quinta-feira, 26 de novembro de 2009

UM DESERTO CHAMADO PAZ.

Copiado do blog "Márcia e suas leituras".

Um deserto chamado paz

da revista CULT

O historiador inglês Perry Anderson fala em São Paulo sobre as peculiaridades do império capitalista

Eduardo Fonseca

Na última terça-feira (19/11), centenas de estudantes se espremiam no auditório e no salão de entrada da Casa de Cultura Japonesa da USP para ouvir as palavras do historiador marxista inglês Perry Anderson sobre as peculiaridades que cercam a hegemonia do “Império Capitalista”. Tamanho interesse se justifica na medida em que o editor da revista New Left Review e professor de história da UCLA, nos Estados Unidos, é um dos expoentes intelectuais da esquerda mais respeitados no mundo, tendo publicado diversos livros no Brasil, entre os quais Afinidades Seletivas (2002) e Considerações sobre o marxismo ocidental: nas trilhas do materialismo histórico (2004), ambos lançados pela Boitempo.

No debate, intitulado “A crise capitalista atual e suas conseqüências para a luta hegemônica”, Anderson aponta para um fim da ideologia. Este fim se apresenta como uma doutrina consolidada por mecanismos sofisticados que permitem com que ela se molde nos mais diversos locais. Dessa forma, a doutrina se globaliza sem necessariamente guerrear para expandir. Segundo suas palavras, “o fim da Guerra-fria deslocou as ações militares para campos isolados. Agora, os exércitos combatem Estados rebeldes que não mais representam uma segunda via ideológica, mas, sim, um modelo considerado falido, um ruído. Temos assim a ação da China no Tibet, da Rússia na Tchechênia e dos EUA no Oriente Médio”

O historiador marxista inglês Perry Anderson:
“é significativo que Índia e Brasil resistiram à crise
e não tiveram que se endividar como a China
e os demais países da pentarquia”

Mudança de foco

Os inimigos já não são mais movimentos ditos anti-capitalistas. No mundo encontramos então a Rússia e a China que ainda resistem ao regime liberal, porém isso pouco importa, pois as duas nações compartilham do mesmo ambiente econômico. É a esse compartilhamento que Anderson denomina de “Império Capitalista”. E mesmo que a China desponte como uma grande potência e ameace a hegemonia dos EUA, ele observa que conflitos entre duas super-potências estão muito longe de acontecer por uma simples razão: “Vivemos num Estado de interdependência. Tudo está interligado. A China é muito dependente dos títulos e do poder de compra norte-americanos”.

Nessa interdependência existe um cenário muito bem definido em que encontramos no topo da cadeia uma pentarquia que conduz as ações globais. Esta é constituída pelos Estados Unidos, a Comunidade Européia, o Japão, a Rússia e a China. “Entre eles existe uma grande diversidade, mas em sua natureza isso é superável, pois todos atuam para manter uma certa ordem mundial”. Trata-se de uma ordem mundial “com o fim muito bem definido, muito mais que seus meios”. Conseqüentemente, “o risco de revolta é mínimo”. Conforme observa o historiador inglês, se no século 19 havia ainda uma competição entre ideologias e posturas, sendo que as economias não eram completamente conectadas e o mercado não era tão compacto, hoje, “não há mais imposições ideológicas, mas sim uma correlação. A queda de um é a queda de todos”.

Segundo Anderson, essa estabilidade transnacional é calcada em “políticas despolitizadas” em que a filosofia liberal foi o alicerce. Uma filosofia que nega outra visão do mundo, negando-se a si mesma, na medida em que se constitui discursivamente numa negação eterna. “Na grande depressão de 1929 havia expoentes, como John Maynard Keynes, que propunham novas disposições do capitalismo a fim de trazer à tona outras alternativas ao estado de laissez-faire. Hoje, tudo está acabado. Os que estão por cima não têm alternativa e os que estão por baixo encontram-se paralisados”. Um estado de apatia alimentado pela geração de necessidades básicas que transformam os cidadãos em consumidores.

Brasil e Índia

Dentro desse cenário transnacional regido por uma pentarquia bem definida, dois países permanecem marginalizados: o Brasil e a Índia. Para Anderson, existem três motivos para tanto. O primeiro diz respeito ao fato de que nesses dois países existe ainda uma classe muito desfavorecida e o Estado democrático sofre pressões populares. Ao contrário da Rússia e da China, onde igualmente existe pobreza, Brasil e Índia não conseguem “ignorar a pressão popular”. O segundo motivo é a predominância do mercado doméstico. Nesse sentido, “é significativo que Índia e Brasil resistiram à crise e não tiveram que se endividar como a China e os demais países da pentarquia”. Finalmente, o âmbito militar os afasta das grandes decisões. A Índia por não ter assinado o tratado de não-proliferação de armas nucleares e o Brasil pela inexistência de tecnologia capaz de gerá-las.

Finalizando sua palestra, Anderson aponta a capacidade da doutrina capitalista de inverter valores e louvar ações dúbias como atos de valor humanitário. Em referência ao Nobel da Paz dado ao presidente norte-americano Barack Obama, ele cita o historiador romano Tácito que na biografia que escreveu sobre seu sogro, Agrícola – responsável pela conquista final da Grã-Bretanha pelos romanos -, escreveu: “Para matar dão o nome de império. Criam então um deserto e o chamam de paz”.

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