quarta-feira, 31 de agosto de 2022

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O Essencial

Os EUA e a ultra financeirização.

 


Os EUA começam a acordar para a ultra financeirização, por Luis Nassif

Finalmente se chegou a um consenso sobre os efeitos deletérios da financeirização sobre a economia americana.

A aprovação da Lei de Redução da Inflação pelo Congresso americano deflagrou uma ampla discussão sobre seus efeitos.

A Lei dá créditos fiscais e descontos sobre energias renováveis aos consumidores, financiados por tributação adicional de lucros de monopólios considerados “socialmente improdutivos”.

A lógica inicial é ajudar o FED no combate à inflação. Juros altos reduzem a demanda, mas tem pouco impacto sobre choques de oferta. A intenção do IRA, portanto, é baratear os produtos na ponta, reduzindo os impactos dos choques,.

Um segundo objetivo é acelerar a transição para energia renovável. E dará alguma folga no orçamento dos mais pobres para administrar os aumentos de preços, especialmente em saúde, medicamentos e energia.

Mas os especialistas, consultados pelo Instituto para o Novo Pensamento Econômico, julgam que terá que se avançar mais, com investimentos públicos em energia limpa e tecnologia sustentável, eliminação gradual do carvão e proibição de prospecção de combustíveis fósseis.

Outro ponto relevante é obter do Congresso a rescisão da Regra 10b-18, que criou facilidades para empresas de capital aberto recomprar as próprias ações, desviando recursos de pesquisa e inovação.

Esse modelo permitiu que, no período 2011-2020,  a Intel aplicasse 57% do lucro líquido na recompra das ações; a Cisco aplicasse 90%; a GE 155% e a Boeing 126%. Ao mesmo tempo que enriqueciam gestores e acionistas, perdiam vantagem competitiva global na fabricação de semicondutores, 5G, energia eólica e aeronaves comerciais.

As empresas farmacêuticas seguiram o mesmo caminho, confiando na manutenção dos preços elevados de medicamentos. No período 2011-2020, a Pfizer usou 59% do lucro líquido, a J&J 49% e a Merck 73%. 

Agora, a IRA permitirá ao Medicaid (o plano de saúde popular) negociar preços de medicamentos prescritos de alto custo. O que induzirá as empresas farmacêuticas a investirem em pesquisa para obter medicamentos mais eficientes e baratos.

O exemplo da Apple é significativo. Atualmente, ela pode gastar US $2,5 bilhões em recompras por dia de negociação. De outubro de 2012 a junho de 2022, investiu US $529 bilhões em recompras, 96% do lucro líquido, além de US $122 bilhões em dividendos (22%). A única captação que fez no mercado foi de US $97 milhões em seu IPO de 1980.

Com uma pequena parcela desses gastos – segundo William Lazonick, professor emérito de economia da Universidade de Massachusetts e cofundador e presidente da Academic-Industry Research Network – ela poderia ter investido na fabricação de semicondutores avançados, em vez de terceirizar para Taiwan.

Mesmo assim, o IRA previu um imposto de apenas 1% sobre as recompras.

  1. Finalmente se chegou a um consenso sobre os efeitos deletérios da financeirização sobre a economia americana.
  2. Ainda não se formou um pacto político capaz de reduzir drasticamente os vícios do modelo.

O projeto mostra duas coisas:

Enquanto isto, a economia da China continua deslanchando.

Jair foi Jair

 Eliara Santana: Jair foi Jair; Tebet ganhou o debate, e a questão feminina despontou com força

Fotos: Reprodução de redes sociais
DESNUDANDO A MÍDIA 29/08/2022 - 15h10

Eliara Santana: Jair foi Jair; Tebet ganhou o debate, e a questão feminina despontou com força


Por Eliara Santana

Por Eliara Santana*

Em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro ganhou tempo recorde de exposição na TV com o episódio da facada; seus tuítes, do hospital, eram reproduzidos diariamente pelos principais jornais da TV brasileira, JN à frente.

Ele não aparecia falando, só tuitando. Como eu discuti na minha tese, Jair foi beneficiado pela estratégia do silenciamento com viés positivo – ele não aparecia falando porque era grotesco e sem controle, portanto, era mais recomendável, para não impactar o eleitorado, que ele ficasse somente tuitando.

Ontem (28/08), no debate promovido pelo pool de mídia – Band, Folha, Uol e TV Cultura de São Paulo –, Jair, que nunca havia participado de um debate antes e que ganhou a eleição de 2018 sem nunca discutir uma proposta sequer, foi simplesmente Jair.

Apesar de ter começado relativamente sob controle – adestrado, acalmado –, ele foi se descontrolando e mostrou o que de fato é: machista, homofóbico, reacionário, grotesco.

Com algumas pequenas provocações – algumas bem cirúrgicas – o monstro dentro dele se liberta e solta todas as piores coisas imagináveis.

E numa das perguntas, especificamente sobre vacina e desinformação, ele se sentiu “provocado” pela jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura, e soltou totalmente o machismo que está entranhado completamente no capitão.

Perdeu feio, porque o público feminino já descobriu que Jair Bolsonaro é uma ameaça a tudo o que duramente construímos.

Ele é um machista convicto. Ele é misógino. Ele acha mesmo que ter uma filha mulher é um desastre e um castigo, ou pior, uma fraquejada.

Ele acha tudo isso e sempre achou. Só que estava bem blindado, com a conivência da mídia, em 2018.

Silenciaram Jair para que ele não fosse Jair. Mas a blindagem acabou, e ontem, Jair foi desnudado na tela da TV.

Para milhões de eleitoras que já não o apoiam. Segundo a última pesquisa Datafolha, realizada em maio, a rejeição a Bolsonaro entre o público feminino é de 60% na classe mais baixa e de 56% nas duas classes mais altas.

O candidato Ciro Gomes, um pote até aqui de mágoa, perdeu a chance de se mostrar mais propositivo e menos rancoroso. Em sua mágoa incurável do PT, fez até dobradinha com Bolsonaro nas acusações a Lula. Perdeu uma boa chance.

Lula não foi bem nem mal – mostrou-se mediano, orientado para não responder aos ataques e apenas para apresentar propostas.

Estava visivelmente seguindo o script, do qual saiu algumas poucas vezes para bater como sabe fazer.

Avalio que foi uma boa estratégia, porque foge do discurso prontinho da mídia – Lula e Bolsonaro polarizam. Lula não polarizou com ninguém – rebateu algumas coisas de Bolsonaro, tentou afagar Ciro, respondeu às perguntas feitas sem se exaltar.

Os louros da noite foram para Simone Tebet. A senadora, que se cacifou durante a pandemia, teve um bom desempenho – estava calma, relativamente serena, foi dura sem ser grosseira, apresentou algumas propostas e cutucou muito Bolsonaro, especialmente na dobradinha que fez com Soraia Thronicke, candidata do União Brasil.

Como o rompimento da dupla Simone e Simaria, já podemos contar com uma nova: Simone e Soraia.

Tebet foi dura com Jair e suave com Lula – certamente está de olho em Ministério ou Secretaria –, que respondeu com elegância, naquele modo Lula de ser galante e conquistador.

Apenas no final, Simone Tebet foi mordida pela mosca da corrupção e fez aquele discurso terceira via: corrupção de um lado e do outro. Mas acredito que, naquele momento, a jogada casada com Lula já estava evidente.

E para além do protagonismo individual, as falas de Tebet e a reação misógina de Jair colocaram em cena o peso da questão feminina num país machista e misógino como o Brasil.

Em todos os espaços e espectros ideológicos, as mulheres são interditadas, silenciadas, sofrem violência, ganham menos que os homens.

Por isso, a fala do presidente da República agredindo a jornalista Vera Magalhães devia ter sido imediatamente rechaçada e condenada pelo Grupo Bandeirantes, da Band TV, que promovia o debate. Infelizmente, não foi.

O comportamento de Jair Bolsonaro não é aceitável. E a repercussão foi muito ruim, ainda bem.

*Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora do Observatório das Eleições e da Democracia e pesquisadora colaboradora do IEL/Unicamp. Coordenou o curso “Desinformação, Letramento Midiático e Democracia no Brasil”, promovido pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e foi co-coordenadora do I Ciclo de Letramento Midiático do PPGL da Universidade Federal do Rio Grande


Brasil 247

 

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Catar: o que o emirado busca com a Copa.

 

Catar: o que o emirado busca com a Copa

Ao se afastar dos sauditas e se abrir ao Ocidente, Doha usou riqueza do petróleo para criar Al-Jazeera e investir no futebol europeu. Agora terá o megaevento. Mas não tolera liberdades e tentará conter turistas, para não atiçar conservadores

Por Ronny Blaschke para Nueva Sociedad | Tradução: Maurício Ayer

Sinal de rejeição. Durante as semifinais da Copa da Ásia de 2019, espectadores do país anfitrião em Abu Dhabi jogam garrafas e chuteiras na equipe do Catar. Abu Dhabi é a capital dos Emirados Árabes Unidos, uma monarquia rica em petróleo no Golfo Pérsico. Os Emirados Árabes Unidos são um importante parceiro da Arábia Saudita. Ambos os países resistem à crescente influência do Catar.

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Três dias após as semifinais, o Catar venceu o Japão na final e se tornou campeão asiático pela primeira vez. Políticos e autoridades esportivas dos Emirados Árabes Unidos boicotam a cerimônia de premiação. “O futebol é um espelho das tensões no Golfo”, diz Jassim Matar Kunji, ex-goleiro da liga profissional do Catar e agora jornalista da televisão Al Jazeera. “Os contratos de patrocínio entre países foram rescindidos e as transferências de jogadores foram canceladas”.

Em 2017, um antigo conflito no Golfo veio à tona. Na época, a Arábia Saudita impôs um bloqueio econômico ao Catar. Os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito seguiram o exemplo, suspendendo também as relações diplomáticas com Doha. Eles acusaram o Catar de apoiar grupos terroristas e estar muito próximo da Irmandade Muçulmana e do Irã. O Qatar deixou de receber alimentos importados da Arábia Saudita. A companhia aérea estatal Qatar Airways não tinha mais permissão para usar o espaço aéreo saudita.

“Muitos cataris consideraram possível uma invasão da Arábia Saudita”, diz Jassim Matar Kunji. O exército da Arábia Saudita tem cerca de 200 mil soldados, enquanto o do Catar tem 12 mil. Para compensar a inferioridade militar, o Catar está buscando uma elaborada estratégia de soft power: investindo bilhões em cultura, ciência e futebol, com grandes eventos, participações acionárias em clubes ou parcerias como patrocinador com o Paris Saint-Germain ou o FC Bayern de Munique. A organização da Copa do Mundo no final de 2022 é a parte mais importante dessa estratégia.

Até pouco mais de 50 anos atrás, os centros de poder árabes estavam no Cairo, Bagdá e Damasco. Os pequenos emirados da Península Arábica, como Kuwait, Bahrein ou Emirados Árabes Unidos, ainda careciam de relevância. O Catar, o último sob controle britânico, tinha uma população de apenas 100 mil habitantes quando conquistou a independência em 1971 e estava sob a proteção militar da Arábia Saudita. Em 1990, o muito mais poderoso Iraque invadiu o Kuwait, e os Estados Unidos tiveram que intervir para libertá-lo. Os estados menores da região perceberam que seriam claramente inferiores diante de um ataque comparável.

Tradicionalmente, as decisões mais importantes no Qatar eram tomadas por um punhado de pessoas, escreve o cientista político Mehran Kamrava em seu livro Qatar: Small State, Big Politics. Durante décadas, o poder foi ocupado pela dinastia Al Thani, originária da Arábia Saudita. Em 1995, Hamad bin Khalifa Al Thani derrubou seu próprio pai em um golpe sem sangue. Na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos, os governantes temiam que o poder também lhes fosse tirado. 

O Catar no Golfo Pérsico

Por um futuro sem petróleo e gás

O novo emir queria libertar o Catar das garras da Arábia Saudita e iniciou uma modernização. Em meados da década de 1990, ele criou o canal de notícias Al Jazeera e abriu a economia para investidores estrangeiros. Filiais de renomadas universidades dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, foram estabelecidas em Doha.

Com essas medidas, o Catar garantiu contatos na Europa e na América do Norte, mas o soft power ainda não tinha visibilidade global. “Os estados do Golfo querem desenvolver novos ramos da economia. É que suas fontes tradicionais de renda, petróleo e gás, são finitas”, diz Mahfoud Amara, professor de ciências do esporte na Universidade do Qatar em Doha. “O esporte serve como estratégia para divulgar outros setores como turismo, comércio ou transporte”.

A dinastia do Catar construiu uma das maiores academias esportivas do mundo, a Aspire Academy, inaugurada em 2005. Dezenas de competições internacionais são realizadas anualmente em Doha. Em dezembro de 2010, a premiação da Copa do Mundo de 2022 foi manchete em todo o planeta. Pouco depois, o Qatar adquiriu a maioria do Paris Saint-Germain. Além disso, a Qatar Airways tornou-se o primeiro patrocinador de camisas do FC Barcelona. Cada vez mais clubes de elite têm campos de treinamento em Doha.

O Catar investiu mais de 1,5 bilhão de euros no futebol europeu. Na Alemanha, Inglaterra ou França, a gestão financeira recebe críticas; afinal, proprietário e patrocinador são difíceis de separar. Mas no mundo árabe, a influência do Catar está crescendo. Isso perturba a Arábia Saudita, uma hegemonia de longa data, diz o especialista em economia esportiva Simon Chadwick: “Uma agência queria mostrar como o Catar era inadequado para a Copa do Mundo. Então se descobriu que a campanha foi financiada pela Arábia Saudita”.

Mudança de poder para o Leste

Na região do Golfo, o Catar compete por investidores, turistas e mão de obra qualificada, especialmente com Abu Dhabi e Dubai, os pequenos estados mais influentes dos Emirados Árabes Unidos. Dubai, maior, aposta em shopping centers, entretenimento para famílias e grandes eventos como a Dubai World Expo. O aeroporto de Dubai é um hub na região, também graças ao futebol: a companhia aérea estatal Emirates é patrocinadora das principais ligas europeias desde o início do milênio.

O Emirado de Abu Dhabi, menor, seguiu o exemplo em 2008, comprando o Manchester City. A companhia aérea nacional Etihad, que concorre com a Emirates e a Qatar Airways, patrocina a camisa. O respectivo “City Football Group” lançou uma rede global e adquiriu ações em clubes de Nova York, Melbourne e Mumbai, bem como em Chengdu, no sudoeste da China. A Etihad quer que Chengdu se torne um polo de atração para o Leste Asiático. E no Catar, por sua vez, o estádio da final da Copa do Mundo de 2022 foi construído por empresas chinesas. “Na indústria do futebol, estamos vendo uma grande mudança de poder para o Oriente”, diz Simon Chadwick.

No Golfo, o futebol reflete lutas pelo poder econômico, reivindicações territoriais e tensões religiosas. Durante e após a Primavera Árabe, o Catar ficou do lado da Irmandade Muçulmana no Egito, forças islâmicas na Tunísia, rebeldes anti-Kadafi na Líbia e rebeldes anti-Assad na Síria. Ele também rejeitou o apoio incondicional à aliança militar saudita na guerra do Iêmen.

A Arábia Saudita e seus aliados retiraram seus embaixadores do Catar pela primeira vez em 2014. Entre outras coisas, Riad exigiu o fechamento da Al Jazeera e da Fundação Qatar, duas das instituições mais importantes para Doha. O Catar se defendeu. Em agosto de 2017, foi anunciada a transferência do jogador brasileiro Neymar do FC Barcelona para o Paris Saint-Germain pelo valor recorde de 222 milhões de euros. “Uma obra-prima da estratégia”, diz o cientista político Danyel Reiche, editor do livro Esporte, Política e Sociedade no Oriente Médio: “Pouco depois do início do bloqueio, o Catar mudou o discurso na mídia. A transferência foi incrivelmente cara. Mas o mundo inteiro só falava de futebol e não mais do isolado Catar.

A espiral de hostilidades provavelmente teria continuado, mas aí veio o coronavírus. Os preços do petróleo, já baixos, despencaram, o investimento estrangeiro recuou e o incipiente setor de turismo perdeu dezenas de milhares de empregos. No início de janeiro de 2021, a Arábia Saudita encerrou o bloqueio contra o Catar após três anos e meio. “É uma paz frágil”, diz o especialista em Oriente Médio Kristian Ulrichsen, que escreveu um livro sobre a crise do Golfo. “Os países do Golfo perceberam que precisam trabalhar juntos nestes tempos difíceis”. Riad e Dubai também querem lucrar com a Copa do Mundo de 2022. Se não com torneios, então com centros de treinamento, eventos patrocinados ou recebendo torcedores. Também são discutidas a possibilidade de plataformas tecnológicas conjuntas e uma estratégia contra os altos índices de diabetes na região para aliviar o sistema de saúde a longo prazo.

Nenhum dos países do Golfo Pérsico tem um governo democrático e também não há separação de poderes. O Índice de Liberdade de Imprensa 2021 da Repórteres Sem Fronteiras colocou o Catar em 128º lugar entre 180 países. Os homossexuais são perseguidos. Os partidos políticos são proibidos. Não há mídia independente que questione a monarquia hereditária. Wenzel Michalski, da Human Rights Watch, critica o fato de clubes de países democraticamente governados como o FC Bayern estarem ajudando a política externa do Catar com suas associações: “Se os clubes europeus não quiserem abrir mão dos lucros, poderiam ao menos mostrar mais interesse nos poucos ativistas locais críticos. O futebol deve ser regularmente aconselhado por organizações de direitos humanos”.

No Catar, é improvável que haja protestos como os da Argélia ou do Líbano em 2019. O emir urdiu uma forte rede de familiares e amigos no estado, muitos dos quais ocupam diversos cargos, algo bastante comum no Golfo. A família governante permite que a população, pouco mais de 250 mil cidadãos, obtenha sua parte na prosperidade. Eles desfrutam de privilégios em educação, saúde e empregos, e sua renda per capita é uma das mais altas do mundo.

Concessões a círculos conservadores

Durante a fase de desenvolvimento do Estado do Catar na década de 1970, a dinastia enfrentou resistência ainda maior. Naquela época, os trabalhadores migrantes vinham principalmente do Egito, Palestina e Iêmen. Eles falavam a mesma língua que os locais, mas muitos deles tinham opiniões antimonarquistas. Após a invasão iraquiana do Kuwait em 1990, o governo do Catar procurou atrair trabalhadores migrantes do sul da Ásia, que eram mais facilmente isolados culturalmente. Trabalhadores da Índia, Bangladesh ou Paquistão tinham um kafala, um fiador que poderia reter seus passaportes, dificultar sua saída e impedi-los de mudar de emprego. Esses trabalhadores permitiram o rápido desenvolvimento de Doha. Muitos deles adoeceram ou morreram devido às altas temperaturas.

Dos cerca de 2,8 milhões de habitantes, apenas 10% têm passaporte do Catar. Em nenhum outro país a proporção de imigrantes é tão alta. “Alguns empresários temem que o Catar possa se abrir demais como resultado da Copa do Mundo”, diz o cientista político Mehran Kamrava, da Universidade de Georgetown, em Doha. Eles temem que em 2022 os torcedores de futebol bebam álcool em público e os homossexuais não escondam sua sexualidade. Em 2018, o emir aumentou drasticamente o preço das bebidas alcoólicas ao tributá-las, e na Universidade do Qatar o inglês foi substituído pelo árabe como idioma principal. Concessões aos círculos conservadores, porque o soft power na política externa só pode ser exercido com estabilidade na política interna. Diz Kamrava: “A Copa do Mundo permite que os políticos impulsionem reformas mais rapidamente que alguns setores da economia realmente não querem”. Essas são reformas que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos às vezes percebem como provocativas.

Desde que a sede da Copa do Mundo foi concedida ao Catar em 2010, o emirado tem sido alvo de intensas críticas, especialmente na Europa Ocidental. Essa narrativa só enfraqueceu um pouco em 2021, quando Doha ajudou a evacuar dezenas de milhares de pessoas do Afeganistão depois que o Talibã assumiu o poder lá. E o Catar também poderia intervir no caso de possíveis gargalos de gás na Europa. Esta é outra razão pela qual o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, fundou uma associação de energia para substituir o gás russo. De uma forma ou de outra, a Copa do Mundo definitivamente colocará Doha no mapa múndi.

Tradução para o espanhol: Carlos Díaz Rocca

Fonte: Neue Gesellschaft