quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Jair foi Jair

 Eliara Santana: Jair foi Jair; Tebet ganhou o debate, e a questão feminina despontou com força

Fotos: Reprodução de redes sociais
DESNUDANDO A MÍDIA 29/08/2022 - 15h10

Eliara Santana: Jair foi Jair; Tebet ganhou o debate, e a questão feminina despontou com força


Por Eliara Santana

Por Eliara Santana*

Em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro ganhou tempo recorde de exposição na TV com o episódio da facada; seus tuítes, do hospital, eram reproduzidos diariamente pelos principais jornais da TV brasileira, JN à frente.

Ele não aparecia falando, só tuitando. Como eu discuti na minha tese, Jair foi beneficiado pela estratégia do silenciamento com viés positivo – ele não aparecia falando porque era grotesco e sem controle, portanto, era mais recomendável, para não impactar o eleitorado, que ele ficasse somente tuitando.

Ontem (28/08), no debate promovido pelo pool de mídia – Band, Folha, Uol e TV Cultura de São Paulo –, Jair, que nunca havia participado de um debate antes e que ganhou a eleição de 2018 sem nunca discutir uma proposta sequer, foi simplesmente Jair.

Apesar de ter começado relativamente sob controle – adestrado, acalmado –, ele foi se descontrolando e mostrou o que de fato é: machista, homofóbico, reacionário, grotesco.

Com algumas pequenas provocações – algumas bem cirúrgicas – o monstro dentro dele se liberta e solta todas as piores coisas imagináveis.

E numa das perguntas, especificamente sobre vacina e desinformação, ele se sentiu “provocado” pela jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura, e soltou totalmente o machismo que está entranhado completamente no capitão.

Perdeu feio, porque o público feminino já descobriu que Jair Bolsonaro é uma ameaça a tudo o que duramente construímos.

Ele é um machista convicto. Ele é misógino. Ele acha mesmo que ter uma filha mulher é um desastre e um castigo, ou pior, uma fraquejada.

Ele acha tudo isso e sempre achou. Só que estava bem blindado, com a conivência da mídia, em 2018.

Silenciaram Jair para que ele não fosse Jair. Mas a blindagem acabou, e ontem, Jair foi desnudado na tela da TV.

Para milhões de eleitoras que já não o apoiam. Segundo a última pesquisa Datafolha, realizada em maio, a rejeição a Bolsonaro entre o público feminino é de 60% na classe mais baixa e de 56% nas duas classes mais altas.

O candidato Ciro Gomes, um pote até aqui de mágoa, perdeu a chance de se mostrar mais propositivo e menos rancoroso. Em sua mágoa incurável do PT, fez até dobradinha com Bolsonaro nas acusações a Lula. Perdeu uma boa chance.

Lula não foi bem nem mal – mostrou-se mediano, orientado para não responder aos ataques e apenas para apresentar propostas.

Estava visivelmente seguindo o script, do qual saiu algumas poucas vezes para bater como sabe fazer.

Avalio que foi uma boa estratégia, porque foge do discurso prontinho da mídia – Lula e Bolsonaro polarizam. Lula não polarizou com ninguém – rebateu algumas coisas de Bolsonaro, tentou afagar Ciro, respondeu às perguntas feitas sem se exaltar.

Os louros da noite foram para Simone Tebet. A senadora, que se cacifou durante a pandemia, teve um bom desempenho – estava calma, relativamente serena, foi dura sem ser grosseira, apresentou algumas propostas e cutucou muito Bolsonaro, especialmente na dobradinha que fez com Soraia Thronicke, candidata do União Brasil.

Como o rompimento da dupla Simone e Simaria, já podemos contar com uma nova: Simone e Soraia.

Tebet foi dura com Jair e suave com Lula – certamente está de olho em Ministério ou Secretaria –, que respondeu com elegância, naquele modo Lula de ser galante e conquistador.

Apenas no final, Simone Tebet foi mordida pela mosca da corrupção e fez aquele discurso terceira via: corrupção de um lado e do outro. Mas acredito que, naquele momento, a jogada casada com Lula já estava evidente.

E para além do protagonismo individual, as falas de Tebet e a reação misógina de Jair colocaram em cena o peso da questão feminina num país machista e misógino como o Brasil.

Em todos os espaços e espectros ideológicos, as mulheres são interditadas, silenciadas, sofrem violência, ganham menos que os homens.

Por isso, a fala do presidente da República agredindo a jornalista Vera Magalhães devia ter sido imediatamente rechaçada e condenada pelo Grupo Bandeirantes, da Band TV, que promovia o debate. Infelizmente, não foi.

O comportamento de Jair Bolsonaro não é aceitável. E a repercussão foi muito ruim, ainda bem.

*Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora do Observatório das Eleições e da Democracia e pesquisadora colaboradora do IEL/Unicamp. Coordenou o curso “Desinformação, Letramento Midiático e Democracia no Brasil”, promovido pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e foi co-coordenadora do I Ciclo de Letramento Midiático do PPGL da Universidade Federal do Rio Grande


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