaram a rede depois de rumores de que grandes corporações como a Reliance Industries, junto com o grupo Adani, estariam entrando no negócio da agricultura sob contrato, praticamente tirando dos agricultores independentes os seus meios de subsistência. Depois que mais de 1.500 torres de telecomunicações da Jio foram danificadas, a empresa finalmente abordou o tribunal e esclareceu em um comunicado que não tinha planos de negócios agrícolas. Mas o medo persiste.
Harmandeep Singh, um agricultor de Tarn Tarn, Punjab, diz: “Hoje eles dizem que não têm planos. Mas amanhã isso pode mudar. Essas empresas são tão ricas que podem comprar qualquer quantidade de terras e nos tirar do mercado. Quem vai impedi-los?”
No entanto, a entrada de grandes corporações na agricultura aconteceu muito antes do governo Modi — claramente pró-corporações — chegar ao poder, como conta Subramaniam Kannaiyan, secretário-geral do Comitê de Coordenação dos Movimentos de Agricultores do Sul da Índia (SICCFM).
“Em 2011, o governo, então com o Partido Congresso, permitiu 100% de investimento estrangeiro em diversos setores da agricultura. Ou seja, as grandes empresas já estavam presentes desde aqueles tempos. Na verdade, desde que aderimos à Organização Mundial do Comércio (OMC), a abertura dos mercados tornou-se inevitável. Contudo, deve haver um equilíbrio e maneiras de apoiar e proteger os pequenos agricultores locais e, para isso, o APMC deve desempenhar um papel mais forte — não ser eliminado”, diz Kannaiyan, que também é membro do movimento global de pequenos agricultores Via Campesina.
No dia 12 de janeiro, a Suprema Corte da Índia formou um comitê, composto por 4 membros, para conduzir as conversações entre o governo e os agricultores e, supostamente, resolver os protestos contra as leis agrícolas. Mas os agricultores rapidamente rejeitaram o comitê e se recusaram a fazer parte dele.
“Quando há um diálogo em andamento entre o governo e os agricultores descontentes, não há absolutamente nenhuma necessidade do Supremo Tribunal assumir um papel mediador, visto que nem o governo nem os líderes sindicais o abordaram para pedir por favor, resolva isso”, diz Kuruganti, que também faz parte da delegação de 41 agricultores que mantém conversas com o governo.
Até agora, já ocorreram 11 rodadas de diálogos que se concentram não só em questões “tecnolegais”, mas também em orientações e implicações políticas — “áreas onde a Suprema Corte não tem um papel a desempenhar”, esclarece Kuruganti, explicando por qua os agricultores não enxergam nenhum mérito em ingressar no comitê de revisão.
“O problema hoje é que, com exceção dos estados Punjab e Haryana, não temos grandes sindicatos de agricultores em nenhum outro lugar deste país”, disse Kannaiyan, do SICCFM.
“Por isso um movimento dessa magnitude só pode ser liderado por agricultores desses estados. Mas nós os apoiamos fortemente em solidariedade.”
Recusando fortemente toda dissuasão
Em 26 de janeiro, a Índia comemorou o Dia da República: data em que a Constituição do país entrou em vigor. A celebração geralmente inclui uma exibição simbólica do poderio militar do país, com a demonstração do armamento nacional.
Mas, nesta semana, o país testemunhou um desfile diferente: uma marcha de tratores, com extensão de 100 quilômetros, organizada pelos manifestantes. O governo tentou impedir o ato por meio de uma ordem judicial, e alguns estados também proibiram a venda de combustível para tratores, mas isso não conseguiu dissuadir os agricultores que estavam determinados a realizar a manifestação. Muitos juraram só voltar para casa apenas depois que as três leis agrícolas fossem revogadas.
Milhares de agricultores marcharam para o histórico Forte Vermelho de Nova Delhi. Houve conflitos entre a polícia e um pequeno número de manifestantes, mas a maioria deles agiu pacificamente. A polícia dispersou a multidão com gás lacrimogêneo e um manifestante morreu quando um trator capotou e caiu sobre ele.
“O governo está tentando mostrar ao mundo que fez um ótimo trabalho na produção de armas. Nós queremos dizer ao mundo que um país não se torna grande fabricando armas, mas respeitando seus agricultores e restaurando sua linha de vida econômica — exatamente, a agricultura que não temos mais hoje”, relata Mandeep Kaur, uma agricultora que detém uma pequena quantidade de terras em Ludhiana, Punjab, e que viajou a Singhu várias vezes nos últimos dois meses para se unir aos protestos.
Na verdade, o Índice de Sustentabilidade Alimentar, desenvolvido pelo Centro de Alimentação e Nutrição Barilla e pela Unidade de Inteligência da revista Economist, classifica a Índia em 4º lugar no geral, atrás da Colômbia e da China, em um ranking de sustentabilidade de países de renda média e maior progresso em relação a meio ambiente, sociedade e economia. São indicadores-chave de desempenho para a agricultura.
Em 22 de janeiro, após a 11ª rodada de discussões, o governo ofereceu atrasar a implementação das leis agrícolas em entre 12 e 18 meses — dando aos agricultores mais tempo para se prepararem. No entanto, os camponeses recusaram-se a aceitar qualquer algo que não fosse a revogação total da legislação. Então, o governo deixou de anunciar datas para novas negociações.
O impasse não conseguiu abalar a postura dos agricultores, mas alguns estão pedindo ao governo que não faça disso uma demonstração de ego.
“Aceitar as demandas dos camponeses e revogar as leis agrícolas não deveria ser visto como uma vitória para os homens do campo ou uma perda para o governo; deve ser visto como uma vitória da democracia”, diz Kuruganthi.
Agricultores de vários estados, incluindo Maharashtra, Madhya Pradesh, Assam, Kerala e Telangana já deram seu apoio ao movimento de protesto.
E neste 27 de janeiro, um dia após o protesto do Dia da República, Kuruganthi diz que “as manifestações continuarão pacificamente”.