sábado, 24 de abril de 2021

Redução da financeirização no mundo.

 

Tecnologia pode ser o canal para a redução da financeirização no mundo, por Luis Nassif

Ainda não foram suficientemente analisados os impactos das moedas digitais emitidas pelos Bancos Centrais (CBDC).

Esse processo se acelerou depois que o Facebook ameaçou lançar uma moeda própria. Ao mesmo tempo, os gigantes de tecnologia – Google, Apple – criaram seus sistemas de pagamento. O movimento foi acompanhado por grandes empresas de varejo digital, como a Alibaba – com sua fintech Ant Group – ou, na América Latina, o Mercado Pago.

A partir daí, os Bancos Centrais resolveram se movimentar e lançar suas próprias moedas digitais.

Havia, de um lado, preocupações de ordem econômica. O Ant Group tem um bilhão de clientes; o Facebook, uma quantidade potencial incalculável. O que ocorreria se essas empresas passassem a processar a maior parte dos pagamentos de seus clientes, ofertando financiamento e mantendo seus saldos de caixa? E o que poderia acontecer se um desses gigantes quebrassem? Bancos Centrais não quebram, porque tem poder de emitir moedas; empresas privadas quebram.

Outras preocupações são em relação à condição dos países menores em manterem políticas cambiais e monetárias.

Mas o ponto central é o de acelerar a desbancarização, processo iniciado com o fenômeno das fintechs.

Desde o século 19, o sistema monetário foi controlado por Bancos Centrais articulando bancos privados. Todos os movimentos dos bancos centrais, de injetar liquidez na economia, passa pela banca privada.

Na última década, essa inevitabilidade foi a principal responsável pela bolha de ativos ou de ações. Com a economia em recessão, injetava-se liquidez diretamente no sistema bancário. Com baixa demanda por crédito, justamente devido à recessão, o dinheiro ficava empoçado. Gradativamente a liquidez ia para jogadas especulativas com ativos, criando as bolhas.

Com isso, o aumento da liquidez não trazia resultados imediatos na recuperação da demanda. Servia exclusivamente para a banda financeira da economia. E, quando as bolhas estouravam, mais uma vez os bancos centrais eram acionados para salvar o setor. Daí o motivo de críticas de economistas desenvolvimentistas à flexibilização monetária, com muito mais consequências sobre bolhas financeiras do que na recuperação da atividade real.

É por isso que todas as consequências inflacionárias das emissões monetárias ocorrem em bolhas de ativos. A financeirização de todos os ativos – alimentos, combustíveis, ativos siderúrgicos – levou a esse modelo viciado: quando há alguma indicação de aumento da demanda, acionam-se gatilhos financeiros e o movimento é potencializado.

Seria muito diferente se o dinheiro caísse diretamente nas mãos dos tomadores finais. Em tempos de incerteza, poderia haver uma fuga para a segurança. Não poucas vezes, momentos de crise levaram a uma preferência por bancos públicos.

O grande trunfo da banca é o controle da última milha – dados e análises do cliente final. Em tese, o BC dispõe de todos os dados, mas apenas para mapear lavagem de dinheiro e a solidez dos bancos.

Com o CBDC, os bancos centrais passarão a ter controle sobre a última milha. E, aí, tiram da banca as principais fontes de receita. Hoje em dia, cobra-se até pela transferência de recursos entre contas.

Outro passo será o pagamento de tarifas públicas, contas de luz, tributos estaduais, municipais etc. Ou mesmo, a montagem de serviços de valor agregado com outros atores, ou do mercado ou fora dele.

Tanto assim, que o sistema financeiro busca maneiras de amenizar futuros problemas, como definir um teto para as participações individuais no CBDC ou restrições a formas de levar serviços de valor agregado ao tomador final. 

À medida em que avance o acesso geral à Internet, transferências sociais não necessitarão da intermediação bancária. Ou seja, haverá uma bancarização sem bancos.

Por enquanto, há uma ligação umbilical entre bancos centrais e banca privada. No caso brasileiro, uma primeira brecha foram as fintechs e, agora, as discussões sobre a moeda digital.

Por outro lado, a financeirização excessiva das últimas décadas está em xeque. Há uma discussão mundial sobre a reversão desse processo. Em algum tempo, essa discussão se refletirá nas bandeiras político-eleitorais dos diversos países.

E, aí, as novas ferramentas digitais terão papel essencial. As transferências sociais prescindirão dos bancos. Haverá condições de se montar modelos de garantias para aportes diretos em empresas. A própria liquidez do mercado poderá ser tratada diretamente com poupadores finais, através da venda direta de títulos públicos.

Enfim, pela primeira vez na história há condições concretas de romper os dutos de canalização do dinheiro para a economia através do sistema bancário.

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