segunda-feira, 28 de setembro de 2009

DEMOCRATAS DE OCASIÃO.

Paulo Moreira Leite, na revista Época.

Os conflitos em Honduras são um bom teste para as convicções democráticas — dos brasileiros.

Eu, você e as torcidas do Flamengo e do Corínthians já ouvimos críticas sem fim contra o papel do Brasil na crise. Essas críticas se acentuaram depois que o presidente deposto Manoel Zelaya conseguiu abrigo na embaixada do país em Tegucigalpa.

A maioria dos críticos diz que essa atuação brasileira é uma aventura demagógica, que se destina a proteger um político populista que tentou romper a Constituição de seu país. Já ouvi falar até em imperialismo tupiniquim.

São argumentos de ocasião, que revelam uma visão oportunista da democracia, que lembram uma antiga verdade sobre certos democratas brasileiros Eles combatem golpes de Estados quando prejudicam seus amigos. Fecham os olhos e até aplaudem quando derrubam seus inimigos.

Ocorre que não é a primeira vez que o Brasil tem uma intervenção tão clara para impedir um golpe de Estado num país estrangeiro. Em 1997, o governo de Fernando Henrique Cardoso articulou a resistência a um golpe militar no Paraguai.
Se você acha um escândalo abrir a embaixada para um presidente eleito nas urnas e deposto por militares quando dormia, é bom recordar como foi a atuação do Brasil naquele episódio. O comando do Exército brasileiro foi mobilizado, o país ameaçou fazer retaliações comerciais e até bloquear as fronteiras do país vizinho. FHC chegou a montar um gabinete de crise em Brasilia para acompanhar a situação.

Convencido de que corria o risco de ser deposto por militares de seu país, o presidente Juan Carlos Wasmosy fez uma viagem secreta a Brasília, em busca de proteção. Reuniu-se por duas horas e meia com FHC. A embaixada do Brasil, em Assunção, chegou a promover uma recepção com os principais líderes políticos do país, para deixar clara a oposição do governo FHC ao golpe.

Dias mais tarde, o próprio ministro do Exército brasileiro, Zenildo Zoroastro de Lucena, telefonou para o general Oviedo, que articulava o golpe, para lhe dar uma advertência: “O Brasil vai reagir à quebra da legalidade”, avisou Zenildo. Além de uma ameça militar, o plano previa diversas retaliações, desde afastar o Paraguai do Mercosul, em acordo com Buenos Aires e Montevidéu, o bloqueio da fronteira entre os dois países e o fechamento dos portos brasileiros às exportações e importações do Paraguai. Como se isso não bastasse, Brasília ainda ameçou dar calote nos
pagamentos pela energia de Itaipu, que corresponde a 26% do orçamento do país
vizinho.

A intervenção brasileira não terminou aí. Enfraquecido, o presidente Wasmosy ameaçou renunciar, o que seria equivalente a entregar o país para os golpistas. O presidente paraguaio estava com a carta de renúncia já assinada quando foi convencido por enviados do governo brasileiro a permanecer no cargo. Wasmosy disse que só não deixaria a presidência se recebesse garantias do governo brasileiro. Recebeu o que pedia — e ficou.

Até hoje este episódio costuma ser lembrado como uma demonstração da firmeza do governo brasileiro na defesa de princípios democráticos.

O curioso é que, o Paraguai daquele momento pode ser definido como um retrato idêntico de Honduras nos dias de hoje. Os papéis é que estão invertidos.

Lino Oviedo, o general que pretendia derrubar Wasmosy era um militar com um discurso anti-americano e uma trajetória de quem pretendia copiar o presidente da Venezuela Hugo Chávez.

Um dos barões de Itaipu, referência aos empresários que fizeram fortuna durante a construção da hidrelétrica, Wasmosy era um político de idéias conservadoras. Em busca de idéias econômicas, ele foi até Santiago do Chile para contratar Hernan Bucchi, o economista que assessorou a ditadura de Pinochet a reorganizar a economia chilena após a derrubada de Salvador Allende. SEu governo foi um fiasco.

Inseguro e atrapalhado, Wasmosy mostrou-se um político de ações contraditórias e confusas. Isolado e impopular, sua gestão era um convite a um golpe de Estado e ele só conseguiu terminar o mandato com apoio externo. Alguma diferença com Zelaya?

A ação brasileira em Assunção foi correta. O debate não envolve as idéias de Wasmosy. O que estava em jogo, ali, era o respeito às regras da democracia.

Pergunto se é possível encontrar diferenças tão grandes entre uma situação e outra. O que você acha?

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