segunda-feira, 23 de junho de 2008

ENTREVISTA - Rubens Ricupero.

Rubens Ricupero, em entrevista exclusiva, acusa o agronegócio de
promover um “capitalismo de faroeste” na Amazônia. Segundo o embaixador, os índios sempre protegeram as fronteiras, ao contrário do que dizem os defensores dos arrozeiros na Raposa Serra do Sol.

Índios e capitalismo de faroeste

Fórum – Como o senhor vê o questionamento a respeito das dificuldades que uma reserva como Raposa Serra do Sol representa para a demarcação de fronteiras?
Rubens Ricupero –
O fundamental é que os povos indígenas nunca representaram nenhum tipo de problema para as fronteiras, foram colaboradoras valiosíssimas das comissões demarcadoras. No trabalho das comissões demarcadoras, os índios foram indispensáveis, porque conheciam o terreno, serviam de canoeiros e de guias. Conheço bem o tema e desafio qualquer pessoa a citar um caso concreto em que não pudemos delimitar um metro de divisas porque havia uma reserva indígena. É bom explicar que elas dependem basicamente do Itamaraty, sempre o encarregado de negociar e de posicionar no terreno os postes que sinalizam a separação dos países. Para isso, no meu tempo, havia a Divisão de Fronteiras do Itamaraty, da qual o grande chefe foi Guimarães Rosa durante muitíssimo tempo [de 1962 a 1967]. Fui sucessor dele muito tempo depois [de 1977 a 1980] como chefe interino desta e da Divisão da América Meridional II ao qual ela estava subordinada.
Em toda minha vida, sempre trabalhei com isso, junto de duas comissões demarcadoras de limites, porque temos dez vizinhos. Não há relação direta com o tamanho do território, porque o Canadá só faz divisa com os Estados Unidos, e a Austrália com nenhum, porque é uma ilha. Só Rússia, China e Índia têm um número grande de vizinhos, e é uma constante para esses países passar a história em guerra. O Brasil é um caso único. Em 2008, comemoramos 138 anos de paz ininterrupta com todos os países limítrofes. A última guerra no sentido nacional é a da Tríplice Aliança contra o Paraguai, que termina no dia 1º de março de 1870, com a morte do Francisco Solano Lopez. Conheço bem a data porque é o dia de meu aniversário (risos).
Na questão do Acre, em [17 de novembro de] 1903, houve momentos de tensão, mas nunca choque armado nem invasão. Na exposição de motivos do Tratado de Petrópolis, o Barão do Rio Branco diz: “O Brasil nunca contemplou as portas de uma guerra de conquista, porque isso se afastaria inteiramente de nossa tradição”. Hoje se diz que o tratado foi contra a Bolívia, mas na época a oposição no Brasil acreditava ter havido muitas concessões. Rui Barbosa era um dos [ministros] plenipotenciários e se demitiu, porque achava que tinha havido muitas concessões. O Barão dizia: “foi transigindo com os vizinhos que o Brasil sempre evitou conflitos”. Era um negociador antes de mais nada.

Fórum – O senhor consegue identificar as motivações dos militares que manifestaram preocupação no caso de Raposa Serra do Sol?
Ricupero –
Acredito que há uma mescla de motivações. Um primeiro problema é que muitos deles conservaram até hoje a visão de desenvolvimento a qualquer custo que era dos governos militares. A ingenuidade de que vai trazer desenvolvimento. Só se for para o governador do Mato Grosso. Não conseguem pensar em desenvolvimento sustentável que é atender às necessidades atuais sem comprometer as futuras gerações. Ou não se preocupam ou minimizam o perigo de comprometer as gerações futuras. A formação cultural e científica é desatualizada.
Eu era o representante do Itamaraty no Conselho da Sudam [Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, atual Agência de Desenvolvimento da Amazônia] quando fui chefe da Divisão da América Meridional II, nos anos 70. Eu já era crítico dessa visão. O lema do governo militar era “É a pata do boi que vai conquistar a Amazônia”. Infelizmente, até hoje, os financiamentos do Banco da Amazônia, assim como do Bndes, são para frigoríficos e empreendimentos pecuários que estão na origem do desmatamento. São pouquíssimos para atividades sustentáveis. É preciso entender, agora que a Marina Silva saiu [do Ministério do Meio Ambiente], que os governos há 30 anos ininterruptos criaram um sistema frondoso de subsídios diretos e indiretos sem os quais praticamente nenhuma atividade econômica seria rentável na Amazônia. Excetuada a extração de ouro e de diamantes, nada se manteria sem as taxas de juros subsidiadas no crédito do Banco do Brasil, que ainda assim não é pago, por meio de anistias e renegociações.
A destruição serve para se apoderar da terra. É uma distorção enorme no Brasil, o sistema é perverso e estimula a destruição. No processo junto ao Judiciário, a floresta não prova nada, mas se destruir, sim. Não serve como garantia para um crédito no Banco do Brasil, mas uma “benfeitoria” – pôr fogo nela –, aí serve.
Não é verdade que os governos não podem evitar a destruição da Amazônia, é que não querem. Ou, para ser mais claro, quereriam. Para terminar com os subsídios haveria enormes reações das bancadas, a inércia leva à manutenção desse sistema.
Quando houve o anúncio de que o desmatamento havia aumentado [em 18 de outubro de 2007], o presidente Lula convocou o gabinete de ministros, mas, poucos dias depois, a ministra Marina estava em Mato Grosso e o presidente tirou-lhe o tapete debaixo dos pés. Ele havia conversado com o governador [Blairo Maggi] e disse que era muito alarde. O presidente atira para todos os lados, como uma metralhadora giratória, ao mesmo tempo diz uma coisa e seu contrário. Em um intervalo de oito dias não é possível que esteja certo nas duas, nada aconteceu que tenha alterado a situação. Infelizmente, a nossa imprensa não é capaz de acompanhar a realização das medidas anunciadas.

Fórum – Há outras pessoas, como o deputado Aldo Rebelo (PCdoB), com uma posição...
Ricupero –
Ele tem a idéia do culto dos heróis, do Floriano Peixoto. Vou dizer uma coisa altamente provocativa. Há os genuinamente patriotas, como Aldo Rebelo e o general [Augusto] Heleno, homens de uma extraordinária boa fé, que acreditam mesmo na crítica que fazem. E há outros ao qual se aplica a frase do doutor [Samuel] Johnson, o grande dicionarista do século XVIII, que dizia que “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.
Embrulham-se na bandeira e enganam os que são de boa fé. Na verdade, são uma coisa que existe no Brasil há séculos, grileiros. E isso ocorreu inclusive na região do Pontal do Paranapanema, e em todo o Oeste do Paraná, especialmente na época do governador Moysés Lupion [1947 a 1951, pelo PSD]. A história das terras no Brasil tem duas grandes vertentes. Uma são as concessões, iniciadas pela coroa portuguesa, com as sesmarias, que continuaram no Império com a Lei de Terras [de 1850]. Com a Lei de Terras, boa parte dos domínios da União passou a particulares. O que não foi por doação, foi pelo grilo, por ocupações para se apoderar de extensões de terra do tamanho da Bélgica sem ter título. Sempre houve a idéia de usucapião, de se estabelecer na terra. As fronteiras brasileiras avançaram em terras que eram de nós todos.
FONTE: Revista Fórum.

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