Quando o repórter Rodrigo Vianna escreveu uma carta denunciando a manipulação grosseira do noticiário da TV Globo em ano eleitoral (2006), enfim ouviu-se uma voz "de dentro" da emissora, de alguem diretamente envolvido com os acontecimentos. Não foi a única.
Por Luiz Carlos Azenha, no Vi o Mundo
O Rodrigo "representou" um grupo de profissionais, alguns dos quais continuam na emissora, que não se conformaram com os métodos manipuladores de Ali Kamel, novos no sentido de serem mais sofisticados, mais difíceis de perceber, novos por envolverem não só o noticiário, mas também programas de entretenimento da emissora.
Conforme denunciou Marco Aurélio Mello, ex-editor de Economia do Jornal Nacional em São Paulo, no período eleitoral de 2006 a Globo "tirou o pé" das reportagens econômicas produzidas em São Paulo. Supostamente, elas beneficiariam o candidato Lula, já que a economia brasileira ia bem.
Por outro lado, a emissora tratou de concentrar os seus recursos econômicos e profissionais na cobertura de assuntos e escândalos que poderiam desgastar o candidato Lula, escondendo assuntos que poderiam afetar a oposição. De repente, como que caído do céu, o comentarista Alexandre Garcia passou a pontificar no programa de Ana Maria Braga, dentre outros episódios que caracterizaram a tentativa de manipulação do eleitorado.
Desde 2006, a série sobre a Revista Veja, de autoria do blogueiro Luís Nassif, demonstrou claramente como o Jornalismo da Abril foi colocado a serviço de certos interesses.
E Paulo Henrique Amorim, na tradição sarcástica do jornalismo carioca, popularizou a expressão PIG para abarcar um conjunto de ações movidas pela mídia brasileira contra interesses populares, denunciando também a relação carnal entre o PSDB e os donos dos mais importantes grupos de mídia do país, notadamente as Organizações Globo, a Abril, a Folha e o Estadão.
Os últimos dias tem sido pródigos em exemplos de que o que aconteceu em 2006 e nas "crises" subsequentes -- da epidemia de febre amarela ao caos aéreo -- está se repetindo em 2010.
Uma pesquisa do Vox Populi, demonstrando que em algumas semanas a candidata governista Dilma Rousseff subiu 9 pontos nas preferências do eleitorado, enquanto o candidato José Serra caiu 5 pontos, teve a sua divulgação adiada por uma semana pela empresa que comprou o levantamento -- a Rede Bandeirantes --, provavelmente para que a notícia, dada na noite de sexta-feira, "coincidisse" com um fim-de-semana, quando cai a leitura de jornais, a audiência de telejornais e o público dos blogs.
Na divulgação da pesquisa, a emissora não apresentou um gráfico comparativo com as pesquisas anteriores, demonstrando que a candidata governista está em ascensão, enquanto José Serra está em queda:
vox_populi.jpg
Distorções na forma e na apresentação dos dados de pesquisas eleitorais são preocupantes, uma vez que as três principais empresas pesquisadoras do país fornecem seus resultados a grupos de mídia comprometidos com o candidato Serra: Datafolha, Vox Populi (TV Bandeirantes) e Ibope. O presidente deste último, aliás, deu entrevista prevendo a vitória do candidato Serra em 2010.
Muito embora se possa atribuir à "identidade ideológica" o comportamento partidarizado de grupos de mídia que se apresentam como "neutros" na disputa eleitoral, o Jornalismo ainda nos deve uma investigação sobre se existe ou não uma ação organizada para "escolher" escândalos a serem repercutidos ou notícias a serem escondidos. Nesse sentido, o depoimento de Rodrigo Vianna e de outros profissionais da TV Globo continuam sendo únicos.
A diferença, em relação a 2006, é que agora algumas dezenas de milhares de brasileiros já estão treinados em identificar manipulações, distorções, omissões e falsidades midiáticas, um trabalho antes exclusivo de estudiosos do ramo. Trata-se, pois, de um avanço notável, cujo impacto se multiplica com a expansão do público da blogosfera.
Fonte: O Vermelho
Carlos Augusto de Araujo Dória, 82 anos, economista, nacionalista, socialista, lulista, budista, gaitista, blogueiro, espírita, membro da Igreja Messiânica, tricolor, anistiado político, ex-empregado da Petrobras. Um defensor da justiça social, da preservação do meio ambiente, da Petrobras e das causas nacionalistas.
domingo, 31 de janeiro de 2010
PAULO COELHO: " Blair, o Rio dispensa criminosos de guerra.
É inacreditável esse "factóide" do governador Cabral. Chamar um criminoso de guerra, além do mais mentiroso e cínico para prestar consultoria ao governo do Rio de Janeiro é um escárnio.
Carlos Dória
Copiado do blog "Tijolaço", do Brizola Neto.
A inteligência carioca anda muito acomodada. Mas, ainda bem partiu de um carioca do Humaitá conhecido no mundo inteiro, a melhor reação a este escárnio que é a contratação de Tony Blair como assessor do Governo do Rio de Janeiro . Paulo Coelho, com a força dos mais de 258 mil de seguidores no Twitter, lançou ali um protesto contra esta ação absurda do Governador Sérgio Cabral, contra a qual tive oportunidade de postar ontem no blog.
Em matéria publicada no Globo Online, hoje, Coelho diz que sentiu vergonha e decepção ao ver a camisa 10 (da seleção brasileira) sendo entregue a ” um criminoso de guerra”.
No seu twitter, ele pergunta: “Estamos pagando Tony Blair para assessor de Rio 2016? Um irresponsável que declarou uma guerra ilegal? O que é isso, governador?”. Em outra, afirma: “Estive em Copenhague (na escolha do Rio como sede olímpica) pelos atletas, não por assassinos”, se referindo ao político britânico.
Fiquei satisfeito de ver que Coelho, que conhece muito mais o dia-a-dia europeu do que eu, concorda com o que tinha dito em meu post: “todos os políticos se envolveram nas campanhas de seus países, isso é normal. Mas a organização do evento deve ser atribuída ao prefeito de Londres, não a ele (Blair).
Contra o Bush de Blair, viva o mago brasileiro!
Carlos Dória
Copiado do blog "Tijolaço", do Brizola Neto.
A inteligência carioca anda muito acomodada. Mas, ainda bem partiu de um carioca do Humaitá conhecido no mundo inteiro, a melhor reação a este escárnio que é a contratação de Tony Blair como assessor do Governo do Rio de Janeiro . Paulo Coelho, com a força dos mais de 258 mil de seguidores no Twitter, lançou ali um protesto contra esta ação absurda do Governador Sérgio Cabral, contra a qual tive oportunidade de postar ontem no blog.
Em matéria publicada no Globo Online, hoje, Coelho diz que sentiu vergonha e decepção ao ver a camisa 10 (da seleção brasileira) sendo entregue a ” um criminoso de guerra”.
No seu twitter, ele pergunta: “Estamos pagando Tony Blair para assessor de Rio 2016? Um irresponsável que declarou uma guerra ilegal? O que é isso, governador?”. Em outra, afirma: “Estive em Copenhague (na escolha do Rio como sede olímpica) pelos atletas, não por assassinos”, se referindo ao político britânico.
Fiquei satisfeito de ver que Coelho, que conhece muito mais o dia-a-dia europeu do que eu, concorda com o que tinha dito em meu post: “todos os políticos se envolveram nas campanhas de seus países, isso é normal. Mas a organização do evento deve ser atribuída ao prefeito de Londres, não a ele (Blair).
Contra o Bush de Blair, viva o mago brasileiro!
ANOS DE CHUMBO - Setores da sociedade querem apagar a ditadura da história do país.
Há um esforço de setores da sociedade em apagar a ditadura da história do país, diz filósofo
Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Após a Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes revelaram que seus carrascos asseguravam que ninguém acreditaria no que havia ocorrido nos campos de concentração. A história, no entanto, não cumpriu o destino previsto pelos nazistas, muitos foram condenados e o episódio marca a pior lembrança da humanidade.
Crimes cometidos em outros momentos de exceção também levaram violadores de direitos humanos a serem interrogados em comissões da verdade e punidos por tribunais, como na África do Sul, em Ruanda, na Argentina, no Uruguai e Paraguai.
Para filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP), há um lugar que resiste à memória do horror e a fazer justiça às vítimas: o Brasil. Nenhum agente do Estado ditatorial (1964-1985), envolvido em crimes como sequestro, tortura, estupro e assassinato de dissidentes políticos, foi a julgamento e preso.
Em março, será lançado o livro O Que Resta da Ditadura (editora Boitemço), organizado por Safatle e Edson Teles. A obra tenta entender como a impunidade se forma e se alimenta no Brasil. Para Safatle,o Brasil continua uma democracia imperfeita por resistir a uma reavaliação do período da ditadura militar (1964-1985) e por manter uma relação complicada entre os Três Poderes.
Agência Brasil: O Brasil tem alguma dificuldade com o seu passado?
Vladimir Safatle: Existe um esforço de vários setores da sociedade em apagar a ditadura, quase como se ela não tivesse existido. Há leituras que tentam reduzir o período à vigência do AI-5 [Ato Institucional nº 5], de 1968 a 1979. E o resto seria uma espécie de democracia imperfeita, que não se poderia tecnicamente chamar de ditadura. Ou seja, existe mesmo no Brasil um esforço muito diferente de outros países da América Latina, que passaram por situações semelhantes, que era a confrontação com os crimes do passado. É a ideia de anular simplesmente o caráter criminoso de um certo passado da nossa história.
ABr: Há quem diga que o Brasil não teve de fato uma ditadura clássica depois de 1964, mas sim uma "ditabranda" se comparada à da Argentina e a do Uruguai, por exemplo.
Safatle: Essa leitura é do mais clássico cinismo. É inadmissível para qualquer pessoa que respeite um pouco a história nacional. Afirmar que uma ditadura se conta pela quantidade de mortes que consegue empilhar numa montanha é desconhecer de uma maneira fundamental o que significa uma ditadura para a vida nacional. A princípio, a quantidade de mortes no Brasil é muito menor do que na Argentina. Mas é preciso notar como a ditadura brasileira se perpetuou. O Brasil é o único país da América Latina onde os casos de tortura aumentaram após o regime militar. Tortura-se mais hoje do que durante aquele regime. Isso demostra uma perenidade dos hábitos herdados da ditadura militar, que é muito mais nociva do que a simples contagem de mortes.
ABr: Qual o reflexo disso?
Safatle: Significa um bloqueio fundamental do desenvolvimento social e político do país. Por outro lado, existe um dado relevante: a ditadura de certa maneira é uma exceção. Ela inaugurou um regime extremamente perverso que consiste em utilizar a aparência da legalidade para encobrir o mais claro arbítrio. Tudo era feito de forma a dar a aparência de legalidade. Quando o regime queria de fato assassinar alguém, suspender a lei, embaralhava a distinção entre estar dentro e fora da lei. Fazia isso sem o menor problema. Todos viviam sob um arbítrio implacável que minava e corroía completamente a ideia de legalidade. É um dos defeitos mais perversos e nocivos que uma ditadura pode ter. Isso, de uma maneira muito peculiar, continua.
ABr: Então, a semente da violência atual do aparato policial foi plantada na ditadura?
Safatle: Não é difícil fazer essa associação, pois nunca houve uma depuração da estrutura policial brasileira. É muito fácil encontrar delegados que tiveram participação ativa na ditadura militar, ainda em atividade. No estado de São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin indicou um delegado que era alguém que fez parte do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna]. Teve toda uma discussão, mas esse debate não serviu sequer para ele voltasse atrás na nomeação. Se você levar em conta esse tipo de perenidade dos próprios agentes que atuaram no processo repressivo, não é difícil entender por que as práticas não mudaram.
ABr: Estamos atrás de outros países, como Argentina e África do Sul, na investigação e julgamento de crimes cometidos pelo Estado?
Safatle: Estamos aquém de todos os países da América Latina. Nosso problema não é só não ter constituído uma comissão de verdade e justiça, mas é o de que ninguém do regime militar foi preso. Não há nenhum processo. O único processo aceito foi o da família Teles contra o coronel [Carlos Alberto Brilhante] Ustra, que foi uma declaração simplesmente de crime. Ninguém está pedindo um julgamento e sim uma declaração de que houve um crime. Legalmente, sequer existiram casos de tortura, já que não há nenhum processo legal. E levando em conta o fato de que o Brasil tinha assinado na mesma época tratados internacionais, condenando a tortura, nossa situação é uma aberração não só em relação à Argentina e à África do Sul, mas em relação ao Chile, ao Paraguai e ao Uruguai.
ABr: Que expectativa o senhor tem quanto ao funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), para apurar crimes da ditadura?
Safatle: Uma atitude como essa é a mais louvável que poderia ter acontecido e merece ser defendida custe o que custar. O trabalho feito pelo ministro Paulo Vannuchi [secretário dos Direitos Humanos, da Presidência da República] e pela Comissão de Direitos Humanos é da mais alta relevância nacional. Acho que é muito difícil falar o que vai acontecer. A gente está entrando numa dimensão onde a memória nacional, a política atual e o destino do nosso futuro se entrelaçam. Existe uma frase no livro 1984, de George Orwell, que diz: “Quem controla o passado controla o futuro”. Mexer com esse tipo de coisa é algo que não diz respeito só à maneira que o dever de memória vai ser institucionalizado na vida nacional, mas à maneira com que o nosso futuro vai ser decidido.
ABr: Mas, antes mesmo da criação da Comissão da Verdade, os debates já estão muito acalorados.
Safatle: O melhor que poderia acontecer é que se acirrassem de fato as posições e cada um dissesse muito claramente de que lado está. O país está dividido desde o início. Veja a questão da Lei da Anistia. O programa do governo [PNDH 3] em momento algum sugeriu uma forma de revisão ou suspensão da lei. O que ele sugeriu foi que se abrisse espaço para a discussão sobre a interpretação da letra da lei. Porque a anistia não vale para crimes de sequestro e atentados pessoais. A confusão que se criou demonstra muito claramente como a sociedade brasileira precisa de um debate dessa natureza, o mais rápido possível. Não dá para suportar que certos segmentos da sociedade chamem pessoas foram ligadas a esses tipos de atividades de “terroristas”. É sempre bom lembrar que no interior da noção liberal de democracia, desde John Locke [filósofo inglês do século 17], se aceita que o cidadão tem um direito a se contrapor de forma violenta contra um Estado ilegal. Alguns estados nos Estados Unidos também preveem essa situação.
ABr: O termo “terrorista” é usado por historiadores que não têm qualquer ligação com os militares e até mesmo por pessoas que participaram da luta armada. Usar a palavra é errado?
Safatle: Completamente. É inaceitável esse uso que visa a criminalizar profundamente esse tipo de atividade que aconteceu na época. A ditadura foi um estado ilegal que se impôs através da institucionalização de uma situação ilegal. Foi resultado de um golpe que suspendeu eleições, criou eleições de fachada com múltiplos casuísmos. Podemos contar as vezes que o Congresso Nacional foi fechado porque o Executivo não admitia certas leis. O fato de ter aparência de democracia porque tinham algumas eleições pontuais, marcadas por milhões de casuísmos, não significa nada. No Leste Europeu também existiam eleições que eram marcadas desta mesma maneira.Um Estado que entra numa posição ilegal não tem direito, em hipótese alguma, de criminalizar aqueles que lutam contra a ilegalidade. Por trás dessa discussão, existe a tentativa de desqualificar a distinção clara entre direito e Justiça. Em certas situações, as exigências de Justiça não encontram lugar nas estruturas do Direito tal como ele aparecia na ditadura militar. Agora, existem certos setores que tentam aproximar o que aconteceu no Brasil do que houve na mesma época na Europa, com os grupos armados na Itália e na Alemanha. As situações são totalmente diferentes porque nenhum desses países era um Estado ilegal. E não há casos no Brasil de atentado contra a população civil. Todos os alvos foram ligados ao governo.
ABr: Os assaltos a banco não seriam atentados às pessoas comuns que estavam nas agências?
Safatle: Todos os que participaram a atentados a bancos não foram contemplados pela Lei da Anistia e continuaram presos depois de 1979. Pagaram pelo crime. Isso não pode ser utilizado para bloquear a discussão. Dentro de um processo de legalidade, de maneira alguma o Estado pode tentar esconder aquilo que foi feito por cidadãos contra eles, como se fossem todos crimes ordinários. Se um assalto a banco é um crime ordinário, eu diria que a luta armada, a luta contra o aparato do Estado ilegal, não é. Isso faz parte da nossa noção liberal de democracia.
ABr: Que democracia é a nossa que tem dificuldades de olhar o passado?
Safatle: É uma democracia imperfeita ou, se quisermos, uma semidemocracia. O Brasil não pode ser considerado um país de democracia plena. Existe uma certa teoria política que consiste em pensar de maneira binária, como se existissem só duas categorias: ditadura ou democracia. É uma análise incorreta. Seria necessário acrescentar pelo menos uma terceira categoria: as democracias imperfeitas.
ABr: O que isso significa?
Safatle: Consiste em dizer basicamente o seguinte: não há uma situação totalitária de estrutura, mas há bloqueios no processo de aperfeiçoamento democrático, bloqueios brutais e muito visíveis. Existe uma versão relativamente difundida de que a Nova República é um período de consolidação da democracia brasileira. Diria que não é verdade. É um período muito evidente que demonstra como a democracia brasileira repete os seus impasses a todo momento. O primeiro presidente eleito recebeu um impeachment, o segundo subornou o Congresso para poder passar um emenda de reeleição e seu procurador-geral da República era conhecido por todos como “engavetador-geral”, que levou a uma série de casos de corrupção que nunca foram relativizados. O terceiro presidente eleito muito provavelmente continuou processos de negociação com o Legislativo mais ou menos nas mesmas bases. Chamar isso de consolidação da estrutura democrática nacional é um absurdo. Os poderes mantêm uma relação problemática, uma interferência do poder econômico privado nas decisões de governo. Um sistema de financiamento de campanhas eleitorais que todos sabem que é totalmente ilegal e é utilizado por todos os partidos sem exceção.
Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Após a Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes revelaram que seus carrascos asseguravam que ninguém acreditaria no que havia ocorrido nos campos de concentração. A história, no entanto, não cumpriu o destino previsto pelos nazistas, muitos foram condenados e o episódio marca a pior lembrança da humanidade.
Crimes cometidos em outros momentos de exceção também levaram violadores de direitos humanos a serem interrogados em comissões da verdade e punidos por tribunais, como na África do Sul, em Ruanda, na Argentina, no Uruguai e Paraguai.
Para filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP), há um lugar que resiste à memória do horror e a fazer justiça às vítimas: o Brasil. Nenhum agente do Estado ditatorial (1964-1985), envolvido em crimes como sequestro, tortura, estupro e assassinato de dissidentes políticos, foi a julgamento e preso.
Em março, será lançado o livro O Que Resta da Ditadura (editora Boitemço), organizado por Safatle e Edson Teles. A obra tenta entender como a impunidade se forma e se alimenta no Brasil. Para Safatle,o Brasil continua uma democracia imperfeita por resistir a uma reavaliação do período da ditadura militar (1964-1985) e por manter uma relação complicada entre os Três Poderes.
Agência Brasil: O Brasil tem alguma dificuldade com o seu passado?
Vladimir Safatle: Existe um esforço de vários setores da sociedade em apagar a ditadura, quase como se ela não tivesse existido. Há leituras que tentam reduzir o período à vigência do AI-5 [Ato Institucional nº 5], de 1968 a 1979. E o resto seria uma espécie de democracia imperfeita, que não se poderia tecnicamente chamar de ditadura. Ou seja, existe mesmo no Brasil um esforço muito diferente de outros países da América Latina, que passaram por situações semelhantes, que era a confrontação com os crimes do passado. É a ideia de anular simplesmente o caráter criminoso de um certo passado da nossa história.
ABr: Há quem diga que o Brasil não teve de fato uma ditadura clássica depois de 1964, mas sim uma "ditabranda" se comparada à da Argentina e a do Uruguai, por exemplo.
Safatle: Essa leitura é do mais clássico cinismo. É inadmissível para qualquer pessoa que respeite um pouco a história nacional. Afirmar que uma ditadura se conta pela quantidade de mortes que consegue empilhar numa montanha é desconhecer de uma maneira fundamental o que significa uma ditadura para a vida nacional. A princípio, a quantidade de mortes no Brasil é muito menor do que na Argentina. Mas é preciso notar como a ditadura brasileira se perpetuou. O Brasil é o único país da América Latina onde os casos de tortura aumentaram após o regime militar. Tortura-se mais hoje do que durante aquele regime. Isso demostra uma perenidade dos hábitos herdados da ditadura militar, que é muito mais nociva do que a simples contagem de mortes.
ABr: Qual o reflexo disso?
Safatle: Significa um bloqueio fundamental do desenvolvimento social e político do país. Por outro lado, existe um dado relevante: a ditadura de certa maneira é uma exceção. Ela inaugurou um regime extremamente perverso que consiste em utilizar a aparência da legalidade para encobrir o mais claro arbítrio. Tudo era feito de forma a dar a aparência de legalidade. Quando o regime queria de fato assassinar alguém, suspender a lei, embaralhava a distinção entre estar dentro e fora da lei. Fazia isso sem o menor problema. Todos viviam sob um arbítrio implacável que minava e corroía completamente a ideia de legalidade. É um dos defeitos mais perversos e nocivos que uma ditadura pode ter. Isso, de uma maneira muito peculiar, continua.
ABr: Então, a semente da violência atual do aparato policial foi plantada na ditadura?
Safatle: Não é difícil fazer essa associação, pois nunca houve uma depuração da estrutura policial brasileira. É muito fácil encontrar delegados que tiveram participação ativa na ditadura militar, ainda em atividade. No estado de São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin indicou um delegado que era alguém que fez parte do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna]. Teve toda uma discussão, mas esse debate não serviu sequer para ele voltasse atrás na nomeação. Se você levar em conta esse tipo de perenidade dos próprios agentes que atuaram no processo repressivo, não é difícil entender por que as práticas não mudaram.
ABr: Estamos atrás de outros países, como Argentina e África do Sul, na investigação e julgamento de crimes cometidos pelo Estado?
Safatle: Estamos aquém de todos os países da América Latina. Nosso problema não é só não ter constituído uma comissão de verdade e justiça, mas é o de que ninguém do regime militar foi preso. Não há nenhum processo. O único processo aceito foi o da família Teles contra o coronel [Carlos Alberto Brilhante] Ustra, que foi uma declaração simplesmente de crime. Ninguém está pedindo um julgamento e sim uma declaração de que houve um crime. Legalmente, sequer existiram casos de tortura, já que não há nenhum processo legal. E levando em conta o fato de que o Brasil tinha assinado na mesma época tratados internacionais, condenando a tortura, nossa situação é uma aberração não só em relação à Argentina e à África do Sul, mas em relação ao Chile, ao Paraguai e ao Uruguai.
ABr: Que expectativa o senhor tem quanto ao funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), para apurar crimes da ditadura?
Safatle: Uma atitude como essa é a mais louvável que poderia ter acontecido e merece ser defendida custe o que custar. O trabalho feito pelo ministro Paulo Vannuchi [secretário dos Direitos Humanos, da Presidência da República] e pela Comissão de Direitos Humanos é da mais alta relevância nacional. Acho que é muito difícil falar o que vai acontecer. A gente está entrando numa dimensão onde a memória nacional, a política atual e o destino do nosso futuro se entrelaçam. Existe uma frase no livro 1984, de George Orwell, que diz: “Quem controla o passado controla o futuro”. Mexer com esse tipo de coisa é algo que não diz respeito só à maneira que o dever de memória vai ser institucionalizado na vida nacional, mas à maneira com que o nosso futuro vai ser decidido.
ABr: Mas, antes mesmo da criação da Comissão da Verdade, os debates já estão muito acalorados.
Safatle: O melhor que poderia acontecer é que se acirrassem de fato as posições e cada um dissesse muito claramente de que lado está. O país está dividido desde o início. Veja a questão da Lei da Anistia. O programa do governo [PNDH 3] em momento algum sugeriu uma forma de revisão ou suspensão da lei. O que ele sugeriu foi que se abrisse espaço para a discussão sobre a interpretação da letra da lei. Porque a anistia não vale para crimes de sequestro e atentados pessoais. A confusão que se criou demonstra muito claramente como a sociedade brasileira precisa de um debate dessa natureza, o mais rápido possível. Não dá para suportar que certos segmentos da sociedade chamem pessoas foram ligadas a esses tipos de atividades de “terroristas”. É sempre bom lembrar que no interior da noção liberal de democracia, desde John Locke [filósofo inglês do século 17], se aceita que o cidadão tem um direito a se contrapor de forma violenta contra um Estado ilegal. Alguns estados nos Estados Unidos também preveem essa situação.
ABr: O termo “terrorista” é usado por historiadores que não têm qualquer ligação com os militares e até mesmo por pessoas que participaram da luta armada. Usar a palavra é errado?
Safatle: Completamente. É inaceitável esse uso que visa a criminalizar profundamente esse tipo de atividade que aconteceu na época. A ditadura foi um estado ilegal que se impôs através da institucionalização de uma situação ilegal. Foi resultado de um golpe que suspendeu eleições, criou eleições de fachada com múltiplos casuísmos. Podemos contar as vezes que o Congresso Nacional foi fechado porque o Executivo não admitia certas leis. O fato de ter aparência de democracia porque tinham algumas eleições pontuais, marcadas por milhões de casuísmos, não significa nada. No Leste Europeu também existiam eleições que eram marcadas desta mesma maneira.Um Estado que entra numa posição ilegal não tem direito, em hipótese alguma, de criminalizar aqueles que lutam contra a ilegalidade. Por trás dessa discussão, existe a tentativa de desqualificar a distinção clara entre direito e Justiça. Em certas situações, as exigências de Justiça não encontram lugar nas estruturas do Direito tal como ele aparecia na ditadura militar. Agora, existem certos setores que tentam aproximar o que aconteceu no Brasil do que houve na mesma época na Europa, com os grupos armados na Itália e na Alemanha. As situações são totalmente diferentes porque nenhum desses países era um Estado ilegal. E não há casos no Brasil de atentado contra a população civil. Todos os alvos foram ligados ao governo.
ABr: Os assaltos a banco não seriam atentados às pessoas comuns que estavam nas agências?
Safatle: Todos os que participaram a atentados a bancos não foram contemplados pela Lei da Anistia e continuaram presos depois de 1979. Pagaram pelo crime. Isso não pode ser utilizado para bloquear a discussão. Dentro de um processo de legalidade, de maneira alguma o Estado pode tentar esconder aquilo que foi feito por cidadãos contra eles, como se fossem todos crimes ordinários. Se um assalto a banco é um crime ordinário, eu diria que a luta armada, a luta contra o aparato do Estado ilegal, não é. Isso faz parte da nossa noção liberal de democracia.
ABr: Que democracia é a nossa que tem dificuldades de olhar o passado?
Safatle: É uma democracia imperfeita ou, se quisermos, uma semidemocracia. O Brasil não pode ser considerado um país de democracia plena. Existe uma certa teoria política que consiste em pensar de maneira binária, como se existissem só duas categorias: ditadura ou democracia. É uma análise incorreta. Seria necessário acrescentar pelo menos uma terceira categoria: as democracias imperfeitas.
ABr: O que isso significa?
Safatle: Consiste em dizer basicamente o seguinte: não há uma situação totalitária de estrutura, mas há bloqueios no processo de aperfeiçoamento democrático, bloqueios brutais e muito visíveis. Existe uma versão relativamente difundida de que a Nova República é um período de consolidação da democracia brasileira. Diria que não é verdade. É um período muito evidente que demonstra como a democracia brasileira repete os seus impasses a todo momento. O primeiro presidente eleito recebeu um impeachment, o segundo subornou o Congresso para poder passar um emenda de reeleição e seu procurador-geral da República era conhecido por todos como “engavetador-geral”, que levou a uma série de casos de corrupção que nunca foram relativizados. O terceiro presidente eleito muito provavelmente continuou processos de negociação com o Legislativo mais ou menos nas mesmas bases. Chamar isso de consolidação da estrutura democrática nacional é um absurdo. Os poderes mantêm uma relação problemática, uma interferência do poder econômico privado nas decisões de governo. Um sistema de financiamento de campanhas eleitorais que todos sabem que é totalmente ilegal e é utilizado por todos os partidos sem exceção.
HAITÍ - O Haití existe?
Frei Betto
Adital
Interessados em exibir na Europa uma coleção de animais exóticos, no início do século XIX, dois franceses, os irmãos Edouard e Jules Verreaux, viajaram à África do Sul. A fotografia ainda não havia sido inventada, e a única maneira de saciar a curiosidade do público era, além do desenho e da pintura, a taxidermia, empalhar animais mortos, ou levá-los vivos aos zoológicos.
No museu da família Verreaux os visitantes apreciavam girafas, elefantes, macacos e rinocerontes. Para ela, não poderia faltar um negro. Os irmãos aplicaram a taxidermia ao cadáver de um e o expuseram, de pé, numa vitrine de Paris; tinha uma lança numa das mãos e um escudo na outra.
Ao falir o museu, os Verreaux venderam a coleção. Francesc Darder, veterinário catalão, primeiro diretor do zoológico de Barcelona, arrematou parte do acervo, incluído o africano. Em 1916, abriu seu próprio museu em Banyoles, na Espanha.
Em 1991, o médico haitiano Alphonse Arcelin visitou o Museu Darder. O negro reconheceu o negro. Pela primeira vez, aquele morto mereceu compaixão. Indignado, Arcelin pôs a boca no mundo, às vésperas da abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona. Conclamou os países africanos a sabotarem o evento. O próprio Comitê Olímpico interveio para que o cadáver fosse retirado do museu.
Terminadas as Olimpíadas, a população de Banyoles voltou ao tema. Muitos insistiam que a cidade não deveria abrir mão de uma tradicional peça de seu patrimônio cultural. Arcelin mobilizou governos de países africanos, a Organização para a Unidade Africana, e até Kofi Annam, então secretário-geral da ONU. Vendo-se em palpos de aranha, o governo Aznar decidiu devolver o morto à sua terra de origem. O negro foi descatalogado como peça de museu e, enfim, reconhecido em sua condição humana. Mereceu enterro condigno em Botswana
Em meus tempos de revista "Realidade", nos anos 60, escandalizou o Brasil a reportagem de capa que trazia, como título, "O Piauí existe." Foi uma forma de chamar a atenção dos brasileiros para o mais pobre estado do Brasil, ignorado pelo poder e pela opinião públicos.
O terremoto que arruinou o Haiti nos induz à pergunta: o Haiti existe? Hoje, sim. Mas, e antes de ser arruinado pelo terremoto? Quem se importava com a miséria daquele país? Quem se perguntava por que o Brasil enviou para lá tropas a pedido da ONU? E agora, será que a catástrofe - a mais terrível que presencio ao longo da vida - é mera culpa dos desarranjos da natureza? Ou de Deus, que se mantém silencioso frente ao drama de milhares de mortos, feridos e desamparados?
Colonizado por espanhóis e franceses, o Haiti conquistou sua independência em 1804, o que lhe custou um duro castigo: os escravagistas europeus e estadunidenses o mantiveram sob bloqueio comercial durante 60 anos.
Na segunda metade do século XIX e início do XX, o Haiti teve 20 governantes, dos quais 16 foram depostos ou assassinados. De 1915 a 1934 os EUA ocuparam o Haiti. Em 1957, o médico François Duvalier, conhecido como Papa Doc, elegeu-se presidente, instalou uma cruel ditadura apoiada pelos tonton macoutes (bichos-papões) e pelos EUA. A partir de 1964, tornou-se presidente vitalício... Ao morrer em 1971, foi sucedido por seu filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, que governou até 1986, quando se refugiou na França.
O Haiti foi invadido pela França em 1869; pela Espanha em 1871; pela Inglaterra em 1877; pelos EUA em 1914 e em 1915, permanecendo até 1934; pelos EUA, de novo, em 1969.
As primeiras eleições democráticas ocorreram em 1990; elegeu-se o padre Jean-Bertrand Aristide, cujo governo foi decepcionante. Deposto em 1991 pelos militares, refugiou-se nos EUA. Retornou ao poder em 1994 e, em 2004, acusado de corrupção e conivência com Washington, exilou-se na África do Sul. Embora presidido hoje por René Préval, o Haiti é mantido sob intervenção da ONU e agora ocupado, de fato, por tropas usamericanas.
Para o Ocidente "civilizado e cristão", o Haiti sempre foi um negro inerte na vitrine, empalhado em sua própria miséria. Por isso, a mídia do branco exibe, pela primeira vez, os corpos destroçados pelo terremoto. Ninguém viu, por TV ou fotos, algo semelhante na Nova Orleans destruída pelo furacão ou no Iraque atingido pelas bombas. Nem mesmo após a passagem do tsunami na Indonésia.
Agora, o Haiti pesa em nossa consciência, fere nossa sensibilidade, arranca-nos lágrimas de compaixão, desafia a nossa impotência. Porque sabemos que se arruinou, não apenas por causa do terremoto, mas sobretudo pelo descaso de nossa dessolidariedade.
Outros países sofrem abalos sísmicos e nem por isso destroços e vítimas são tantos. Ao Haiti enviamos "missões de paz", tropas de intervenção, ajudas humanitárias; jamais projetos de desenvolvimento sustentável.
Findas as ações emergenciais, quem haverá de reconhecer o Haiti como nação soberana, independente, com direito à sua autodeterminação? Quem abraçará o exemplo da dra. Zilda Arns, de ensinar o povo a ser sujeito multiplicador e emancipador de sua própria história?
Adital
Interessados em exibir na Europa uma coleção de animais exóticos, no início do século XIX, dois franceses, os irmãos Edouard e Jules Verreaux, viajaram à África do Sul. A fotografia ainda não havia sido inventada, e a única maneira de saciar a curiosidade do público era, além do desenho e da pintura, a taxidermia, empalhar animais mortos, ou levá-los vivos aos zoológicos.
No museu da família Verreaux os visitantes apreciavam girafas, elefantes, macacos e rinocerontes. Para ela, não poderia faltar um negro. Os irmãos aplicaram a taxidermia ao cadáver de um e o expuseram, de pé, numa vitrine de Paris; tinha uma lança numa das mãos e um escudo na outra.
Ao falir o museu, os Verreaux venderam a coleção. Francesc Darder, veterinário catalão, primeiro diretor do zoológico de Barcelona, arrematou parte do acervo, incluído o africano. Em 1916, abriu seu próprio museu em Banyoles, na Espanha.
Em 1991, o médico haitiano Alphonse Arcelin visitou o Museu Darder. O negro reconheceu o negro. Pela primeira vez, aquele morto mereceu compaixão. Indignado, Arcelin pôs a boca no mundo, às vésperas da abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona. Conclamou os países africanos a sabotarem o evento. O próprio Comitê Olímpico interveio para que o cadáver fosse retirado do museu.
Terminadas as Olimpíadas, a população de Banyoles voltou ao tema. Muitos insistiam que a cidade não deveria abrir mão de uma tradicional peça de seu patrimônio cultural. Arcelin mobilizou governos de países africanos, a Organização para a Unidade Africana, e até Kofi Annam, então secretário-geral da ONU. Vendo-se em palpos de aranha, o governo Aznar decidiu devolver o morto à sua terra de origem. O negro foi descatalogado como peça de museu e, enfim, reconhecido em sua condição humana. Mereceu enterro condigno em Botswana
Em meus tempos de revista "Realidade", nos anos 60, escandalizou o Brasil a reportagem de capa que trazia, como título, "O Piauí existe." Foi uma forma de chamar a atenção dos brasileiros para o mais pobre estado do Brasil, ignorado pelo poder e pela opinião públicos.
O terremoto que arruinou o Haiti nos induz à pergunta: o Haiti existe? Hoje, sim. Mas, e antes de ser arruinado pelo terremoto? Quem se importava com a miséria daquele país? Quem se perguntava por que o Brasil enviou para lá tropas a pedido da ONU? E agora, será que a catástrofe - a mais terrível que presencio ao longo da vida - é mera culpa dos desarranjos da natureza? Ou de Deus, que se mantém silencioso frente ao drama de milhares de mortos, feridos e desamparados?
Colonizado por espanhóis e franceses, o Haiti conquistou sua independência em 1804, o que lhe custou um duro castigo: os escravagistas europeus e estadunidenses o mantiveram sob bloqueio comercial durante 60 anos.
Na segunda metade do século XIX e início do XX, o Haiti teve 20 governantes, dos quais 16 foram depostos ou assassinados. De 1915 a 1934 os EUA ocuparam o Haiti. Em 1957, o médico François Duvalier, conhecido como Papa Doc, elegeu-se presidente, instalou uma cruel ditadura apoiada pelos tonton macoutes (bichos-papões) e pelos EUA. A partir de 1964, tornou-se presidente vitalício... Ao morrer em 1971, foi sucedido por seu filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, que governou até 1986, quando se refugiou na França.
O Haiti foi invadido pela França em 1869; pela Espanha em 1871; pela Inglaterra em 1877; pelos EUA em 1914 e em 1915, permanecendo até 1934; pelos EUA, de novo, em 1969.
As primeiras eleições democráticas ocorreram em 1990; elegeu-se o padre Jean-Bertrand Aristide, cujo governo foi decepcionante. Deposto em 1991 pelos militares, refugiou-se nos EUA. Retornou ao poder em 1994 e, em 2004, acusado de corrupção e conivência com Washington, exilou-se na África do Sul. Embora presidido hoje por René Préval, o Haiti é mantido sob intervenção da ONU e agora ocupado, de fato, por tropas usamericanas.
Para o Ocidente "civilizado e cristão", o Haiti sempre foi um negro inerte na vitrine, empalhado em sua própria miséria. Por isso, a mídia do branco exibe, pela primeira vez, os corpos destroçados pelo terremoto. Ninguém viu, por TV ou fotos, algo semelhante na Nova Orleans destruída pelo furacão ou no Iraque atingido pelas bombas. Nem mesmo após a passagem do tsunami na Indonésia.
Agora, o Haiti pesa em nossa consciência, fere nossa sensibilidade, arranca-nos lágrimas de compaixão, desafia a nossa impotência. Porque sabemos que se arruinou, não apenas por causa do terremoto, mas sobretudo pelo descaso de nossa dessolidariedade.
Outros países sofrem abalos sísmicos e nem por isso destroços e vítimas são tantos. Ao Haiti enviamos "missões de paz", tropas de intervenção, ajudas humanitárias; jamais projetos de desenvolvimento sustentável.
Findas as ações emergenciais, quem haverá de reconhecer o Haiti como nação soberana, independente, com direito à sua autodeterminação? Quem abraçará o exemplo da dra. Zilda Arns, de ensinar o povo a ser sujeito multiplicador e emancipador de sua própria história?
CHILE - Um empresário milionário à frente do Chile.
Um empresário milionário à frente do Chile criar PDF versão para impressão enviar por e-mail
29-Jan-2010
Sebastian PiñeraJá há quem chame ao novo presidente chileno, Sebastian Piñera, o "Berlusconi chileno". Um dos homens mais ricos do país, controla a cadeia de televisão Chilevisión, a companhia de aviação Lan Chile e o clube de futebol Colo Colo. Por Frank Gaudichaud, Centre Tricontinental
É um furacão histórico o que o Chile acaba de viver, no seguimento da segunda volta das eleições presidenciais no passado dia 17 de Janeiro. Pela primeira vez, há mais de cinco décadas, a direita conquista o governo "pelas urnas": o último presidente de direita eleito foi Jorge Alessandri, em... 1958. Referindo-se à transição democrática que pôs fim à ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1989), alguns analistas não hesitam em falar de uma "segunda transição". Segundo eles, esta primeira alternância desde o fim da ditadura seria até prova de uma boa saúde democrática. Depois de dezassete anos de um terrorismo de Estado que pôs fim à experiência da Unidade Popular de Salvador Allende, e a duas décadas de uma democracia sob a tutela de uma "transição de pacto", conduzida pela Concertação dos Partidos para a Democracia - coligação de circunstância entre o Partido Socialista (PS) e o Partido Democrata Cristão (PDC) - o povo chileno conheceria daí em diante as alegrias da alternância.
No seu primeiro discurso, o vencedor, o empresário multimilionário Sebastian Piñera, apelou à "unidade nacional" e reiterou os seus argumentos de campanha favoritos, entre os quais a luta contra "a delinquência e o narcotráfico", a gestão de um "Estado eficaz" com "muito músculo e pouca gordura", ao mesmo tempo que se dizia preocupado com a sorte "dos mais fracos e da classe média". Prometeu durante a campanha criar um milhão de empregos...
Em quase sete milhões de votos expressos, o candidato eleito conquistou a segunda volta com 51,6% dos votos em nome da Coligação Para a Mudança que reúne a direita liberal - Renovação Nacional (RN), de onde ele vem - e os sectores católicos e conservadores da União Democrática Independente (UDI), herdeiros directos da ditadura. O antigo presidente democrata-cristão Eduardo Frei (1994-2000), que defendia as cores da Concertação, obtém 48,4%.
Esta eleição vem pôr fim a um ciclo de quatro executivos concertacionistas consecutivos: uma classe política indefinidamente instalada na máquina do estado e bem adaptada ao modelo económico herdado da ditadura, assim como à Constituição autoritária de 1980, várias vezes emendada mas nunca posta em causa. Para além da falta de carisma de Frei e da ausência de renovação geracional, a Concertação parece ter perdido o fôlego. Isto, apesar da grande popularidade da presidente cessante, a socialista Michelle Bachelet, e de um balanço, que contou com o apoio da maioria das elites do país, para o qual se conjugaram a abertura económica às multinacionais e a mercantilização dos serviços públicos, a partir de 2000, com uma política social destinada aos mais pobres.
Piñera apressou-se a anunciar que não fará "tábua rasa" do período anterior e que está aberto à "democracia dos acordos", tal como foi praticada até agora.
A eleição de 17 de Janeiro marca, sem dúvida, o fim da Concertação tal como ela existiu, e vai acelerar as tensões internas entre o pólo democrata-cristão e o PS. A dicotomia democracia-autoritarismo que estruturava o sistema político da "transição de pacto" e que permitia à Concertação invocar "um mal menor" em caso de segunda volta, ou justificar reformas feitas "na medida do possível", já não funciona. Nascida em 1988, a coligação teve como função essencial negociar uma saída da ditadura com os militares e as classes dominantes.
Este pacto significou a aceitação do modelo neoliberal dos "boys de Chicago", inúmeros acordos parlamentares com a direita, a manutenção de toda uma parte da herança institucional autoritária (Constituição, sistema eleitoral binominal, código do trabalho, lei da amnistia) e a garantia de uma ampla impunidade para os responsáveis por violação dos direitos do homem1.
Este escrutínio, o primeiro depois da morte do general Pinochet em 2006, inscreve-se num campo político cuja fluidez crescente, acentuada pelo renovar das lutas sociais, acelerou ao longo dos últimos meses. A crise dos partidos governamentais concretizou-se a partir da primeira volta, nomeadamente com a candidatura dissidente de Marco Enríquez Ominami (MEO)2, ele próprio saído da Concertação. O seu discurso crítico, alternando algumas medidas progressistas e um programa económico liberal de fundo desestabilizou as forças políticas tradicionais. Ominami soube atrair os votos de uma parte da juventude escolarizada, das classes médias urbanas e captou nada menos que 20% dos votos na primeira volta, para finalmente - pouco antes da segunda volta - apoiar publicamente Frei.
Marginalizado na onda de um imenso show político televisivo, o Partido Comunista e os seus aliados - ao som de "Juntos Podemos" - tentaram defender a candidatura de Jorge Arrate (também ele saído do PS e ex-ministro), com um programa que propunha reformas sociais, um regresso dos serviços públicos, uma mudança da Constituição e uma aliança «instrumental» ao nível das eleições legislativas com a Concertação, visando romper "a exclusão institucional" da esquerda extraparlamentar. O PC e a sua coligação Juntos Podemos - 6,2% dos votos na primeira volta e três deputados - apelaram ao voto em Frei a troco de "doze pontos de compromisso" do candidato concertacionnista.3
No seio da esquerda, a fragmentação continua a dominar, mas são muitos os militantes, como o Movimento dos Povos e dos Trabalhadores (MPT) - reunindo várias pequenas organizações anticapitalistas - que fizeram campanha para "o voto nulo", denunciando a ausência de candidatos "independentes do sistema" e, por conseguinte, de alternativa. Apesar de tudo, uma parte importante do movimento sindical, entre ela a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), uniram-se à candidatura centrista contra uma direita considerada "perigosa" para os direitos dos trabalhadores.
Entretanto, a campanha de Frei não propôs perspectivas reais face à imensidade das desigualdades sociais de que o Chile é um dos campeões da América Latina... Contrariamente a uma direita que modernizou a sua imagem com grande investimento na comunicação, Frei insistia demasiado na continuidade dum governo marcado, durante o seu mandato, por novas privatizações, pelo encerramento da maioria dos média independentes ou ainda pela recusa de ver Pinochet ser extraditado pelo juiz Garzón.
Quanto aos jovens, são mais de dois milhões os que não estão recenseados, por não se reverem numa representação nacional que consideram afastada das suas preocupações quotidianas4. Esta saturação é também a de certos intelectuais de renome, como o historiador Sergio Grez, que afirmava: "Qualquer que seja o resultado da eleição presidencial, os habitantes deste país continuarão a sofrer do modelo neoliberal que os dois candidatos à presidência da república - com algumas nuances - pretendem consolidar."
Neste país, que conheceu, ao longo dos últimos 30 anos, uma verdadeira "revolução capitalista", para pegar na expressão do sociólogo Tomás Moulian, a cidadania dá muitas vezes lugar a uma forte despolitização. A constatação do jornalista Mauricio Becerra é amarga: "O fim do cenário estava à vista: dando tanto poder ao grande capital, foi o patronato que acabou por tomar o controlo do Estado (...). Pouquíssimas empresas públicas estão ainda por privatizar. A subjectividade individualista neoliberal molda os protótipos de identidade. A concentração de todos os medos sobre os delitos contra a propriedade, mais do que sobre a insegurança social ou a falta de participação, instalou-se no imaginário colectivo5"
Por vezes apelidado de "Berlusconi Chileno", Piñera é um dos homens mais ricos do país, com uma fortuna avaliada em 840 milhões de euros (setecentésima fortuna do mundo na classificação da Forbes 2009). Enriqueceu durante a ditadura - em parte de forma fraudulenta, segundo revelam os jornais La Nación et El Siglo - e controla uma das principais cadeias de televisão - Chilevisión -, a companhia de aviação Lan Chile e um importante clube de futebol (Colo Colo).
Os investidores não se enganaram: no dia seguinte à eleição, as acções na Bolsa das empresas tiveram uma alta de 13,8%... Para além disso beneficia do apoio directo dos grandes meios de comunicação, o que lhe permitiu conduzir uma campanha mediática ofensiva e demarcar-se da sombra da ditadura que continua a pairar sobre a direita chilena. Piñera, que recorda o seu voto "não" no referendo de 1989 contra o general Pinochet, não hesita, porém, em afirmar que contará com a colaboração de antigos membros do regime militar se as suas qualidades puderem servir o país. Os parlamentares ultraconservadores da UDI aguardam também do novo governo o que lhes é devido: já que a direita controla metade das câmaras, a UDI possui por si só 40 deputados (um terço dos lugares) e oito senadores (em igualdade com a RN).
Nesta base, são seguramente quatro anos difíceis que aguardam as famílias dos presos desaparecidos durante a ditadura, o povo Mapuche mobilizado no sul do país, os cidadãos que aguardam uma Assembleia Constituinte e, mais amplamente, o movimento social e sindical, verdadeiras ovelhas negras de Piñera. Mas este furacão político vai também pesar no plano regional. É por trás dos Estados unidos, ao lado do Peru, da Colômbia (o presidente Alvaro Uribe é um dos exemplos a seguir, segundo Piñera) e face ao eixo "boliviano" (Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba) que se situará o Chile, a partir de Março próximo, no plano geopolítico. Esta chegada de uma direita descomplexada à Moneda, o palácio presidencial que viu a morte do presidente Allende a 11 de Setembro de 1973, terá agora um impacto bem para além da Cordilheira dos Andes, no momento em que os povos da América Latina tentam afirmar a sua independência face aos gigantes do Norte.
(22 de Janeiro de 2010)
Tradução de Deolinda Peralta
1 Felipe Portales, Chile, una democracia tutelada, Editorial Sudamericana, Santiago, 2000.
2 Marco Enríquez Ominami é o filho do revolucionário Miguel Enríquez, assassinado pelos militares em 1974.
3 O PC deixa porém transparecer uma aliança de mais longo prazo com o PS e certos sectores progressistas da Concertação no Parlamento.
4No total, são menos os cidadãos que participam nas eleições desde 1988: 31% dos chilenos em idade de votar, isto é, 3,8 milhões de pessoas, não estão sequer recenseados (no Chile, o voto é obrigatório).
5 "Se van los capataces y vuelve el patrón", El Ciudadano. http://www.cetri.be/spip.php?article1520
Fonte:Esquerda.net
29-Jan-2010
Sebastian PiñeraJá há quem chame ao novo presidente chileno, Sebastian Piñera, o "Berlusconi chileno". Um dos homens mais ricos do país, controla a cadeia de televisão Chilevisión, a companhia de aviação Lan Chile e o clube de futebol Colo Colo. Por Frank Gaudichaud, Centre Tricontinental
É um furacão histórico o que o Chile acaba de viver, no seguimento da segunda volta das eleições presidenciais no passado dia 17 de Janeiro. Pela primeira vez, há mais de cinco décadas, a direita conquista o governo "pelas urnas": o último presidente de direita eleito foi Jorge Alessandri, em... 1958. Referindo-se à transição democrática que pôs fim à ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1989), alguns analistas não hesitam em falar de uma "segunda transição". Segundo eles, esta primeira alternância desde o fim da ditadura seria até prova de uma boa saúde democrática. Depois de dezassete anos de um terrorismo de Estado que pôs fim à experiência da Unidade Popular de Salvador Allende, e a duas décadas de uma democracia sob a tutela de uma "transição de pacto", conduzida pela Concertação dos Partidos para a Democracia - coligação de circunstância entre o Partido Socialista (PS) e o Partido Democrata Cristão (PDC) - o povo chileno conheceria daí em diante as alegrias da alternância.
No seu primeiro discurso, o vencedor, o empresário multimilionário Sebastian Piñera, apelou à "unidade nacional" e reiterou os seus argumentos de campanha favoritos, entre os quais a luta contra "a delinquência e o narcotráfico", a gestão de um "Estado eficaz" com "muito músculo e pouca gordura", ao mesmo tempo que se dizia preocupado com a sorte "dos mais fracos e da classe média". Prometeu durante a campanha criar um milhão de empregos...
Em quase sete milhões de votos expressos, o candidato eleito conquistou a segunda volta com 51,6% dos votos em nome da Coligação Para a Mudança que reúne a direita liberal - Renovação Nacional (RN), de onde ele vem - e os sectores católicos e conservadores da União Democrática Independente (UDI), herdeiros directos da ditadura. O antigo presidente democrata-cristão Eduardo Frei (1994-2000), que defendia as cores da Concertação, obtém 48,4%.
Esta eleição vem pôr fim a um ciclo de quatro executivos concertacionistas consecutivos: uma classe política indefinidamente instalada na máquina do estado e bem adaptada ao modelo económico herdado da ditadura, assim como à Constituição autoritária de 1980, várias vezes emendada mas nunca posta em causa. Para além da falta de carisma de Frei e da ausência de renovação geracional, a Concertação parece ter perdido o fôlego. Isto, apesar da grande popularidade da presidente cessante, a socialista Michelle Bachelet, e de um balanço, que contou com o apoio da maioria das elites do país, para o qual se conjugaram a abertura económica às multinacionais e a mercantilização dos serviços públicos, a partir de 2000, com uma política social destinada aos mais pobres.
Piñera apressou-se a anunciar que não fará "tábua rasa" do período anterior e que está aberto à "democracia dos acordos", tal como foi praticada até agora.
A eleição de 17 de Janeiro marca, sem dúvida, o fim da Concertação tal como ela existiu, e vai acelerar as tensões internas entre o pólo democrata-cristão e o PS. A dicotomia democracia-autoritarismo que estruturava o sistema político da "transição de pacto" e que permitia à Concertação invocar "um mal menor" em caso de segunda volta, ou justificar reformas feitas "na medida do possível", já não funciona. Nascida em 1988, a coligação teve como função essencial negociar uma saída da ditadura com os militares e as classes dominantes.
Este pacto significou a aceitação do modelo neoliberal dos "boys de Chicago", inúmeros acordos parlamentares com a direita, a manutenção de toda uma parte da herança institucional autoritária (Constituição, sistema eleitoral binominal, código do trabalho, lei da amnistia) e a garantia de uma ampla impunidade para os responsáveis por violação dos direitos do homem1.
Este escrutínio, o primeiro depois da morte do general Pinochet em 2006, inscreve-se num campo político cuja fluidez crescente, acentuada pelo renovar das lutas sociais, acelerou ao longo dos últimos meses. A crise dos partidos governamentais concretizou-se a partir da primeira volta, nomeadamente com a candidatura dissidente de Marco Enríquez Ominami (MEO)2, ele próprio saído da Concertação. O seu discurso crítico, alternando algumas medidas progressistas e um programa económico liberal de fundo desestabilizou as forças políticas tradicionais. Ominami soube atrair os votos de uma parte da juventude escolarizada, das classes médias urbanas e captou nada menos que 20% dos votos na primeira volta, para finalmente - pouco antes da segunda volta - apoiar publicamente Frei.
Marginalizado na onda de um imenso show político televisivo, o Partido Comunista e os seus aliados - ao som de "Juntos Podemos" - tentaram defender a candidatura de Jorge Arrate (também ele saído do PS e ex-ministro), com um programa que propunha reformas sociais, um regresso dos serviços públicos, uma mudança da Constituição e uma aliança «instrumental» ao nível das eleições legislativas com a Concertação, visando romper "a exclusão institucional" da esquerda extraparlamentar. O PC e a sua coligação Juntos Podemos - 6,2% dos votos na primeira volta e três deputados - apelaram ao voto em Frei a troco de "doze pontos de compromisso" do candidato concertacionnista.3
No seio da esquerda, a fragmentação continua a dominar, mas são muitos os militantes, como o Movimento dos Povos e dos Trabalhadores (MPT) - reunindo várias pequenas organizações anticapitalistas - que fizeram campanha para "o voto nulo", denunciando a ausência de candidatos "independentes do sistema" e, por conseguinte, de alternativa. Apesar de tudo, uma parte importante do movimento sindical, entre ela a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), uniram-se à candidatura centrista contra uma direita considerada "perigosa" para os direitos dos trabalhadores.
Entretanto, a campanha de Frei não propôs perspectivas reais face à imensidade das desigualdades sociais de que o Chile é um dos campeões da América Latina... Contrariamente a uma direita que modernizou a sua imagem com grande investimento na comunicação, Frei insistia demasiado na continuidade dum governo marcado, durante o seu mandato, por novas privatizações, pelo encerramento da maioria dos média independentes ou ainda pela recusa de ver Pinochet ser extraditado pelo juiz Garzón.
Quanto aos jovens, são mais de dois milhões os que não estão recenseados, por não se reverem numa representação nacional que consideram afastada das suas preocupações quotidianas4. Esta saturação é também a de certos intelectuais de renome, como o historiador Sergio Grez, que afirmava: "Qualquer que seja o resultado da eleição presidencial, os habitantes deste país continuarão a sofrer do modelo neoliberal que os dois candidatos à presidência da república - com algumas nuances - pretendem consolidar."
Neste país, que conheceu, ao longo dos últimos 30 anos, uma verdadeira "revolução capitalista", para pegar na expressão do sociólogo Tomás Moulian, a cidadania dá muitas vezes lugar a uma forte despolitização. A constatação do jornalista Mauricio Becerra é amarga: "O fim do cenário estava à vista: dando tanto poder ao grande capital, foi o patronato que acabou por tomar o controlo do Estado (...). Pouquíssimas empresas públicas estão ainda por privatizar. A subjectividade individualista neoliberal molda os protótipos de identidade. A concentração de todos os medos sobre os delitos contra a propriedade, mais do que sobre a insegurança social ou a falta de participação, instalou-se no imaginário colectivo5"
Por vezes apelidado de "Berlusconi Chileno", Piñera é um dos homens mais ricos do país, com uma fortuna avaliada em 840 milhões de euros (setecentésima fortuna do mundo na classificação da Forbes 2009). Enriqueceu durante a ditadura - em parte de forma fraudulenta, segundo revelam os jornais La Nación et El Siglo - e controla uma das principais cadeias de televisão - Chilevisión -, a companhia de aviação Lan Chile e um importante clube de futebol (Colo Colo).
Os investidores não se enganaram: no dia seguinte à eleição, as acções na Bolsa das empresas tiveram uma alta de 13,8%... Para além disso beneficia do apoio directo dos grandes meios de comunicação, o que lhe permitiu conduzir uma campanha mediática ofensiva e demarcar-se da sombra da ditadura que continua a pairar sobre a direita chilena. Piñera, que recorda o seu voto "não" no referendo de 1989 contra o general Pinochet, não hesita, porém, em afirmar que contará com a colaboração de antigos membros do regime militar se as suas qualidades puderem servir o país. Os parlamentares ultraconservadores da UDI aguardam também do novo governo o que lhes é devido: já que a direita controla metade das câmaras, a UDI possui por si só 40 deputados (um terço dos lugares) e oito senadores (em igualdade com a RN).
Nesta base, são seguramente quatro anos difíceis que aguardam as famílias dos presos desaparecidos durante a ditadura, o povo Mapuche mobilizado no sul do país, os cidadãos que aguardam uma Assembleia Constituinte e, mais amplamente, o movimento social e sindical, verdadeiras ovelhas negras de Piñera. Mas este furacão político vai também pesar no plano regional. É por trás dos Estados unidos, ao lado do Peru, da Colômbia (o presidente Alvaro Uribe é um dos exemplos a seguir, segundo Piñera) e face ao eixo "boliviano" (Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba) que se situará o Chile, a partir de Março próximo, no plano geopolítico. Esta chegada de uma direita descomplexada à Moneda, o palácio presidencial que viu a morte do presidente Allende a 11 de Setembro de 1973, terá agora um impacto bem para além da Cordilheira dos Andes, no momento em que os povos da América Latina tentam afirmar a sua independência face aos gigantes do Norte.
(22 de Janeiro de 2010)
Tradução de Deolinda Peralta
1 Felipe Portales, Chile, una democracia tutelada, Editorial Sudamericana, Santiago, 2000.
2 Marco Enríquez Ominami é o filho do revolucionário Miguel Enríquez, assassinado pelos militares em 1974.
3 O PC deixa porém transparecer uma aliança de mais longo prazo com o PS e certos sectores progressistas da Concertação no Parlamento.
4No total, são menos os cidadãos que participam nas eleições desde 1988: 31% dos chilenos em idade de votar, isto é, 3,8 milhões de pessoas, não estão sequer recenseados (no Chile, o voto é obrigatório).
5 "Se van los capataces y vuelve el patrón", El Ciudadano. http://www.cetri.be/spip.php?article1520
Fonte:Esquerda.net
EUA -"Os democratas envergonham-me"
Michael Moore fala a Amy Goodman, da Democracy Now!, sobre o Haiti e a razão pela qual considera os Democratas "repugnantes": "Não têm estofo. Não têm coragem de defender as suas próprias propostas".
O realizador Michael Moore disponibilizou-se para uma longa entrevista sobre o Haiti, a decisão do Supremo Tribunal a respeito do financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas, o seu primeiro ano de mandato, os Democratas, etc. "Os Democratas perderam a garra. Não têm coragem para defender as suas próprias propostas. São repugnantes. "Envergonham-me", diz-nos, "Não quero ter nada a ver com eles. E se não recuperarem desta cobardia, terão uma grande surpresa em Novembro."
Amy Goodman: Hoje entrevistamos Michael Moore, um dos realizadores de cinema independente mais famosos do mundo. Nestes últimos vinte anos, Moore tem sido um dos realizadores mais provocadores, bem sucedidos e politicamente activos. Podemos destacar da sua cinematografia, entre outros, títulos como "Roger and me" (Roger e Eu), "Fahrenheit 9/11", "Bowling for Columbine" - que lhe granjeou o prémio da Academia - e "Capitalism: A Love Story" (Capitalismo: Uma História de Amor), o seu filme mais recente.
Michal Moore esteve esta semana em Park City para ver alguns dos filmes que foram seleccionados para concorrer no Festival de Cinema de Sundance e para escolher filmes para o Traverse City Film Festival, de Michigan, a cidade onde reside.
Tive a oportunidade de o entrevistar logo após uma exibição e antes do seu regresso a casa. Comecei com uma pergunta sobre a situação no Haiti.
Michael Moore: O mais espantoso acerca "da resposta norte-americana" - conforme disse - foi a reacção individual, de cada norte-americano. Mobilizaram-se no próprio dia do terramoto, doaram com mensagens de telemóvel para a Cruz Vermelha, ofereceram-se como voluntários, queriam ajudar. As campanhas de recolha de donativos começaram nesse mesmo instante.
Quando se deu o terramoto eu estava em Miami. Testemunhei este esforço. Sobretudo por parte da comunidade haitiana e de outras comunidades do Sul da Flórida. Houve até o caso de um médico de Fort Lauderdale, proprietário de um avião, que não esperou por autorizações oficiais. Chegou ao aeroporto, saltou para o cockpit, foi ao Haiti, trouxe todos os feridos que podia - cerca de quinze pessoas - e levou-os para o hospital de Fort Lauderdale. Eu pensei então, "Meu Deus, porque é que não assistimos a isto todos os dias?"
Mas a resposta do governo, digamos, foi desajeitada, soou mais uma vez a "Somos demasiado poderosos para falhar". Que é o mesmo que dizer, "Somos demasiado poderosos para sermos bem sucedidos". Pelo menos foi assim que deram a entender.
Mas também lhe digo: de imediato, e em poucas horas, Barack Obama tentou organizar uma resposta, o que contrasta, e muito, com o que assistimos durante os mandatos de Bush, como no caso do Katrina e de outras tragédias do género. De tal modo que me recordo de me ter sentido bastante satisfeito com esta reacção.
Mas depois, no segundo e no terceiro dia, quando se percebeu que não estava a chegar ao Haiti qualquer ajuda significativa e que nessa altura era mais importante resolver a situação dos norte-americanos que lá estavam, na Embaixada, no Hotel Montana, etc. etc... Com certeza, é natural ocuparmo-nos primeiro dos nossos compatriotas, mas eu esperava que estivéssemos ali para ajudar toda a gente e que ninguém fosse considerado mais humano do que o seu semelhante.
Amy Goodman: Não sabia de um grupo de enfermeiras que queria ir - ou seria mais do que um grupo?
Michael Moore: Meu Deus... O Sindicato Nacional dos Enfermeiros. Esse é o episódio mais triste de todos. Espero que quem me esteja a ouvir, e a ver, reaja e faça pressão sobre a administração Bush. O Sindicato Nacional dos Enfermeiros...
Amy Goodman: ...A administração Obama?
Michael Moore: Sim, a de Obama. O que é que eu disse? A...
Amy Goodman: Administração Bush.
Michael Moore: Certo, certo. Já estamos a pressioná-los. Já não estão entre nós. Mas isso não era só freudiano, este é o meu estado de espírito. Porque eu não aceito a agradável diferença entre as administrações Bush e Obama, é ilusória. À primeira vista, se compararmos a actualidade com o que aconteceu nos últimos oito anos, tudo nos parece fantástico, mas na essência, na prática... Não lhe consigo dizer o quanto estou desiludido.
E o que sucedeu com o Sindicato Nacional dos Enfermeiros revela o empenho deste corpo de profissionais. Quantos estavam dispostos a partir imediatamente para o Haiti? Quase doze mil enfermeiros, note bem, doze mil enfermeiros deste país estão dispostos a seguir para o Haiti. E um enfermeiro poderia cuidar de muitas pessoas. Imagine então quantas pessoas poderíamos ajudar se pudéssemos enviar doze mil enfermeiros devidamente equipados. E esta oferta já foi feita há muitos, muitos dias, está a perceber?
Amy Goodman: A quem?
Michael Moore: À administração Obama, pela dirigente do sindicato. Ela entrou em contacto com o governo e foi ignorada, de início ninguém lhe respondeu. Mas lá acabaram por encaminhá-la para alguém que não tinha qualquer poder de decisão. Então, depois de tudo isto, ela contactou-me e disse-me "Você saberá, porventura, como poderemos chegar até ao presidente Obama?"Eu respondi, "É patético o facto de vocês serem forçados a ligar-me, quer dizer, vocês são o maior sindicato de enfermeiros. Tanto quanto sei asseguram a vice-presidência da AFL-CIO [Federação Americana do Trabalho - Congresso de Organizações Industriais], e mesmo assim não conseguem que a Casa Branca vos autorize o envio de doze mil enfermeiros para o Haiti? Não sei o que fazer por vocês... Não sei, vou ligar também".
O que é certo é que até hoje pouco mais foi feito. É angustiante. E é só um exemplo do que se passa. Na última semana você fez a cobertura deste estado de coisas quando lá esteve - falharam redondamente.
Amy Goodman: Abordemos agora a questão da saúde, aqui nos Estados Unidos. Enquanto se desenrolavam os acontecimentos no Haiti, houve eleições em Massachusetts para substituir o senador Ted Kennedy e ganhou Scott Brown, o candidato republicano. Esta eleição vai ter grandes repercussões no debate sobre o sistema de saúde. E você tem sido bastante crítico acerca do rumo que o Presidente Obama está a tomar nesta questão. Fale-nos sobre este primeiro ano de mandato presidencial e o que lhe parece que seja urgente fazer.
Michael Moore: Na verdade enviei uma carta para a Casa Branca na própria noite das eleições, na qual disse "Sei que não está surpreendido. O que esperaria após um ano em que recuou em todas as direcções em que prometera avançar? Um verdadeiro sistema de saúde público; a retirada do Afeganistão, contrariada por uma escalada chocante; a reforma do sistema bancário, obrigando os bancos a repor os prejuízos infligidos aos contribuintes, em vez de lhes serem oferecidos mais apoios. O que pensa que iria suceder em Massachusetts? Que o seu eleitorado iria acordar naquela terça-feira a pensar: 'Mal posso esperar para ir votar em alguém que é responsável por tudo o que está a acontecer'"? Acho que muitas pessoas levantaram-se e pensaram: "Já me estou nas tintas para isto. Não vou votar, estou demasiado zangado." Claro que no outro lado da barricada estão sempre prontos. Eles levantam-se às cinco da amanhã a urdir contra a espécie humana. Por isso não fico surpreendido por terem ido votar.
Por outro lado, sou da opinião que as eleições são um óptimo trailer, excelente publicidade para as eleições de Novembro. Caramba, há um ano atrás Barack Obama tinha o eleitorado do seu lado. Podia ter escolhido outro caminho, o país estava a exigi-lo. As expectativas eram tais que pensávamos que iríamos mudar radicalmente em relação ao passado mais recente e construir o país em que todos desejávamos viver. A grande maioria das pessoas votou nele. E então Obama convenceu-se de que para o fazer teria de agir como os seus adversários - e este é o erro histórico, recorrente, do Partido Democrata: estão convencidos de que a única forma de ganhar é serem uma espécie de Republicanos light. E cada vez que tal acontece, é o descalabro.
Amy Goodman: Como é que de sessenta votos se passou para os recentes cinquenta e um? O que eu quero dizer é o seguinte: quando a lei [sobre a indústria farmacêutica] foi votada, à qual se opunham os Democratas, em princípio, os Republicanos não tinham os sessenta votos, mas a lei foi aprovada. O que é que confere um peso eleitoral tão significativo ao estado de Massachusetts?1 Muito bem, isso significa que o voto de bloqueio democrata não totaliza sessenta votos. Mas porque é que eles necessitam desses votos?
Michael Moore: Bom, não se esqueça que formos governados por um presidente que mal chegava a ser um aluno medíocre. Ora bem, quando os governantes são estúpidos, sessenta votos valem por uma maioria de cem: "É isso, precisamos de sessenta votos", pensaram eles. Conseguiram de alguma forma convencer os norte-americanos de que sessenta são cinquenta.
Agora brincadeiras à parte, este é outro exemplo de como, no fundo, os Democratas são uma cambada de palermas. Não têm estofo. Não têm coragem de defender as suas próprias propostas. São repugnantes. Envergonham-me. Não quero ter nada a ver com eles. E se não recuperarem desta cobardia, terão uma grande surpresa em Novembro.
A entrevista completa está, em inglês e em vídeo, aqui.
Tradução de Pedro Sena
1A inesperada vitória republicana em Massachusetts retirou aos democratas a maioria de 60 votos no Senado, que lhes garantia a aprovação da lei de reforma do sistema de saúde sem ter de enfrentar a obstrução (filibuster) dos republicanos. A maioria no Senado é de 51 votos.
Fonte:Esquerda.net
O realizador Michael Moore disponibilizou-se para uma longa entrevista sobre o Haiti, a decisão do Supremo Tribunal a respeito do financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas, o seu primeiro ano de mandato, os Democratas, etc. "Os Democratas perderam a garra. Não têm coragem para defender as suas próprias propostas. São repugnantes. "Envergonham-me", diz-nos, "Não quero ter nada a ver com eles. E se não recuperarem desta cobardia, terão uma grande surpresa em Novembro."
Amy Goodman: Hoje entrevistamos Michael Moore, um dos realizadores de cinema independente mais famosos do mundo. Nestes últimos vinte anos, Moore tem sido um dos realizadores mais provocadores, bem sucedidos e politicamente activos. Podemos destacar da sua cinematografia, entre outros, títulos como "Roger and me" (Roger e Eu), "Fahrenheit 9/11", "Bowling for Columbine" - que lhe granjeou o prémio da Academia - e "Capitalism: A Love Story" (Capitalismo: Uma História de Amor), o seu filme mais recente.
Michal Moore esteve esta semana em Park City para ver alguns dos filmes que foram seleccionados para concorrer no Festival de Cinema de Sundance e para escolher filmes para o Traverse City Film Festival, de Michigan, a cidade onde reside.
Tive a oportunidade de o entrevistar logo após uma exibição e antes do seu regresso a casa. Comecei com uma pergunta sobre a situação no Haiti.
Michael Moore: O mais espantoso acerca "da resposta norte-americana" - conforme disse - foi a reacção individual, de cada norte-americano. Mobilizaram-se no próprio dia do terramoto, doaram com mensagens de telemóvel para a Cruz Vermelha, ofereceram-se como voluntários, queriam ajudar. As campanhas de recolha de donativos começaram nesse mesmo instante.
Quando se deu o terramoto eu estava em Miami. Testemunhei este esforço. Sobretudo por parte da comunidade haitiana e de outras comunidades do Sul da Flórida. Houve até o caso de um médico de Fort Lauderdale, proprietário de um avião, que não esperou por autorizações oficiais. Chegou ao aeroporto, saltou para o cockpit, foi ao Haiti, trouxe todos os feridos que podia - cerca de quinze pessoas - e levou-os para o hospital de Fort Lauderdale. Eu pensei então, "Meu Deus, porque é que não assistimos a isto todos os dias?"
Mas a resposta do governo, digamos, foi desajeitada, soou mais uma vez a "Somos demasiado poderosos para falhar". Que é o mesmo que dizer, "Somos demasiado poderosos para sermos bem sucedidos". Pelo menos foi assim que deram a entender.
Mas também lhe digo: de imediato, e em poucas horas, Barack Obama tentou organizar uma resposta, o que contrasta, e muito, com o que assistimos durante os mandatos de Bush, como no caso do Katrina e de outras tragédias do género. De tal modo que me recordo de me ter sentido bastante satisfeito com esta reacção.
Mas depois, no segundo e no terceiro dia, quando se percebeu que não estava a chegar ao Haiti qualquer ajuda significativa e que nessa altura era mais importante resolver a situação dos norte-americanos que lá estavam, na Embaixada, no Hotel Montana, etc. etc... Com certeza, é natural ocuparmo-nos primeiro dos nossos compatriotas, mas eu esperava que estivéssemos ali para ajudar toda a gente e que ninguém fosse considerado mais humano do que o seu semelhante.
Amy Goodman: Não sabia de um grupo de enfermeiras que queria ir - ou seria mais do que um grupo?
Michael Moore: Meu Deus... O Sindicato Nacional dos Enfermeiros. Esse é o episódio mais triste de todos. Espero que quem me esteja a ouvir, e a ver, reaja e faça pressão sobre a administração Bush. O Sindicato Nacional dos Enfermeiros...
Amy Goodman: ...A administração Obama?
Michael Moore: Sim, a de Obama. O que é que eu disse? A...
Amy Goodman: Administração Bush.
Michael Moore: Certo, certo. Já estamos a pressioná-los. Já não estão entre nós. Mas isso não era só freudiano, este é o meu estado de espírito. Porque eu não aceito a agradável diferença entre as administrações Bush e Obama, é ilusória. À primeira vista, se compararmos a actualidade com o que aconteceu nos últimos oito anos, tudo nos parece fantástico, mas na essência, na prática... Não lhe consigo dizer o quanto estou desiludido.
E o que sucedeu com o Sindicato Nacional dos Enfermeiros revela o empenho deste corpo de profissionais. Quantos estavam dispostos a partir imediatamente para o Haiti? Quase doze mil enfermeiros, note bem, doze mil enfermeiros deste país estão dispostos a seguir para o Haiti. E um enfermeiro poderia cuidar de muitas pessoas. Imagine então quantas pessoas poderíamos ajudar se pudéssemos enviar doze mil enfermeiros devidamente equipados. E esta oferta já foi feita há muitos, muitos dias, está a perceber?
Amy Goodman: A quem?
Michael Moore: À administração Obama, pela dirigente do sindicato. Ela entrou em contacto com o governo e foi ignorada, de início ninguém lhe respondeu. Mas lá acabaram por encaminhá-la para alguém que não tinha qualquer poder de decisão. Então, depois de tudo isto, ela contactou-me e disse-me "Você saberá, porventura, como poderemos chegar até ao presidente Obama?"Eu respondi, "É patético o facto de vocês serem forçados a ligar-me, quer dizer, vocês são o maior sindicato de enfermeiros. Tanto quanto sei asseguram a vice-presidência da AFL-CIO [Federação Americana do Trabalho - Congresso de Organizações Industriais], e mesmo assim não conseguem que a Casa Branca vos autorize o envio de doze mil enfermeiros para o Haiti? Não sei o que fazer por vocês... Não sei, vou ligar também".
O que é certo é que até hoje pouco mais foi feito. É angustiante. E é só um exemplo do que se passa. Na última semana você fez a cobertura deste estado de coisas quando lá esteve - falharam redondamente.
Amy Goodman: Abordemos agora a questão da saúde, aqui nos Estados Unidos. Enquanto se desenrolavam os acontecimentos no Haiti, houve eleições em Massachusetts para substituir o senador Ted Kennedy e ganhou Scott Brown, o candidato republicano. Esta eleição vai ter grandes repercussões no debate sobre o sistema de saúde. E você tem sido bastante crítico acerca do rumo que o Presidente Obama está a tomar nesta questão. Fale-nos sobre este primeiro ano de mandato presidencial e o que lhe parece que seja urgente fazer.
Michael Moore: Na verdade enviei uma carta para a Casa Branca na própria noite das eleições, na qual disse "Sei que não está surpreendido. O que esperaria após um ano em que recuou em todas as direcções em que prometera avançar? Um verdadeiro sistema de saúde público; a retirada do Afeganistão, contrariada por uma escalada chocante; a reforma do sistema bancário, obrigando os bancos a repor os prejuízos infligidos aos contribuintes, em vez de lhes serem oferecidos mais apoios. O que pensa que iria suceder em Massachusetts? Que o seu eleitorado iria acordar naquela terça-feira a pensar: 'Mal posso esperar para ir votar em alguém que é responsável por tudo o que está a acontecer'"? Acho que muitas pessoas levantaram-se e pensaram: "Já me estou nas tintas para isto. Não vou votar, estou demasiado zangado." Claro que no outro lado da barricada estão sempre prontos. Eles levantam-se às cinco da amanhã a urdir contra a espécie humana. Por isso não fico surpreendido por terem ido votar.
Por outro lado, sou da opinião que as eleições são um óptimo trailer, excelente publicidade para as eleições de Novembro. Caramba, há um ano atrás Barack Obama tinha o eleitorado do seu lado. Podia ter escolhido outro caminho, o país estava a exigi-lo. As expectativas eram tais que pensávamos que iríamos mudar radicalmente em relação ao passado mais recente e construir o país em que todos desejávamos viver. A grande maioria das pessoas votou nele. E então Obama convenceu-se de que para o fazer teria de agir como os seus adversários - e este é o erro histórico, recorrente, do Partido Democrata: estão convencidos de que a única forma de ganhar é serem uma espécie de Republicanos light. E cada vez que tal acontece, é o descalabro.
Amy Goodman: Como é que de sessenta votos se passou para os recentes cinquenta e um? O que eu quero dizer é o seguinte: quando a lei [sobre a indústria farmacêutica] foi votada, à qual se opunham os Democratas, em princípio, os Republicanos não tinham os sessenta votos, mas a lei foi aprovada. O que é que confere um peso eleitoral tão significativo ao estado de Massachusetts?1 Muito bem, isso significa que o voto de bloqueio democrata não totaliza sessenta votos. Mas porque é que eles necessitam desses votos?
Michael Moore: Bom, não se esqueça que formos governados por um presidente que mal chegava a ser um aluno medíocre. Ora bem, quando os governantes são estúpidos, sessenta votos valem por uma maioria de cem: "É isso, precisamos de sessenta votos", pensaram eles. Conseguiram de alguma forma convencer os norte-americanos de que sessenta são cinquenta.
Agora brincadeiras à parte, este é outro exemplo de como, no fundo, os Democratas são uma cambada de palermas. Não têm estofo. Não têm coragem de defender as suas próprias propostas. São repugnantes. Envergonham-me. Não quero ter nada a ver com eles. E se não recuperarem desta cobardia, terão uma grande surpresa em Novembro.
A entrevista completa está, em inglês e em vídeo, aqui.
Tradução de Pedro Sena
1A inesperada vitória republicana em Massachusetts retirou aos democratas a maioria de 60 votos no Senado, que lhes garantia a aprovação da lei de reforma do sistema de saúde sem ter de enfrentar a obstrução (filibuster) dos republicanos. A maioria no Senado é de 51 votos.
Fonte:Esquerda.net
VENEZUELA - Oligarquias contra Cháves.
Mário Augusto Jakobskind
A mídia conservadora brasileira e latino-americana está fazendo o possível e o impossível para que a previsão da revista Newsweek se confirme. A publicação estadunidense, deixando de lado a função jornalística, somou-se ao desejo de grande parte da oligarquia das Américas de que o governo Hugo Chávez seja derrubado e previu a eclosão de um golpe militar no país sul-americano.
A TV Globo não fez por menos e convocou um “consultor político”, um tal de Alexandre Barros, para criticar o “silêncio do governo brasileiro” em relação aos acontecimentos na Venezuela e ao final deixou claro que “o regime deveria ser derrubado”. E os editores ainda têm coragem de afirmar que fazem jornalismo imparcial.
A gritaria da mídia conservadora, acompanhada de uma nota do Departamento de Estado norte-americano de “preocupação com os acontecimentos na Venezuela”, deveu-se à suspensão temporária de seis emissoras de TV a cabo, uma delas a RCTV.
A manipulação da informação começou com a edição do noticiário que dizia que Chávez fechou os canais de televisão que se recusaram a transmitir os pronunciamentos do presidente venezuelano. Trata-se de uma meia verdade, as emissoras foram suspensas temporariamente até que demonstrassem que estavam seguindo a legislação midiática aprovada pelo Congresso. Nada ilegal, portanto, como o noticiário induz. Em poucos dias, cinco dos canais a cabo, a TV Chile, a American Network, a Ritmoson, a Sport Plus e a Momentum entregaram a documentação exigida pela Comissão Nacional de Telecomunicações comprovando que são canais internacionais, o que permite restabelecer as transmissões. Se a RCTV a cabo não fizer o mesmo continuará suspensa.
A oposição, que em setembro vai disputar os votos para a eleição parlamentar, colocou nas ruas para protestar estudantes de algumas escolas particulares. Fazem barulho, porque as suas manifestações contam com todo o apoio de um setor da mídia conservadora que considera Chávez o diabo.
Os jornais e as agências de notícias não informaram que no dia 21 de janeiro último o presidente da Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela, a FEDECÁMARAS, Noel Álvarez declarou em uma entrevista na RCTV que a “solução militar” é a única para a saída de Chávez. E isso com o acompanhamento entusiasmado do jornalista Miguel Ángel Rodriguez que o entrevistava.
No atual momento, a revolução bolivariana aprofunda o projeto socialista, ou seja, caminha para a mudança do modo de produção, o que não é admitido em hipótese alguma pelo conservadorismo dos mais diversos rincões das Américas. Os jornais brasileiros escrevem diariamente editoriais sugerindo a derrubada de Chávez e um posicionamento do governo Lula no esquema golpista capitaneado pelo Departamento de Estado norte-americano.
Mas, ao mesmo tempo em que ocorriam esses fatos, no Haiti a Sociedade Interamericana de Imprensa, a SIP, ignorava a denúncia da Federação de Jornalistas Latino-Americanos (FELAP) sobre o “atropelo contra o trabalho jornalístico no Haiti por parte das forças de ocupação estadunidenses”. A nota de protesto, não divulgada no Brasil, é assinada pelo presidente da entidade, jornalista Juan Carlos Camaño. Ele coloca questões importantes em pauta. Uma delas, o estabelecimento de limitações no trabalho jornalístico que levam a ocultar o real procedimento dos efetivos enviados pelo Pentágono e Casa Branca, que chegam a uns 15 mil soldados. Como se os haitianos precisassem mais de militares norte-americanos do que de médicos.
No mais, as forças conservadoras latino-americanas ganharam um aliado de peso: o presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, a maior fortuna do país, que trará com ele figuras de proa do regime ditatorial que imperou no Chile de setembro de 1973 a 1989. Piñera se elegeu porque a Concertación se esgotou. No plano econômico tudo continuará como manteve a aliança de centro esquerda durante 20 anos, com o acréscimo da privatização, desejo já anunciado por Piñera, de parte da estatal de cobre, mas no plano externo, o dono da Lan Chile e controlador do Colo-Colo, o clube de futebol mais popular do país, vai se somar ao bloco de direita latino-americana pró-EUA encabeçado por Álvaro Uribe.
Piñera já deu uma pequena mostra do que vem por aí em matéria de política externa chilena ao criticar gratuitamente Hugo Chávez em sua primeira entrevista depois de eleito. Ele veio reforçar a campanha do conservadorismo latino-americano contra a opção socialista que leva adiante o governo da República Bolivariana de Venezuela. É por aí que toca a banda das oligarquias furiosas com as mudanças que estão a ocorrer no continente latino-americano.
Fonte:Direto da Redação.
A mídia conservadora brasileira e latino-americana está fazendo o possível e o impossível para que a previsão da revista Newsweek se confirme. A publicação estadunidense, deixando de lado a função jornalística, somou-se ao desejo de grande parte da oligarquia das Américas de que o governo Hugo Chávez seja derrubado e previu a eclosão de um golpe militar no país sul-americano.
A TV Globo não fez por menos e convocou um “consultor político”, um tal de Alexandre Barros, para criticar o “silêncio do governo brasileiro” em relação aos acontecimentos na Venezuela e ao final deixou claro que “o regime deveria ser derrubado”. E os editores ainda têm coragem de afirmar que fazem jornalismo imparcial.
A gritaria da mídia conservadora, acompanhada de uma nota do Departamento de Estado norte-americano de “preocupação com os acontecimentos na Venezuela”, deveu-se à suspensão temporária de seis emissoras de TV a cabo, uma delas a RCTV.
A manipulação da informação começou com a edição do noticiário que dizia que Chávez fechou os canais de televisão que se recusaram a transmitir os pronunciamentos do presidente venezuelano. Trata-se de uma meia verdade, as emissoras foram suspensas temporariamente até que demonstrassem que estavam seguindo a legislação midiática aprovada pelo Congresso. Nada ilegal, portanto, como o noticiário induz. Em poucos dias, cinco dos canais a cabo, a TV Chile, a American Network, a Ritmoson, a Sport Plus e a Momentum entregaram a documentação exigida pela Comissão Nacional de Telecomunicações comprovando que são canais internacionais, o que permite restabelecer as transmissões. Se a RCTV a cabo não fizer o mesmo continuará suspensa.
A oposição, que em setembro vai disputar os votos para a eleição parlamentar, colocou nas ruas para protestar estudantes de algumas escolas particulares. Fazem barulho, porque as suas manifestações contam com todo o apoio de um setor da mídia conservadora que considera Chávez o diabo.
Os jornais e as agências de notícias não informaram que no dia 21 de janeiro último o presidente da Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela, a FEDECÁMARAS, Noel Álvarez declarou em uma entrevista na RCTV que a “solução militar” é a única para a saída de Chávez. E isso com o acompanhamento entusiasmado do jornalista Miguel Ángel Rodriguez que o entrevistava.
No atual momento, a revolução bolivariana aprofunda o projeto socialista, ou seja, caminha para a mudança do modo de produção, o que não é admitido em hipótese alguma pelo conservadorismo dos mais diversos rincões das Américas. Os jornais brasileiros escrevem diariamente editoriais sugerindo a derrubada de Chávez e um posicionamento do governo Lula no esquema golpista capitaneado pelo Departamento de Estado norte-americano.
Mas, ao mesmo tempo em que ocorriam esses fatos, no Haiti a Sociedade Interamericana de Imprensa, a SIP, ignorava a denúncia da Federação de Jornalistas Latino-Americanos (FELAP) sobre o “atropelo contra o trabalho jornalístico no Haiti por parte das forças de ocupação estadunidenses”. A nota de protesto, não divulgada no Brasil, é assinada pelo presidente da entidade, jornalista Juan Carlos Camaño. Ele coloca questões importantes em pauta. Uma delas, o estabelecimento de limitações no trabalho jornalístico que levam a ocultar o real procedimento dos efetivos enviados pelo Pentágono e Casa Branca, que chegam a uns 15 mil soldados. Como se os haitianos precisassem mais de militares norte-americanos do que de médicos.
No mais, as forças conservadoras latino-americanas ganharam um aliado de peso: o presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, a maior fortuna do país, que trará com ele figuras de proa do regime ditatorial que imperou no Chile de setembro de 1973 a 1989. Piñera se elegeu porque a Concertación se esgotou. No plano econômico tudo continuará como manteve a aliança de centro esquerda durante 20 anos, com o acréscimo da privatização, desejo já anunciado por Piñera, de parte da estatal de cobre, mas no plano externo, o dono da Lan Chile e controlador do Colo-Colo, o clube de futebol mais popular do país, vai se somar ao bloco de direita latino-americana pró-EUA encabeçado por Álvaro Uribe.
Piñera já deu uma pequena mostra do que vem por aí em matéria de política externa chilena ao criticar gratuitamente Hugo Chávez em sua primeira entrevista depois de eleito. Ele veio reforçar a campanha do conservadorismo latino-americano contra a opção socialista que leva adiante o governo da República Bolivariana de Venezuela. É por aí que toca a banda das oligarquias furiosas com as mudanças que estão a ocorrer no continente latino-americano.
Fonte:Direto da Redação.
MÍDIA - Outra mídia é possível e urgente.
Altamiro Borges
“Quando você abre a torneira e sai água suja, o que você faz? Reclama para o órgão responsável pela qualidade da água. E quando você liga a televisão ou o rádio e recebe conteúdos ‘sujos’, de má qualidade, o que pode ser feito? Praticamente nada”.
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
“A luta pela democratização da mídia se insere em uma luta mais ampla, pela garantia ao direito humano à comunicação e, conseqüentemente, por uma sociedade justa e democrática, onde os direitos dos trabalhadores e de toda a população sejam respeitados”.
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
A batalha pela democratização dos meios de comunicação não comporta ilusões e, muito menos, omissões. Diante do enorme poder da mídia hegemônica, que manipula informações e deforma comportamentos, a luta por mudanças profundas neste setor adquire um caráter estratégico. Não haverá avanços na democracia, na mobilização dos trabalhadores por seus direitos e na própria luta pela superação da barbárie capitalista, sem enfrentar e derrotar a ditadura midiática. Hoje, esta batalha comporta três desafios, que se inter-relacionam e se complementam.
O primeiro é o da denúncia da “imprensa burguesa”. Não há como democratizar os veículos sob o comando ditatorial dos Marinhos, Civitas, Frias e demais barões da mídia. Eles serão sempre aparelhos privados de hegemonia do capital. Qualquer ilusão neste campo seria desastrosa para as forças políticas e sociais de esquerda. O segundo desafio é o da construção e fortalecimento de veículos próprios das forças engajadas na luta pela superação de todas as formas de exploração e opressão. Sem construir instrumentos contra-hegemônicos de qualidade não será possível vencer a disputa de idéias, de projetos e de valores numa sociedade tão complexa como a brasileira.
Na contracorrente da lógica capitalista
Estes dois desafios não negam, porém, a urgência de um terceiro: o da luta pela democratização dos meios de comunicação. Na contracorrente da lógica capitalista, é possível erguer barreiras ao poder da mídia burguesa e construir políticas públicas que incentivem a diversidade e pluralidade informativas e culturais, conforme apontam recentes avanços na América Latina. Neste sentido, a Conferência Nacional de Comunicação, antiga demanda dos movimentos sociais, pode ser uma alavanca. Além de envolver amplos setores da sociedade neste debate, num processo pedagógico sem precedentes na história, ela pode propor medidas concretas que coíbam a ditadura midiática.
Várias entidades progressistas estão inseridas nesta luta. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991, nasceu das mobilizações por avanços na Constituição de 1988 e agrega várias entidades [1]. O Coletivo Intervozes, fundado em 2003, reúne militantes voluntários com reconhecida capacidade de elaboração. Já o Fórum de Mídia Livre, lançado em março de 2008, articula jornalistas, acadêmicos e veículos progressistas. A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e a Federação de Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão (Fitert) não limitam sua atuação à defesa dos interesses corporativos. Destacam-se, ainda, a Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço) e a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (Amarc), entre outras organizações que priorizam a luta pela democratização da comunicação.
Os partidos de esquerda também estão se dando conta da importância desta frente de atuação. O PT, que sempre contou com renomados intelectuais da área, realizou em 2008 sua 1ª Conferência Nacional de Comunicação e apontou os caminhos para uma mídia democrática [2]. Já o PCdoB aprovou, em novembro de 2007, resolução específica com propostas concretas para o setor [3]. “A luta pela democratização da mídia faz parte da jornada pela ampliação da democracia como forma de alavancar a própria luta pela emancipação dos trabalhadores”, explica Renato Rabelo, presidente do PCdoB. No caso do PSB, vale citar a corajosa ação da deputada Luiza Erundina; já no PSOL, o deputado Ivan Valente se destaca por suas denúncias das manipulações midiáticas.
Há consenso entre estas forças políticas e sociais que não basta somente o diagnóstico sobre os efeitos nocivos da mídia hegemônica. Que ela não serve aos anseios dos trabalhadores, a história comprova de maneira cabal. Que ela é altamente concentrada e manipuladora, os fatos também evidenciam. Mais do que diagnosticar, é urgente avançar na formulação de propostas concretas que visem superar esta deformação na sociedade. Neste esforço, algumas proposições adquirem força catalisadora, capaz de unir amplos setores na luta pela democratização da comunicação. Na seqüência, apresento algumas delas, não como pacote fechado, mas como um roteiro de reflexão.
1- Fortalecer a radiodifusão pública
Como descrito no terceiro capítulo, a radiodifusão brasileira adotou o modelo privado made in EUA, diferentemente de várias nações nas quais a rede pública tem forte influência. O caso mais famoso é o da BBC de Londres, que se projetou na II Guerra Mundial, é gerida por um conselho autônomo e produz programas de qualidade [4]. Na França, quatro redes integram o seu sistema público. Na Alemanha, ARD e ZDF têm 14 emissoras locais e o seu conselho, com 77 membros, reúne partidos e movimentos sociais. Mesmo nos EUA, a PBS possui um conselho independente com 27 membros e congrega 354 retransmissoras. Já a APT, segunda maior rede pública do país, tem um orçamento de US$ 2 bilhões e retransmite a sua programação para 356 emissoras locais.
No Brasil, o modelo público nunca vingou. A única iniciativa mais ousada neste campo ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência. O espectro eletromagnético, um bem público e finito, tornou-se um bem privado dos barões da mídia, autênticos “latifundiários do ar”. No caso da TV, o setor privado detém cerca de 80% das emissoras, 90% da audiência e 95% das receitas publicitárias. Principal veículo de comunicação de massas, sua influência na sociedade é arrasadora. Censo do Ibope de 2005 revelou que 93,1% dos domicílios no país tinham aparelhos de televisão, número superior aos lares com geladeiras. Apontou ainda que 81% dos brasileiros assistem TV diariamente, passando 3,9 horas diárias, em média, presos às telinhas.
Fruto do ascenso democrático, o artigo 223 da Constituição de 1988 fixou a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Na prática, porém, nunca houve investimento nos setores não comerciais. Nos anos do neoliberalismo, ainda houve o desmanche do pouco que existia. Em 1995, com a aprovação da Lei da TV a Cabo, as redes privadas foram obrigadas a reservar cinco canais estaduais para o uso do Executivo, Legislativo, Judiciário, um canal comunitário e outro universitário. Mesmo assim, eles padecem da falta de recursos e foram excluídos da TV aberta. “O espaço conquistado está esvaziado, falido, pouco qualificado ou mesmo reproduzindo a lógica mercantil das grandes emissoras” [5].
Só após sofrer brutal bombardeio midiático na eleição de 2006, o presidente Lula decidiu investir na construção de uma rede pública nacional de televisão e rádio. A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo. Inaugurada em dezembro de 2007, a TV Brasil dá os primeiros passos na construção de uma emissora sem fins lucrativos. Seu conselho curador é presidido pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo; já sua ouvidoria, dirigida pelo jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, é um mecanismo de fiscalização da sociedade. Ela também constrói a sua própria rede nacional, fortalecendo as estruturas de 95 emissoras estaduais.
Exatamente por seu papel democratizante, a EBC sofre o cerco dos donos da mídia e ainda corre riscos. Tudo é feito para limitar o seu alcance e asfixiar seu financiamento. Antes mesmo de ser lançada, ela foi alvo de intensa oposição. A Folha de S.Paulo, por exemplo, publicou uma série de artigos para desqualificá-la e seu editorial arrematou: “Lula e o PT querem deixar sua marca particular no telecoronelismo criando um canal do Executivo; a proposta é descabida” [6]. Os ataques visaram confundir os conceitos entre rede estatal e pública, e contaram com a descarada ajuda do ministro Hélio Costa, ex-funcionário da TV Globo e porta-voz dos radiodifusores [7].
A EBC é uma conquista das forças progressistas na luta contra a ditadura midiática. Ela deve ser fortalecida e aperfeiçoada. Isto não a exime dos problemas, que decorrem da sua própria origem conflituosa no interior do governo e de impasses no seu projeto editorial, entre outras lacunas. Os seus recursos são escassos, menos de 5% na comparação com a receita da Rede Globo, e a TV Brasil sequer é transmitida em canal aberto. Seu conselho curador, indicado pelo presidente Lula, não contempla a diversidade dos movimentos sociais. Estes e outros problemas comprometem a sua autonomia de gestão e de financiamento, marcas que distinguem a rede pública da estatal, e dificultam que ela tenha maior visibilidade na sociedade. Mudanças são necessários e urgentes.
As propostas unitárias apresentadas pelos movimentos sociais no 1º Fórum de TVs Públicas, em maio de 2007, continuam atuais: instalação de um “conselho representativo, plural e autônomo, com maioria da sociedade civil, como instância decisória”; “igualdade de participação e respeito à diversidade (regional, mulheres, negros) no seu conselho”; “fomento à produção independente, ampliando a presença desses conteúdos na sua grade de programação”; maior disponibilidade de “verbas do orçamento público no seu financiamento e proibição da publicidade comercial, mas garantido as produções compartilhadas, o apoio cultural e a publicidade institucional”; “que os canais públicos, que hoje são garantidos pela Lei do Cabo, estejam em sinal aberto”.
2- Revisar os critérios das concessões
Desde o início das transmissões de rádio, em 1922, e de televisão, nos anos 1950, o processo de concessão de outorgas às emissoras sempre foi influenciado pelo poder econômico dos donos da mídia e por suas relações promíscuas com o Estado. Concedidas sem qualquer critério objetivo, as outorgas beneficiaram os mesmos grupos empresariais, o que reforçou a propriedade cruzada e a concentração no setor. Nesta longa trajetória monopolista, as redes privadas desrespeitaram as tímidas legislações existentes. Na prática, os barões da mídia exercem uma autêntica ditadura midiática, ficando acima das leis, das normas constitucionais e do próprio Estado de Direito.
A Constituição de 1988, por exemplo, proíbe a formação dos monopólios, exige a produção de conteúdos regionais, obriga que as emissoras tenham finalidades educativas, culturais e artísticas e determina que elas expressem a diversidade de pensamento na sociedade. Como nunca foram regulamentados, estes princípios progressistas viraram letra morta. O atual processo de outorga e de renovação das concessões, com prazo de 15 anos para as TVs e de dez anos para as rádios, é uma verdadeira caixa-preta. A sociedade não exerce qualquer controle sobre este bem público. O Congresso Nacional, que a partir da Constituição de 1988 virou co-responsável pelas concessões e renovações, não cumpre seu papel, submetendo-se à pressão e chantagem dos barões da mídia.
Qualquer questionamento a estas distorções é tachado como “atentado à liberdade de imprensa” pela mídia hegemônica. Ela omite que vários países exercem o direito democrático, inclusive, de não renovar concessões que ferem sua legislação. Até os EUA, nação badalada pela mídia servil, controlam os seus meios de comunicação de massas. A Administração Federal de Comunicações (FCC) cancelou 141 concessões de rádio e TV entre 1934 e 1987. Em 40 desses casos, ela nem esperou que expirasse o prazo da concessão. Já o governo britânico revogou a licença da OneTV, em agosto de 2006; da StarDate, em novembro de 2006; e do canal de televendas Auctionword, em dezembro de 2006. A Espanha revogou, em julho de 2005, a concessão da TV Católica. E a França cancelou a licença da TF1, em dezembro de 2005, por ela ter negado o Holocausto.
Na defesa da democracia e da autêntica liberdade de expressão, o país necessita ser mais rigoroso na análise das concessões e renovações das outorgas. É preciso exigir o cumprimento das normas constitucionais e das leis vigentes. Várias redes privadas desrespeitam o limite mínimo de tempo de 5% para o jornalismo e máximo de 25% para a publicidade. Ainda veiculam merchandising, o comercial disfarçado, o que vetado pelo Código de Defesa do Consumidor. A maioria não exibe o conteúdo educativo exigido pelo Constituição; quando exibe é em horários de baixa audiência. O lobby da mídia também sabotou a classificação indicativa, medida essencial para o resguardo do Estatuto da Criança e dos Adolescentes. Num desrespeito à legislação, várias emissoras de rádio e televisão são dirigidas por “laranjas” de políticos com mandato.
Diante destes e outros abusos, é inadmissível que as outorgas e renovações sejam dadas de forma automática, sem consulta à sociedade. Em vários países existem ouvidorias públicas para receber críticas e analisar as concessões; muitos promovem audiências sobre o tema. Em casos extremos, diante do desrespeito às leis, vários governos simplesmente revogam as concessões. A não renovação é um ato democrático, como admite a União Internacional das Telecomunicações (UIT), que “reconhece em toda sua amplitude o direito soberano de cada Estado de regulamentar o setor, devido à importância crescente das telecomunicações na salvaguarda da paz e do desenvolvimento econômico e social” [8].
3- Rever os critérios da publicidade oficial
A publicidade é a principal fonte de recursos da mídia hegemônica. O faturamento com anúncios publicitários, que superou R$ 21,4 bilhões em 2008, garante os investimentos neste setor de alta tecnologia e os lucros dos empresários, reforçando os impérios midiáticos. Nada é dado de graça, como costuma tergiversar a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) para se contrapor ao controle público. A exibição “gratuita” do conteúdo é paga pela publicidade e os altos custos de produção e veiculação são repassados ao preço da mercadoria. Além de seduzir o consumidor, o anúncio cumpre o papel ideológico de “vender” um estilo de vida, individualista e consumista.
Para o sociólogo Pedro Hurtado, “a publicidade, à margem da sua finalidade comercial, é pura e dura propaganda do modo de vida e de pensamento inerente à ideologia social predominante na atualidade: o consumismo-capitalismo. A publicidade não apenas vende produtos, mas também impõe um modo de vida, valores morais e culturais, códigos simbólicos e, em definitivo, uma ideologia... O consumismo é uma forma de pensar segundo a qual o sentido da vida consiste em comprar objetos e serviços. Esta forma de pensar se converte na principal ideologia que sustenta o sistema capitalista” [9].
Se a correlação de forças na sociedade não possibilita, ainda, adotar medidas mais rigorosas de controle da publicidade comercial, o atual estágio das lutas sociais no país já permite, ao menos, rediscutir os critérios de distribuição das verbas publicitárias dos governos. Afinal, este dinheiro é oriundo dos tributos da sociedade. O montante de recursos é expressivo e serve para “alimentar cobras”. Os barões da mídia que abocanham estes recursos públicos são os mesmos que pregam golpes, desestabilizam governos, criminalizam as lutas dos trabalhadores e idolatram o “deus-mercado”. A publicidade oficial reforça a monopolização do setor, quando poderia servir para estimular a diversidade e pluralidade informativas numa sociedade mais democrática.
De forma discreta, o governo Lula promoveu algumas mudanças nesta área. Ele descentralizou a distribuição das verbas oficiais. “Os comerciais do Palácio do Planalto atingiram no ano passado 5.297 veículos de comunicação. O número representa uma alta de 961% sobre os 499 meios que recebiam dinheiro para divulgar propaganda do governo Lula em 2003, quando o petista tomou posse”, resmungou a Folha [10]. A descentralização da publicidade oficial diminuiu o montante abocanhado por poucos barões da mídia. Irritados, eles agora criticam a rotulada “bolsa-mídia de Lula”, afirmando que ela serve para “alimentar a rede chapa-branca do governo” [11].
Apesar da gritaria, a administração direta e indireta é uma das maiores anunciantes do país. Os gastos publicitários dos governos FHC e Lula oscilaram entre R$ 900 milhões e R$ 1,2 bilhão. O pico de FHC foi em 2001, com R$ 1,114 bilhão em anúncios; em 2008, o governo Lula investiu R$ 1,027 bilhão. Isto sem contabilizar os custos da produção dos comerciais e os gastos com os patrocínios nas áreas de esporte, cultura e outras – que atingiu R$ 918 milhões em 2008. A soma de publicidade e patrocínio injetou quase R$ 2 bilhões na mídia. Na comparação com a iniciativa privada, o maior anunciante em 2008 foi a Casas Bahia, com R$ 3,2 bilhões; o segundo lugar ficou com a Unilever, dona das marcas Kibon, Omo, Dove e Rexona, que gastou R$ 1,75 bilhão.
Quase a totalidade da publicidade oficial engorda os bolsos dos barões da mídia. O governo Lula nunca teve a coragem para investir em veículos alternativos e estes estão à míngua. Até a revista Carta Capital, que adota uma linha jornalística mais independente, sofre com esta tibieza, como crítica Mino Carta [12]. A desculpa usada pelo governo é que ele adota critérios mercadológicos, medidos pela audiência e tiragens. Com esta postura aparentemente “neutra”, o governo reforça a monopolização do setor. É urgente redefinir os critérios para a publicidade oficial. Países como a Itália e a França adotam normas legais para incentivar a diversidade e pluralidade informativas, barateando os custos de impressão e garantindo cotas de publicidade para veículos alternativos.
O Fórum de Mídia Livre defende o estabelecimento de critérios democráticos e transparentes de distribuição dos recursos oficiais, e não apenas a partir da reprodução da lógica mercadológica. “O Estado não vende mercadoria, presta serviço publico. O critério de veiculação não deve ser o da circulação, pois este está ligado à lógica da audiência como mercadoria. A mídia comercial vende audiência, isto é, circulação ou pontos de Ibope, remunerando seus fatores de produção em função da receita que o anunciante lhe proporciona devido ao público que pode atingir. Ora, o Estado não precisa se subordinar a tais critérios. O Estado não vende nada, apenas presta contas, logo pode e deve chegar ao cidadão através de muitos canais pelos quais o cidadão se informa”, explica Marcos Dantas, professor da PUC/RJ e integrante da coordenação do movimento [13].
4- Estimular a radiodifusão comunitária
A radiodifusão comunitária é recente no país e já demonstrou o seu potencial prático na luta pela democratização das comunicações. Ela dá voz a quem não tem voz. Permite que as comunidades “excluídas” expressem seus anseios e reivindicações, divulguem suas criações culturais, prestem serviços à população. Essa experiência no Brasil surgiu no início dos anos 1980, ainda na fase sombria da ditadura militar, e só foi reconhecida legalmente em 1998 – na Bolívia, as rádios comunitárias surgiram na década de 1950 no bojo das greves dos mineiros; já no Chile, elas contribuíram para as vitórias da Unidade Popular, a coalizão socialista de Salvador Allende.
Temendo a sua concorrência, a radiodifusão comunitária é alvo da fúria da mídia hegemônica. Já os governos, sob pressão dos empresários, investem para criminalizá-la. O governo Lula foi até mais realista do que o rei, batendo recorde de perseguição. Segundo pesquisa da Abraço, de 2002 a 2007, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal fecharam mais de 15 mil rádios comunitárias. “Também foram abertos mais de 20 mil processos e cerca de 5 mil militantes foram condenados judicialmente por tentar exercer o direito de livre expressão”. O atual ministro das Comunicações, Helio Costa, dono da rádio Sucesso FM, de Barbacena (MG), vetou todos os projetos de avanço neste setor e “recrudesceu o fechamento das emissoras” [14].
Além da repressão, tudo é feito para inviabilizar a legalização da radiodifusão comunitária. A burocracia é infernal, com inúmeros obstáculos administrativos. Estudo feito pelo Sistema de Controle de Radiodifusão, em novembro de 2006, apontou a existência de 13.595 pedidos de rádios comunitárias acumulados no Ministério das Comunicações – três vezes mais do que os 4.400 verificados no início de 2003. José Sóter, dirigente da Abraço, critica os burocratas do ministério, “subservientes à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e aos interesses dos monopólios da comunicação, e a falta de gente que esteja comprometida com a efetivação do serviço de radiodifusão comunitária como política pública de comunicação” [15].
Estudo recente, no qual foram pesquisadas 2.205 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações (80,44% do total das legalizadas), ainda aponta para outro grave perigo: o de que estas concessões sejam utilizadas como moeda de barganha, servindo a políticos fisiológicos e credos religiosos. A pesquisa indica que “a maioria das rádios comunitárias funciona no país de forma ‘irregular’ porque não se logrou ser devidamente autorizada; e, entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal. Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos políticos em 1.106 – ou 50,2% delas... Há, também, um número considerável de rádios com vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total”. Este deformação revelaria a existência de um “coronelismo eletrônico de novo tipo, envolvendo as outorgas de rádios comunitárias” [16].
Para complicar ainda mais o quadro, o setor passa por um processo de mutação tecnológica para sua digitalização. O Ministério das Comunicações, dominado pelos barões da mídia, já anunciou que prefere o padrão digital dos EUA, o IBOC. Várias rádios foram autorizadas a realizar testes com o novo padrão, criando um fato consumado – sem qualquer consulta à sociedade. Além de ser propriedade de uma única empresa, que cobrará elevados royalties, essa tecnologia ocupa o espectro de forma predatória, fechando espaços para as transmissões. Ele inclusive avança sobre fatias de freqüências ocupadas pelo sistema analógico. Ao encarecer os equipamentos e restringir as transmissões, esse padrão de digitalização poderá asfixiar a radiodifusão comunitária no país.
Ao invés de ser criminalizada, a radiodifusão comunitária deveria ser incentivada pelos poderes públicos. Diante do golpismo da ditadura midiática, ela é uma arma contra-hegemônica decisiva na defesa da democracia. O Estado deveria baratear seus equipamentos e promover oficinas para capacitar os radiodifusores. Mudanças na legislação deveriam garantir o aumento do número de freqüências das emissoras e ampliar o limite da área e o potencial de seu alcance – hoje restrito a um quilometro. A urgente criação de um sistema brasileiro de rádio digital serviria para evitar a monopolização do setor. Além disso, o poder público deveria garantir os meios de sustentação financeira destes veículos, investindo na construção de conteúdos de qualidade e plurais, e criar barreiras para coibir sua apropriação por setores fisiológicos e para garantir o seu caráter laico.
Para agilizar a legalização das rádios, a FNDC propõe medidas simples, como a descentralização dos processos de concessão, redução dos prazos de tramitação e zoneamento da radiofreqüência para definir o canal e a potência para cada localidade. Já a Amarc defende mudanças urgentes no marco regulatório. Entre outros pontos, ela propõe que “as comunidades organizadas e entidades sem fins lucrativos tenham direito a usar a tecnologia de radiodifusão disponível, tanto analógica como digital”; que “os meios comunitários tenham assegurada a sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento”, por meio de patrocínios e publicidade oficial; e a criação “de fundos públicos para assegurar o seu desenvolvimento” e de “políticas públicas que desonerem ou reduzam o pagamento de taxas e impostos, incluindo o uso de espectros” [17].
5- Investir na inclusão digital
Criada nos EUA para fins militares e impulsionada pelos circuitos financeiros do capitalismo, a internet tem transformado o mundo das comunicações. Os mais otimistas chegam a falar numa “revolução”, que permitiria a democratização da produção de conteúdos e da sua difusão. Outros, mais cautelosos, apontam que a tendência monopolista do capital já se faz sentir na centralização dos portais da internet, além do que o capital imporá formas de controle. O projeto do senador tucano Eduardo Azeredo, já batizado de AI-5 digital, confirma este perigo, a exemplo do ataques desferidos pelo presidente-terrorista George Bush e pelo fascistóide Nicolas Sarkozy na França.
Independentemente das tendências futuras, a internet já provoca enormes abalos no setor. Vários jornais e revistas perderam tiragens, faliram ou viraram online. A própria linguagem da televisão é afetada por esta nova forma de comunicação, mais ágil e interativa. Muitos protestos políticos, a partir da manifestação contra a globalização neoliberal que paralisou Seattle em 1999, já são convocados por sítios e blogs progressistas. Manipulações da mídia hegemônica são desnudadas na internet. De 1999 a 2006, mais de 47 milhões de blogs entraram no ar. Neles circulam 1,2 milhão de novos artigos por dia, ou 50 mil por hora, escritos por cerca de 35 milhões de pessoas.
Entusiasta da internet, Bernardo Kucinski afirma que ela “é a maior revolução nas comunicações desde a invenção de Gutenberg. Não admira que tenha reaberto uma nova era de encantamento do ser humano com a comunicação e com a arte de escrever... Na articulação das ONGs e dos movimentos sociais, a internet tem tido papel decisivo, recuperando com grande vantagem o antigo papel atribuído por Lênin à imprensa como ‘organizadora do movimento operário’. Na era da globalização, ela se tornou uma organizadora da cidadania, como expressa o Fórum Social Mundial. Este certamente não teria existido sem a internet. Ela também deu viabilidade técnica ao exercício da democracia direta e acesso direto do cidadão aos serviços do Estado” [18].
Esta “essência libertária”, porém, pode ser castrada pela exclusão digital, alerta Sérgio Amadeu, outro entusiasta da internet. “Quanto custa se conectar à sociedade da informação? Para acessar a internet, a rede mundial de computadores, é preciso pagar mensalmente um provedor de acesso e o gasto com a conta telefônica. Além disso, é preciso ter um computador que custa mais de mil reais. Em um país com quase um terço da sociedade abaixo da linha da pobreza, gastar algo em torno de 40 reais por mês pelo uso mínimo de conexão e conta telefônica é impossível para a maioria da população. Essa é a nova face da exclusão social”, explica didaticamente [19].
Para superar este gargalo, ambos concordam que o Estado deve ter papel pró-ativo. Não dá para deixar esta tecnologia nas mãos “invisíveis” do deus-mercado. Entre outras medidas, é urgente regular o setor para universalizar o acesso à internet, visando a sua gratuidade. O preço da banda larga no país é dos mais altos no mundo devido à desregulamentação das telecomunicações [20]. É preciso também uma política mais ofensiva para baratear os aparelhos, inclusive superando a “ditadura de Bill Gates” através do software livre. Segundo a PNAD de 2004, somente 16,6% das residências brasileiras tinham computadores. Dados do Ibope de 2007 revelaram que apenas 14,1 milhões dos lares tinham acesso à internet. “Devemos elevar a questão da inclusão digital e da alfabetização tecnológica à condição de política pública”, defende Sérgio Amadeu.
6- A urgência do novo marco regulatório
Estas e outras mudanças colocam a urgência de um novo marco regulatório para o setor. A atual legislação é ultrapassada, datada de 1962, carregada de vícios e não dá respostas aos vertiginosos avanços tecnológicos na área. Além de coibir os monopólios e regulamentar outros princípios da Constituição de 1988, como o que garante o respeito à pluralidade de opiniões, a nova legislação deve enfrentar os desafios do futuro. O processo de convergência digital, no qual as corporações multinacionais avançam sobre a mídia, torna este debate ainda mais atual. Hoje é preciso impor regras para evitar a desnacionalização do setor e para garantir a produção e a cultura nacionais.
Apesar das restrições do padrão japonês adotado pelo governo, a nova legislação deve regular a implantação da TV e da rádio digital, protegendo o conteúdo nacional e explorando seu potencial na promoção da diversidade e da inclusão social. Ela não pode depender do resultado da disputa entre as operadoras de telefonia e os barões da mídia. “No bojo da convergência tecnológica, o instinto de sobrevivência dos radiodifusores e a ânsia pela entrada no mercado do conteúdo audiovisual das chamadas teles deverão ser a força motriz da mudança na legislação... É preciso garantir que o campo não seja ocupado apenas pela polarização radiodifusores x teles, mas pelo conjunto dos atores que tem propostas para a reformulação legal”, alerta Jonas Valente [21).
O novo marco regulatório deve fixar políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos. O Brasil ainda está muito atrasado neste campo, seja no acesso à internet, às salas de exibição de cinema ou mesmo à telefonia. “Em 1997, o numero de telefones por 100 habitantes era de 11,7%; em 2004, passou para 29%. Apesar de a telefonia chegar praticamente a todos os 5.484 municípios, nos 5 mil mais pobres ela é a mesma de antes da privatização; 11% ou 7,5 milhões de linhas... Assim, grandes parcelas da população estão excluídas dos avanços tecnológicos. Esse quadro, já amplamente diagnosticado pelo governo Lula, impõe a necessidade de um novo modelo institucional”, que garanta o “adequado equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal” e evite “a concentração da propriedade”, propõe Israel Bayma [22].
A nova legislação também deveria fixar mecanismos democráticos de controle social dos meios de comunicação. Ignacio Ramonet, diretor do jornal Le Monde Diplomatique, defende a criação de observatórios de mídia nas escolas e espaços públicos para monitorar o que é divulgado. “A informação, como os alimentos, está contaminada. Envenena o espírito, polui nossos cérebros, nos manipula, nos intoxica, tenta instilar em nosso inconsciente idéias que não são nossas”. Daí a urgência de um “quinto poder” fiscalizador [23]. No mesmo rumo, é preciso reativar o Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição, mas que está esvaziado. Há ainda a proposta dos sindicatos de jornalistas da criação dos conselhos de redação, como instrumento de luta da categoria e também como contraponto à manipulação, à censura e à pressão dos donos da mídia.
Como conclui Marcos Dantas, a comunicação passa por aceleradas mudanças. Em curto espaço de tempo, nada será como antes neste setor. A televisão, por exemplo, “não será apenas esta que temos: aberta, unidirecional, oferecida por grandes grupos empresariais e sustentadas pela grande publicidade. A TV poderá ser também local ou comunitária, via internet”. O rumo das mudanças dependerá da correlação de forças na sociedade e da construção de um novo marco regulatório e legal. “Na verdade, o capitalismo desenvolveu essas tecnologias e vai moldando os seus usos, ao seu gosto. Nada impede, porém, que o povo trabalhador possa disputá-las, delas se apropriar e a elas dar novos e mais democráticos rumos” [24].
NOTAS
1- James Görgen. “Como domar essa tal de mídia?”. Cartilha nº 1 da FNDC.
2- Caderno da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Diretório Nacional do PT, abril de 2008.
3- “O PCdoB e a luta pela democratização da mídia”. Resolução da 8ª reunião do Comitê Central, outubro de 2007.
4- Laurindo Lalo Leal Filho. Vozes de Londres. Memórias brasileiras da BBC. Edusp, SP, 2008.
5- Valério Cruz Brittos e Rafael Cavalcanti Barreto. “O potencial democrático e sua redução à mercadoria”. Observatório da Imprensa, 14/10/08.
6- “Aparelho na TV”. Editorial da Folha de S.Paulo, 19/03/07.
7- “TV do Executivo: uma ação contra o Fórum de TVs Públicas”. Intervozes, março de 2007.
8- Ernesto Carmona. “Salvador Allende se revolve na tumba”. Correio da Cidadania, 12/07/07.
9- Pedro Hurtado. “Prohibir la publicidad en los medios de comunicación de masas”. Rebelion, 20/12/08.
10- Fernando Rodrigues. “Propaganda de Lula chega a 5.297 veículos”. Folha de S.Paulo, 31/05/09.
11- Fernando de Barros e Silva. “O bolsa-mídia de Lula”. Folha de S.Paulo, 01/06/09.
12- Mino Carta. “A vitória de Lula é a derrota da mídia”. Entrevista para o sítio Fazendo Media, 03/11/06.
13- Jonas Valente. “Fórum lança manifesto em defesa do fortalecimento da mídia livre”. Observatório do Direito à Comunicação, 24/10/08.
14- Gustavo Gindre. “Os rumos do Ministério das Comunicações”. Fazendo Media, 27/11/06.
15- Laura Schenkel. “Governo acumula 14 mil pedidos de abertura de rádios comunitárias”. Boletim da FNDC, 09/12/06.
16- Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes. “Rádios Comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)”.
17- “Audiência discute padrão para rádio e televisão comunitária”. Agência Adital, 27/10/09.
18- Bernardo Kucinski. Jornalismo na era virtual. Editoras Perseu Abramo e Unesp, SP, 2005.
19- Sérgio Amadeu da Silveira. Exclusão digital. Editora Perseu Abramo, SP, 2005.
20- Elvira Lobato. “Disputa de teles distorce preço da internet”. Folha de S.Paulo, 17/08/08.
21- Jonas Valente. “Lei Geral é a bola da vez, afirmam especialista do setor”. Carta Maior, 23/03/07.
22- Israel Bayma. “Uma proposta para a construção democrática da lei geral de comunicação eletrônica”. 02/08/06.
23- Ignacio Ramonet. “O quinto poder”. Caminhos para uma comunicação democrática. Jornal Le Monde Diplomatique, SP, 2007.
24- Marcos Dantas. Uma agenda democrática para as comunicações brasileiras. Cadernos da Fisenge, RJ, 2008.
“Quando você abre a torneira e sai água suja, o que você faz? Reclama para o órgão responsável pela qualidade da água. E quando você liga a televisão ou o rádio e recebe conteúdos ‘sujos’, de má qualidade, o que pode ser feito? Praticamente nada”.
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
“A luta pela democratização da mídia se insere em uma luta mais ampla, pela garantia ao direito humano à comunicação e, conseqüentemente, por uma sociedade justa e democrática, onde os direitos dos trabalhadores e de toda a população sejam respeitados”.
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
A batalha pela democratização dos meios de comunicação não comporta ilusões e, muito menos, omissões. Diante do enorme poder da mídia hegemônica, que manipula informações e deforma comportamentos, a luta por mudanças profundas neste setor adquire um caráter estratégico. Não haverá avanços na democracia, na mobilização dos trabalhadores por seus direitos e na própria luta pela superação da barbárie capitalista, sem enfrentar e derrotar a ditadura midiática. Hoje, esta batalha comporta três desafios, que se inter-relacionam e se complementam.
O primeiro é o da denúncia da “imprensa burguesa”. Não há como democratizar os veículos sob o comando ditatorial dos Marinhos, Civitas, Frias e demais barões da mídia. Eles serão sempre aparelhos privados de hegemonia do capital. Qualquer ilusão neste campo seria desastrosa para as forças políticas e sociais de esquerda. O segundo desafio é o da construção e fortalecimento de veículos próprios das forças engajadas na luta pela superação de todas as formas de exploração e opressão. Sem construir instrumentos contra-hegemônicos de qualidade não será possível vencer a disputa de idéias, de projetos e de valores numa sociedade tão complexa como a brasileira.
Na contracorrente da lógica capitalista
Estes dois desafios não negam, porém, a urgência de um terceiro: o da luta pela democratização dos meios de comunicação. Na contracorrente da lógica capitalista, é possível erguer barreiras ao poder da mídia burguesa e construir políticas públicas que incentivem a diversidade e pluralidade informativas e culturais, conforme apontam recentes avanços na América Latina. Neste sentido, a Conferência Nacional de Comunicação, antiga demanda dos movimentos sociais, pode ser uma alavanca. Além de envolver amplos setores da sociedade neste debate, num processo pedagógico sem precedentes na história, ela pode propor medidas concretas que coíbam a ditadura midiática.
Várias entidades progressistas estão inseridas nesta luta. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991, nasceu das mobilizações por avanços na Constituição de 1988 e agrega várias entidades [1]. O Coletivo Intervozes, fundado em 2003, reúne militantes voluntários com reconhecida capacidade de elaboração. Já o Fórum de Mídia Livre, lançado em março de 2008, articula jornalistas, acadêmicos e veículos progressistas. A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e a Federação de Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão (Fitert) não limitam sua atuação à defesa dos interesses corporativos. Destacam-se, ainda, a Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço) e a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (Amarc), entre outras organizações que priorizam a luta pela democratização da comunicação.
Os partidos de esquerda também estão se dando conta da importância desta frente de atuação. O PT, que sempre contou com renomados intelectuais da área, realizou em 2008 sua 1ª Conferência Nacional de Comunicação e apontou os caminhos para uma mídia democrática [2]. Já o PCdoB aprovou, em novembro de 2007, resolução específica com propostas concretas para o setor [3]. “A luta pela democratização da mídia faz parte da jornada pela ampliação da democracia como forma de alavancar a própria luta pela emancipação dos trabalhadores”, explica Renato Rabelo, presidente do PCdoB. No caso do PSB, vale citar a corajosa ação da deputada Luiza Erundina; já no PSOL, o deputado Ivan Valente se destaca por suas denúncias das manipulações midiáticas.
Há consenso entre estas forças políticas e sociais que não basta somente o diagnóstico sobre os efeitos nocivos da mídia hegemônica. Que ela não serve aos anseios dos trabalhadores, a história comprova de maneira cabal. Que ela é altamente concentrada e manipuladora, os fatos também evidenciam. Mais do que diagnosticar, é urgente avançar na formulação de propostas concretas que visem superar esta deformação na sociedade. Neste esforço, algumas proposições adquirem força catalisadora, capaz de unir amplos setores na luta pela democratização da comunicação. Na seqüência, apresento algumas delas, não como pacote fechado, mas como um roteiro de reflexão.
1- Fortalecer a radiodifusão pública
Como descrito no terceiro capítulo, a radiodifusão brasileira adotou o modelo privado made in EUA, diferentemente de várias nações nas quais a rede pública tem forte influência. O caso mais famoso é o da BBC de Londres, que se projetou na II Guerra Mundial, é gerida por um conselho autônomo e produz programas de qualidade [4]. Na França, quatro redes integram o seu sistema público. Na Alemanha, ARD e ZDF têm 14 emissoras locais e o seu conselho, com 77 membros, reúne partidos e movimentos sociais. Mesmo nos EUA, a PBS possui um conselho independente com 27 membros e congrega 354 retransmissoras. Já a APT, segunda maior rede pública do país, tem um orçamento de US$ 2 bilhões e retransmite a sua programação para 356 emissoras locais.
No Brasil, o modelo público nunca vingou. A única iniciativa mais ousada neste campo ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência. O espectro eletromagnético, um bem público e finito, tornou-se um bem privado dos barões da mídia, autênticos “latifundiários do ar”. No caso da TV, o setor privado detém cerca de 80% das emissoras, 90% da audiência e 95% das receitas publicitárias. Principal veículo de comunicação de massas, sua influência na sociedade é arrasadora. Censo do Ibope de 2005 revelou que 93,1% dos domicílios no país tinham aparelhos de televisão, número superior aos lares com geladeiras. Apontou ainda que 81% dos brasileiros assistem TV diariamente, passando 3,9 horas diárias, em média, presos às telinhas.
Fruto do ascenso democrático, o artigo 223 da Constituição de 1988 fixou a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Na prática, porém, nunca houve investimento nos setores não comerciais. Nos anos do neoliberalismo, ainda houve o desmanche do pouco que existia. Em 1995, com a aprovação da Lei da TV a Cabo, as redes privadas foram obrigadas a reservar cinco canais estaduais para o uso do Executivo, Legislativo, Judiciário, um canal comunitário e outro universitário. Mesmo assim, eles padecem da falta de recursos e foram excluídos da TV aberta. “O espaço conquistado está esvaziado, falido, pouco qualificado ou mesmo reproduzindo a lógica mercantil das grandes emissoras” [5].
Só após sofrer brutal bombardeio midiático na eleição de 2006, o presidente Lula decidiu investir na construção de uma rede pública nacional de televisão e rádio. A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo. Inaugurada em dezembro de 2007, a TV Brasil dá os primeiros passos na construção de uma emissora sem fins lucrativos. Seu conselho curador é presidido pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo; já sua ouvidoria, dirigida pelo jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, é um mecanismo de fiscalização da sociedade. Ela também constrói a sua própria rede nacional, fortalecendo as estruturas de 95 emissoras estaduais.
Exatamente por seu papel democratizante, a EBC sofre o cerco dos donos da mídia e ainda corre riscos. Tudo é feito para limitar o seu alcance e asfixiar seu financiamento. Antes mesmo de ser lançada, ela foi alvo de intensa oposição. A Folha de S.Paulo, por exemplo, publicou uma série de artigos para desqualificá-la e seu editorial arrematou: “Lula e o PT querem deixar sua marca particular no telecoronelismo criando um canal do Executivo; a proposta é descabida” [6]. Os ataques visaram confundir os conceitos entre rede estatal e pública, e contaram com a descarada ajuda do ministro Hélio Costa, ex-funcionário da TV Globo e porta-voz dos radiodifusores [7].
A EBC é uma conquista das forças progressistas na luta contra a ditadura midiática. Ela deve ser fortalecida e aperfeiçoada. Isto não a exime dos problemas, que decorrem da sua própria origem conflituosa no interior do governo e de impasses no seu projeto editorial, entre outras lacunas. Os seus recursos são escassos, menos de 5% na comparação com a receita da Rede Globo, e a TV Brasil sequer é transmitida em canal aberto. Seu conselho curador, indicado pelo presidente Lula, não contempla a diversidade dos movimentos sociais. Estes e outros problemas comprometem a sua autonomia de gestão e de financiamento, marcas que distinguem a rede pública da estatal, e dificultam que ela tenha maior visibilidade na sociedade. Mudanças são necessários e urgentes.
As propostas unitárias apresentadas pelos movimentos sociais no 1º Fórum de TVs Públicas, em maio de 2007, continuam atuais: instalação de um “conselho representativo, plural e autônomo, com maioria da sociedade civil, como instância decisória”; “igualdade de participação e respeito à diversidade (regional, mulheres, negros) no seu conselho”; “fomento à produção independente, ampliando a presença desses conteúdos na sua grade de programação”; maior disponibilidade de “verbas do orçamento público no seu financiamento e proibição da publicidade comercial, mas garantido as produções compartilhadas, o apoio cultural e a publicidade institucional”; “que os canais públicos, que hoje são garantidos pela Lei do Cabo, estejam em sinal aberto”.
2- Revisar os critérios das concessões
Desde o início das transmissões de rádio, em 1922, e de televisão, nos anos 1950, o processo de concessão de outorgas às emissoras sempre foi influenciado pelo poder econômico dos donos da mídia e por suas relações promíscuas com o Estado. Concedidas sem qualquer critério objetivo, as outorgas beneficiaram os mesmos grupos empresariais, o que reforçou a propriedade cruzada e a concentração no setor. Nesta longa trajetória monopolista, as redes privadas desrespeitaram as tímidas legislações existentes. Na prática, os barões da mídia exercem uma autêntica ditadura midiática, ficando acima das leis, das normas constitucionais e do próprio Estado de Direito.
A Constituição de 1988, por exemplo, proíbe a formação dos monopólios, exige a produção de conteúdos regionais, obriga que as emissoras tenham finalidades educativas, culturais e artísticas e determina que elas expressem a diversidade de pensamento na sociedade. Como nunca foram regulamentados, estes princípios progressistas viraram letra morta. O atual processo de outorga e de renovação das concessões, com prazo de 15 anos para as TVs e de dez anos para as rádios, é uma verdadeira caixa-preta. A sociedade não exerce qualquer controle sobre este bem público. O Congresso Nacional, que a partir da Constituição de 1988 virou co-responsável pelas concessões e renovações, não cumpre seu papel, submetendo-se à pressão e chantagem dos barões da mídia.
Qualquer questionamento a estas distorções é tachado como “atentado à liberdade de imprensa” pela mídia hegemônica. Ela omite que vários países exercem o direito democrático, inclusive, de não renovar concessões que ferem sua legislação. Até os EUA, nação badalada pela mídia servil, controlam os seus meios de comunicação de massas. A Administração Federal de Comunicações (FCC) cancelou 141 concessões de rádio e TV entre 1934 e 1987. Em 40 desses casos, ela nem esperou que expirasse o prazo da concessão. Já o governo britânico revogou a licença da OneTV, em agosto de 2006; da StarDate, em novembro de 2006; e do canal de televendas Auctionword, em dezembro de 2006. A Espanha revogou, em julho de 2005, a concessão da TV Católica. E a França cancelou a licença da TF1, em dezembro de 2005, por ela ter negado o Holocausto.
Na defesa da democracia e da autêntica liberdade de expressão, o país necessita ser mais rigoroso na análise das concessões e renovações das outorgas. É preciso exigir o cumprimento das normas constitucionais e das leis vigentes. Várias redes privadas desrespeitam o limite mínimo de tempo de 5% para o jornalismo e máximo de 25% para a publicidade. Ainda veiculam merchandising, o comercial disfarçado, o que vetado pelo Código de Defesa do Consumidor. A maioria não exibe o conteúdo educativo exigido pelo Constituição; quando exibe é em horários de baixa audiência. O lobby da mídia também sabotou a classificação indicativa, medida essencial para o resguardo do Estatuto da Criança e dos Adolescentes. Num desrespeito à legislação, várias emissoras de rádio e televisão são dirigidas por “laranjas” de políticos com mandato.
Diante destes e outros abusos, é inadmissível que as outorgas e renovações sejam dadas de forma automática, sem consulta à sociedade. Em vários países existem ouvidorias públicas para receber críticas e analisar as concessões; muitos promovem audiências sobre o tema. Em casos extremos, diante do desrespeito às leis, vários governos simplesmente revogam as concessões. A não renovação é um ato democrático, como admite a União Internacional das Telecomunicações (UIT), que “reconhece em toda sua amplitude o direito soberano de cada Estado de regulamentar o setor, devido à importância crescente das telecomunicações na salvaguarda da paz e do desenvolvimento econômico e social” [8].
3- Rever os critérios da publicidade oficial
A publicidade é a principal fonte de recursos da mídia hegemônica. O faturamento com anúncios publicitários, que superou R$ 21,4 bilhões em 2008, garante os investimentos neste setor de alta tecnologia e os lucros dos empresários, reforçando os impérios midiáticos. Nada é dado de graça, como costuma tergiversar a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) para se contrapor ao controle público. A exibição “gratuita” do conteúdo é paga pela publicidade e os altos custos de produção e veiculação são repassados ao preço da mercadoria. Além de seduzir o consumidor, o anúncio cumpre o papel ideológico de “vender” um estilo de vida, individualista e consumista.
Para o sociólogo Pedro Hurtado, “a publicidade, à margem da sua finalidade comercial, é pura e dura propaganda do modo de vida e de pensamento inerente à ideologia social predominante na atualidade: o consumismo-capitalismo. A publicidade não apenas vende produtos, mas também impõe um modo de vida, valores morais e culturais, códigos simbólicos e, em definitivo, uma ideologia... O consumismo é uma forma de pensar segundo a qual o sentido da vida consiste em comprar objetos e serviços. Esta forma de pensar se converte na principal ideologia que sustenta o sistema capitalista” [9].
Se a correlação de forças na sociedade não possibilita, ainda, adotar medidas mais rigorosas de controle da publicidade comercial, o atual estágio das lutas sociais no país já permite, ao menos, rediscutir os critérios de distribuição das verbas publicitárias dos governos. Afinal, este dinheiro é oriundo dos tributos da sociedade. O montante de recursos é expressivo e serve para “alimentar cobras”. Os barões da mídia que abocanham estes recursos públicos são os mesmos que pregam golpes, desestabilizam governos, criminalizam as lutas dos trabalhadores e idolatram o “deus-mercado”. A publicidade oficial reforça a monopolização do setor, quando poderia servir para estimular a diversidade e pluralidade informativas numa sociedade mais democrática.
De forma discreta, o governo Lula promoveu algumas mudanças nesta área. Ele descentralizou a distribuição das verbas oficiais. “Os comerciais do Palácio do Planalto atingiram no ano passado 5.297 veículos de comunicação. O número representa uma alta de 961% sobre os 499 meios que recebiam dinheiro para divulgar propaganda do governo Lula em 2003, quando o petista tomou posse”, resmungou a Folha [10]. A descentralização da publicidade oficial diminuiu o montante abocanhado por poucos barões da mídia. Irritados, eles agora criticam a rotulada “bolsa-mídia de Lula”, afirmando que ela serve para “alimentar a rede chapa-branca do governo” [11].
Apesar da gritaria, a administração direta e indireta é uma das maiores anunciantes do país. Os gastos publicitários dos governos FHC e Lula oscilaram entre R$ 900 milhões e R$ 1,2 bilhão. O pico de FHC foi em 2001, com R$ 1,114 bilhão em anúncios; em 2008, o governo Lula investiu R$ 1,027 bilhão. Isto sem contabilizar os custos da produção dos comerciais e os gastos com os patrocínios nas áreas de esporte, cultura e outras – que atingiu R$ 918 milhões em 2008. A soma de publicidade e patrocínio injetou quase R$ 2 bilhões na mídia. Na comparação com a iniciativa privada, o maior anunciante em 2008 foi a Casas Bahia, com R$ 3,2 bilhões; o segundo lugar ficou com a Unilever, dona das marcas Kibon, Omo, Dove e Rexona, que gastou R$ 1,75 bilhão.
Quase a totalidade da publicidade oficial engorda os bolsos dos barões da mídia. O governo Lula nunca teve a coragem para investir em veículos alternativos e estes estão à míngua. Até a revista Carta Capital, que adota uma linha jornalística mais independente, sofre com esta tibieza, como crítica Mino Carta [12]. A desculpa usada pelo governo é que ele adota critérios mercadológicos, medidos pela audiência e tiragens. Com esta postura aparentemente “neutra”, o governo reforça a monopolização do setor. É urgente redefinir os critérios para a publicidade oficial. Países como a Itália e a França adotam normas legais para incentivar a diversidade e pluralidade informativas, barateando os custos de impressão e garantindo cotas de publicidade para veículos alternativos.
O Fórum de Mídia Livre defende o estabelecimento de critérios democráticos e transparentes de distribuição dos recursos oficiais, e não apenas a partir da reprodução da lógica mercadológica. “O Estado não vende mercadoria, presta serviço publico. O critério de veiculação não deve ser o da circulação, pois este está ligado à lógica da audiência como mercadoria. A mídia comercial vende audiência, isto é, circulação ou pontos de Ibope, remunerando seus fatores de produção em função da receita que o anunciante lhe proporciona devido ao público que pode atingir. Ora, o Estado não precisa se subordinar a tais critérios. O Estado não vende nada, apenas presta contas, logo pode e deve chegar ao cidadão através de muitos canais pelos quais o cidadão se informa”, explica Marcos Dantas, professor da PUC/RJ e integrante da coordenação do movimento [13].
4- Estimular a radiodifusão comunitária
A radiodifusão comunitária é recente no país e já demonstrou o seu potencial prático na luta pela democratização das comunicações. Ela dá voz a quem não tem voz. Permite que as comunidades “excluídas” expressem seus anseios e reivindicações, divulguem suas criações culturais, prestem serviços à população. Essa experiência no Brasil surgiu no início dos anos 1980, ainda na fase sombria da ditadura militar, e só foi reconhecida legalmente em 1998 – na Bolívia, as rádios comunitárias surgiram na década de 1950 no bojo das greves dos mineiros; já no Chile, elas contribuíram para as vitórias da Unidade Popular, a coalizão socialista de Salvador Allende.
Temendo a sua concorrência, a radiodifusão comunitária é alvo da fúria da mídia hegemônica. Já os governos, sob pressão dos empresários, investem para criminalizá-la. O governo Lula foi até mais realista do que o rei, batendo recorde de perseguição. Segundo pesquisa da Abraço, de 2002 a 2007, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal fecharam mais de 15 mil rádios comunitárias. “Também foram abertos mais de 20 mil processos e cerca de 5 mil militantes foram condenados judicialmente por tentar exercer o direito de livre expressão”. O atual ministro das Comunicações, Helio Costa, dono da rádio Sucesso FM, de Barbacena (MG), vetou todos os projetos de avanço neste setor e “recrudesceu o fechamento das emissoras” [14].
Além da repressão, tudo é feito para inviabilizar a legalização da radiodifusão comunitária. A burocracia é infernal, com inúmeros obstáculos administrativos. Estudo feito pelo Sistema de Controle de Radiodifusão, em novembro de 2006, apontou a existência de 13.595 pedidos de rádios comunitárias acumulados no Ministério das Comunicações – três vezes mais do que os 4.400 verificados no início de 2003. José Sóter, dirigente da Abraço, critica os burocratas do ministério, “subservientes à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e aos interesses dos monopólios da comunicação, e a falta de gente que esteja comprometida com a efetivação do serviço de radiodifusão comunitária como política pública de comunicação” [15].
Estudo recente, no qual foram pesquisadas 2.205 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações (80,44% do total das legalizadas), ainda aponta para outro grave perigo: o de que estas concessões sejam utilizadas como moeda de barganha, servindo a políticos fisiológicos e credos religiosos. A pesquisa indica que “a maioria das rádios comunitárias funciona no país de forma ‘irregular’ porque não se logrou ser devidamente autorizada; e, entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal. Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos políticos em 1.106 – ou 50,2% delas... Há, também, um número considerável de rádios com vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total”. Este deformação revelaria a existência de um “coronelismo eletrônico de novo tipo, envolvendo as outorgas de rádios comunitárias” [16].
Para complicar ainda mais o quadro, o setor passa por um processo de mutação tecnológica para sua digitalização. O Ministério das Comunicações, dominado pelos barões da mídia, já anunciou que prefere o padrão digital dos EUA, o IBOC. Várias rádios foram autorizadas a realizar testes com o novo padrão, criando um fato consumado – sem qualquer consulta à sociedade. Além de ser propriedade de uma única empresa, que cobrará elevados royalties, essa tecnologia ocupa o espectro de forma predatória, fechando espaços para as transmissões. Ele inclusive avança sobre fatias de freqüências ocupadas pelo sistema analógico. Ao encarecer os equipamentos e restringir as transmissões, esse padrão de digitalização poderá asfixiar a radiodifusão comunitária no país.
Ao invés de ser criminalizada, a radiodifusão comunitária deveria ser incentivada pelos poderes públicos. Diante do golpismo da ditadura midiática, ela é uma arma contra-hegemônica decisiva na defesa da democracia. O Estado deveria baratear seus equipamentos e promover oficinas para capacitar os radiodifusores. Mudanças na legislação deveriam garantir o aumento do número de freqüências das emissoras e ampliar o limite da área e o potencial de seu alcance – hoje restrito a um quilometro. A urgente criação de um sistema brasileiro de rádio digital serviria para evitar a monopolização do setor. Além disso, o poder público deveria garantir os meios de sustentação financeira destes veículos, investindo na construção de conteúdos de qualidade e plurais, e criar barreiras para coibir sua apropriação por setores fisiológicos e para garantir o seu caráter laico.
Para agilizar a legalização das rádios, a FNDC propõe medidas simples, como a descentralização dos processos de concessão, redução dos prazos de tramitação e zoneamento da radiofreqüência para definir o canal e a potência para cada localidade. Já a Amarc defende mudanças urgentes no marco regulatório. Entre outros pontos, ela propõe que “as comunidades organizadas e entidades sem fins lucrativos tenham direito a usar a tecnologia de radiodifusão disponível, tanto analógica como digital”; que “os meios comunitários tenham assegurada a sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento”, por meio de patrocínios e publicidade oficial; e a criação “de fundos públicos para assegurar o seu desenvolvimento” e de “políticas públicas que desonerem ou reduzam o pagamento de taxas e impostos, incluindo o uso de espectros” [17].
5- Investir na inclusão digital
Criada nos EUA para fins militares e impulsionada pelos circuitos financeiros do capitalismo, a internet tem transformado o mundo das comunicações. Os mais otimistas chegam a falar numa “revolução”, que permitiria a democratização da produção de conteúdos e da sua difusão. Outros, mais cautelosos, apontam que a tendência monopolista do capital já se faz sentir na centralização dos portais da internet, além do que o capital imporá formas de controle. O projeto do senador tucano Eduardo Azeredo, já batizado de AI-5 digital, confirma este perigo, a exemplo do ataques desferidos pelo presidente-terrorista George Bush e pelo fascistóide Nicolas Sarkozy na França.
Independentemente das tendências futuras, a internet já provoca enormes abalos no setor. Vários jornais e revistas perderam tiragens, faliram ou viraram online. A própria linguagem da televisão é afetada por esta nova forma de comunicação, mais ágil e interativa. Muitos protestos políticos, a partir da manifestação contra a globalização neoliberal que paralisou Seattle em 1999, já são convocados por sítios e blogs progressistas. Manipulações da mídia hegemônica são desnudadas na internet. De 1999 a 2006, mais de 47 milhões de blogs entraram no ar. Neles circulam 1,2 milhão de novos artigos por dia, ou 50 mil por hora, escritos por cerca de 35 milhões de pessoas.
Entusiasta da internet, Bernardo Kucinski afirma que ela “é a maior revolução nas comunicações desde a invenção de Gutenberg. Não admira que tenha reaberto uma nova era de encantamento do ser humano com a comunicação e com a arte de escrever... Na articulação das ONGs e dos movimentos sociais, a internet tem tido papel decisivo, recuperando com grande vantagem o antigo papel atribuído por Lênin à imprensa como ‘organizadora do movimento operário’. Na era da globalização, ela se tornou uma organizadora da cidadania, como expressa o Fórum Social Mundial. Este certamente não teria existido sem a internet. Ela também deu viabilidade técnica ao exercício da democracia direta e acesso direto do cidadão aos serviços do Estado” [18].
Esta “essência libertária”, porém, pode ser castrada pela exclusão digital, alerta Sérgio Amadeu, outro entusiasta da internet. “Quanto custa se conectar à sociedade da informação? Para acessar a internet, a rede mundial de computadores, é preciso pagar mensalmente um provedor de acesso e o gasto com a conta telefônica. Além disso, é preciso ter um computador que custa mais de mil reais. Em um país com quase um terço da sociedade abaixo da linha da pobreza, gastar algo em torno de 40 reais por mês pelo uso mínimo de conexão e conta telefônica é impossível para a maioria da população. Essa é a nova face da exclusão social”, explica didaticamente [19].
Para superar este gargalo, ambos concordam que o Estado deve ter papel pró-ativo. Não dá para deixar esta tecnologia nas mãos “invisíveis” do deus-mercado. Entre outras medidas, é urgente regular o setor para universalizar o acesso à internet, visando a sua gratuidade. O preço da banda larga no país é dos mais altos no mundo devido à desregulamentação das telecomunicações [20]. É preciso também uma política mais ofensiva para baratear os aparelhos, inclusive superando a “ditadura de Bill Gates” através do software livre. Segundo a PNAD de 2004, somente 16,6% das residências brasileiras tinham computadores. Dados do Ibope de 2007 revelaram que apenas 14,1 milhões dos lares tinham acesso à internet. “Devemos elevar a questão da inclusão digital e da alfabetização tecnológica à condição de política pública”, defende Sérgio Amadeu.
6- A urgência do novo marco regulatório
Estas e outras mudanças colocam a urgência de um novo marco regulatório para o setor. A atual legislação é ultrapassada, datada de 1962, carregada de vícios e não dá respostas aos vertiginosos avanços tecnológicos na área. Além de coibir os monopólios e regulamentar outros princípios da Constituição de 1988, como o que garante o respeito à pluralidade de opiniões, a nova legislação deve enfrentar os desafios do futuro. O processo de convergência digital, no qual as corporações multinacionais avançam sobre a mídia, torna este debate ainda mais atual. Hoje é preciso impor regras para evitar a desnacionalização do setor e para garantir a produção e a cultura nacionais.
Apesar das restrições do padrão japonês adotado pelo governo, a nova legislação deve regular a implantação da TV e da rádio digital, protegendo o conteúdo nacional e explorando seu potencial na promoção da diversidade e da inclusão social. Ela não pode depender do resultado da disputa entre as operadoras de telefonia e os barões da mídia. “No bojo da convergência tecnológica, o instinto de sobrevivência dos radiodifusores e a ânsia pela entrada no mercado do conteúdo audiovisual das chamadas teles deverão ser a força motriz da mudança na legislação... É preciso garantir que o campo não seja ocupado apenas pela polarização radiodifusores x teles, mas pelo conjunto dos atores que tem propostas para a reformulação legal”, alerta Jonas Valente [21).
O novo marco regulatório deve fixar políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos. O Brasil ainda está muito atrasado neste campo, seja no acesso à internet, às salas de exibição de cinema ou mesmo à telefonia. “Em 1997, o numero de telefones por 100 habitantes era de 11,7%; em 2004, passou para 29%. Apesar de a telefonia chegar praticamente a todos os 5.484 municípios, nos 5 mil mais pobres ela é a mesma de antes da privatização; 11% ou 7,5 milhões de linhas... Assim, grandes parcelas da população estão excluídas dos avanços tecnológicos. Esse quadro, já amplamente diagnosticado pelo governo Lula, impõe a necessidade de um novo modelo institucional”, que garanta o “adequado equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal” e evite “a concentração da propriedade”, propõe Israel Bayma [22].
A nova legislação também deveria fixar mecanismos democráticos de controle social dos meios de comunicação. Ignacio Ramonet, diretor do jornal Le Monde Diplomatique, defende a criação de observatórios de mídia nas escolas e espaços públicos para monitorar o que é divulgado. “A informação, como os alimentos, está contaminada. Envenena o espírito, polui nossos cérebros, nos manipula, nos intoxica, tenta instilar em nosso inconsciente idéias que não são nossas”. Daí a urgência de um “quinto poder” fiscalizador [23]. No mesmo rumo, é preciso reativar o Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição, mas que está esvaziado. Há ainda a proposta dos sindicatos de jornalistas da criação dos conselhos de redação, como instrumento de luta da categoria e também como contraponto à manipulação, à censura e à pressão dos donos da mídia.
Como conclui Marcos Dantas, a comunicação passa por aceleradas mudanças. Em curto espaço de tempo, nada será como antes neste setor. A televisão, por exemplo, “não será apenas esta que temos: aberta, unidirecional, oferecida por grandes grupos empresariais e sustentadas pela grande publicidade. A TV poderá ser também local ou comunitária, via internet”. O rumo das mudanças dependerá da correlação de forças na sociedade e da construção de um novo marco regulatório e legal. “Na verdade, o capitalismo desenvolveu essas tecnologias e vai moldando os seus usos, ao seu gosto. Nada impede, porém, que o povo trabalhador possa disputá-las, delas se apropriar e a elas dar novos e mais democráticos rumos” [24].
NOTAS
1- James Görgen. “Como domar essa tal de mídia?”. Cartilha nº 1 da FNDC.
2- Caderno da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Diretório Nacional do PT, abril de 2008.
3- “O PCdoB e a luta pela democratização da mídia”. Resolução da 8ª reunião do Comitê Central, outubro de 2007.
4- Laurindo Lalo Leal Filho. Vozes de Londres. Memórias brasileiras da BBC. Edusp, SP, 2008.
5- Valério Cruz Brittos e Rafael Cavalcanti Barreto. “O potencial democrático e sua redução à mercadoria”. Observatório da Imprensa, 14/10/08.
6- “Aparelho na TV”. Editorial da Folha de S.Paulo, 19/03/07.
7- “TV do Executivo: uma ação contra o Fórum de TVs Públicas”. Intervozes, março de 2007.
8- Ernesto Carmona. “Salvador Allende se revolve na tumba”. Correio da Cidadania, 12/07/07.
9- Pedro Hurtado. “Prohibir la publicidad en los medios de comunicación de masas”. Rebelion, 20/12/08.
10- Fernando Rodrigues. “Propaganda de Lula chega a 5.297 veículos”. Folha de S.Paulo, 31/05/09.
11- Fernando de Barros e Silva. “O bolsa-mídia de Lula”. Folha de S.Paulo, 01/06/09.
12- Mino Carta. “A vitória de Lula é a derrota da mídia”. Entrevista para o sítio Fazendo Media, 03/11/06.
13- Jonas Valente. “Fórum lança manifesto em defesa do fortalecimento da mídia livre”. Observatório do Direito à Comunicação, 24/10/08.
14- Gustavo Gindre. “Os rumos do Ministério das Comunicações”. Fazendo Media, 27/11/06.
15- Laura Schenkel. “Governo acumula 14 mil pedidos de abertura de rádios comunitárias”. Boletim da FNDC, 09/12/06.
16- Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes. “Rádios Comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)”.
17- “Audiência discute padrão para rádio e televisão comunitária”. Agência Adital, 27/10/09.
18- Bernardo Kucinski. Jornalismo na era virtual. Editoras Perseu Abramo e Unesp, SP, 2005.
19- Sérgio Amadeu da Silveira. Exclusão digital. Editora Perseu Abramo, SP, 2005.
20- Elvira Lobato. “Disputa de teles distorce preço da internet”. Folha de S.Paulo, 17/08/08.
21- Jonas Valente. “Lei Geral é a bola da vez, afirmam especialista do setor”. Carta Maior, 23/03/07.
22- Israel Bayma. “Uma proposta para a construção democrática da lei geral de comunicação eletrônica”. 02/08/06.
23- Ignacio Ramonet. “O quinto poder”. Caminhos para uma comunicação democrática. Jornal Le Monde Diplomatique, SP, 2007.
24- Marcos Dantas. Uma agenda democrática para as comunicações brasileiras. Cadernos da Fisenge, RJ, 2008.
EDUCAÇÃO - Carta aberta à população do Estado do Rio de Janeiro.
Carta Aberta à População do Estado do Rio de Janeiro.
Nós, professores servidores do Estado do Rio de Janeiro, escrevemos esta carta aberta à população do Rio de Janeiro para mostrar aquilo que realmente envolve a questão a incorporação da gratificação chamada Nova Escola e a diminuição do nosso plano de carreira.
A princípio, não foi dito o valor do salário do professor estadual, que é de apenas R$ 607,26. A população deve imaginar que recebemos alguma ajuda extra, como vale transporte, vale refeição, que qualquer empresa é obrigada a pagar a seu funcionário. Porém, não é isso o que acontece: não recebemos estes benefícios que são direitos de todo o trabalhador e ainda temos o desconto previdenciário de 11%, recebendo um salário líquido de aproximadamente R$ 540,00.
O Governo faz propagandas na televisão dizendo que deu laptops para todo professor, mas na verdade, estes laptops foram adquiridos pelo sistema de comodato, ou seja, estes equipamentos são emprestados pelo governo que, quando bem entender, pode pedir os mesmos de volta. Atualmente, observamos a climatização das salas de aula, onde o Governo aluga os aparelhos e ainda terá um consumo absurdo de energia elétrica, gerando consumo de energia bastante elevado.
A incorporação do Nova Escola se dará até 2015, em 7 parcelas. O governador já se considera reeleito. Existem casos de professores que receberão, no ano que vem, segundo este projeto, um aumento de R$ 2,47! Isso mesmo, talvez não dê para pagar uma passagem com o valor deste aumento em 2010. Um outro ponto é o grande número de pedidos de exoneração de professores, estima-se que seja aproximadamente 30 por dia! Não existem condições de trabalho e isso nos incomoda.
Contudo, o que mais nos deixa indignados, é a carta compromisso enviada aos nossos lares onde o mesmo governador empenha sua palavra e agora se esquece de tudo aquilo que prometeu. As promessas são:
Promessa 1- Reposição das perdas dos últimos 10 anos.
Resultado- Reajuste de 4% e mais 8% de uma perda de mais de 70%.
Promessa 2- Manutenção do atual plano de carreira e inclusão dos professores de 40h.
Resultado- Não só manteve o professor 40h de fora do plano como diminuiu as diferenças entre níveis de 12% para 7,5%.
Promessa 3- Fim da política da gratificação Nova Escola e incorporação do valor da gratificação ao piso salarial.
Resultado- Esqueceu de avisar que seria em 7 anos e sem reposição da inflação.
Promessa 4- "A secretaria de Estado de Educação do meu governo terá como titular pessoa com histórico na área de educação e vínculos com o magistério."
Resultado- A atual titular da pasta é da área de computação, burocrata sem passagem pelo magistério.
Não somos ouvidos, e ainda vemos a imprensa nos virar as costas e distorcer a situação real. Somos pais e mães de família, que fizeram um curso superior, na esperança de um futuro melhor.
Contamos com a compreensão e a colaboração da população do Estado do Rio de Janeiro.
Vista a camisa da Educação, você pode não ser professor, seu filho e sua família podem não precisar da Educação Pública, mas a nossa sociedade só vai melhorar com Educação Pública de qualidade Faça a sua parte, essa será uma verdadeira mudança na história da Educação no Estado do Rio de Janeiro, porém precisamos adequar a verdadeira realidade do magistério Estadual.
Mande para os seus contatos a vergonha que acontece no RJ.e vamos mostrar a nossa força!!!!!!!
Agradecemos imensamente a atenção
Professores do Estado do Rio de Janeiro
Nós, professores servidores do Estado do Rio de Janeiro, escrevemos esta carta aberta à população do Rio de Janeiro para mostrar aquilo que realmente envolve a questão a incorporação da gratificação chamada Nova Escola e a diminuição do nosso plano de carreira.
A princípio, não foi dito o valor do salário do professor estadual, que é de apenas R$ 607,26. A população deve imaginar que recebemos alguma ajuda extra, como vale transporte, vale refeição, que qualquer empresa é obrigada a pagar a seu funcionário. Porém, não é isso o que acontece: não recebemos estes benefícios que são direitos de todo o trabalhador e ainda temos o desconto previdenciário de 11%, recebendo um salário líquido de aproximadamente R$ 540,00.
O Governo faz propagandas na televisão dizendo que deu laptops para todo professor, mas na verdade, estes laptops foram adquiridos pelo sistema de comodato, ou seja, estes equipamentos são emprestados pelo governo que, quando bem entender, pode pedir os mesmos de volta. Atualmente, observamos a climatização das salas de aula, onde o Governo aluga os aparelhos e ainda terá um consumo absurdo de energia elétrica, gerando consumo de energia bastante elevado.
A incorporação do Nova Escola se dará até 2015, em 7 parcelas. O governador já se considera reeleito. Existem casos de professores que receberão, no ano que vem, segundo este projeto, um aumento de R$ 2,47! Isso mesmo, talvez não dê para pagar uma passagem com o valor deste aumento em 2010. Um outro ponto é o grande número de pedidos de exoneração de professores, estima-se que seja aproximadamente 30 por dia! Não existem condições de trabalho e isso nos incomoda.
Contudo, o que mais nos deixa indignados, é a carta compromisso enviada aos nossos lares onde o mesmo governador empenha sua palavra e agora se esquece de tudo aquilo que prometeu. As promessas são:
Promessa 1- Reposição das perdas dos últimos 10 anos.
Resultado- Reajuste de 4% e mais 8% de uma perda de mais de 70%.
Promessa 2- Manutenção do atual plano de carreira e inclusão dos professores de 40h.
Resultado- Não só manteve o professor 40h de fora do plano como diminuiu as diferenças entre níveis de 12% para 7,5%.
Promessa 3- Fim da política da gratificação Nova Escola e incorporação do valor da gratificação ao piso salarial.
Resultado- Esqueceu de avisar que seria em 7 anos e sem reposição da inflação.
Promessa 4- "A secretaria de Estado de Educação do meu governo terá como titular pessoa com histórico na área de educação e vínculos com o magistério."
Resultado- A atual titular da pasta é da área de computação, burocrata sem passagem pelo magistério.
Não somos ouvidos, e ainda vemos a imprensa nos virar as costas e distorcer a situação real. Somos pais e mães de família, que fizeram um curso superior, na esperança de um futuro melhor.
Contamos com a compreensão e a colaboração da população do Estado do Rio de Janeiro.
Vista a camisa da Educação, você pode não ser professor, seu filho e sua família podem não precisar da Educação Pública, mas a nossa sociedade só vai melhorar com Educação Pública de qualidade Faça a sua parte, essa será uma verdadeira mudança na história da Educação no Estado do Rio de Janeiro, porém precisamos adequar a verdadeira realidade do magistério Estadual.
Mande para os seus contatos a vergonha que acontece no RJ.e vamos mostrar a nossa força!!!!!!!
Agradecemos imensamente a atenção
Professores do Estado do Rio de Janeiro
sábado, 30 de janeiro de 2010
INTERNET - "O Vermelho" com software livre.
Com software livre, Vermelho facilita a vida do internauta
O portal Vermelho a partir desta terça-feira (11) passa a usar software livre. Para o internauta, isso representa uma série de vantagens e facilidades imediatas. Para o portal, que sempre defendeu o software livre, é uma medida de coerência e também o início de uma fase de inovações.
mapinhas
As três gerações do mapa
A passagem para a linguagem PHP (sigla de Hypertext Preprocessor) tornou-se possível graças a uma nova ferramenta de gerenciamento do conteúdo do portal. Desdenvolvida pela empresa TMax Tecnologia, ela não só liberta o Vermelho do software proprietário: também introduz no portal alguns recursos e funções novas.
Uma das inovações é a "versão 3.0" do mapa na coluna da esquerda do site, que dá acesso ao conteúdo dos Cadernos Estaduais do Vermelho. O mapa, presente desde o lançamento do portal, em 2002, já passou por três versões. A primeira simplesmente dava acesso ao noticiário de cada estado. A segunda, a partir de 2006, passou a indicar quais cadernos haviam renovado o seu conteúdo (o que fez os Cadernos Estaduais saltarem de 3% para 15% do total de páginas visitadas). Agora, o mapa "3.0" mostra também o título da última matéria publicada em cada caderno.
A ferramenta de busca, antes um ponto fraco do portal, agora tornou-se confiável e eficiente. A alternativa de "busca avançada" permite pesquisar determinada palavra chave ou conjunto de palavras-chaves em um determinado período, seção ou caderno estadual. Os códigos difundidos pelo Google, como " e +, agora podem ser usados para buscas no Vermelho.
O portal passa a contar também com o recurso "comente". Os comentários ficarão disponíveis ao fim de cada matéria, tornando mais interativo e ágil o diálogo com os internautas. Com isso, a seção Fala Povo deixa de existir. O Vermelho reserva-se o direito de não publicas acusações insultuosas, mensagens chulas e em desacordo com os temas tratados.
A passagem para o software livre inaugura uma fase que a equipe do Vermelho batizou de "revolução permanente". Outras novidades virão a seguir, voltadas principalmente para reforçar os elementos interativos e multimídia.
Da redação
O portal Vermelho a partir desta terça-feira (11) passa a usar software livre. Para o internauta, isso representa uma série de vantagens e facilidades imediatas. Para o portal, que sempre defendeu o software livre, é uma medida de coerência e também o início de uma fase de inovações.
mapinhas
As três gerações do mapa
A passagem para a linguagem PHP (sigla de Hypertext Preprocessor) tornou-se possível graças a uma nova ferramenta de gerenciamento do conteúdo do portal. Desdenvolvida pela empresa TMax Tecnologia, ela não só liberta o Vermelho do software proprietário: também introduz no portal alguns recursos e funções novas.
Uma das inovações é a "versão 3.0" do mapa na coluna da esquerda do site, que dá acesso ao conteúdo dos Cadernos Estaduais do Vermelho. O mapa, presente desde o lançamento do portal, em 2002, já passou por três versões. A primeira simplesmente dava acesso ao noticiário de cada estado. A segunda, a partir de 2006, passou a indicar quais cadernos haviam renovado o seu conteúdo (o que fez os Cadernos Estaduais saltarem de 3% para 15% do total de páginas visitadas). Agora, o mapa "3.0" mostra também o título da última matéria publicada em cada caderno.
A ferramenta de busca, antes um ponto fraco do portal, agora tornou-se confiável e eficiente. A alternativa de "busca avançada" permite pesquisar determinada palavra chave ou conjunto de palavras-chaves em um determinado período, seção ou caderno estadual. Os códigos difundidos pelo Google, como " e +, agora podem ser usados para buscas no Vermelho.
O portal passa a contar também com o recurso "comente". Os comentários ficarão disponíveis ao fim de cada matéria, tornando mais interativo e ágil o diálogo com os internautas. Com isso, a seção Fala Povo deixa de existir. O Vermelho reserva-se o direito de não publicas acusações insultuosas, mensagens chulas e em desacordo com os temas tratados.
A passagem para o software livre inaugura uma fase que a equipe do Vermelho batizou de "revolução permanente". Outras novidades virão a seguir, voltadas principalmente para reforçar os elementos interativos e multimídia.
Da redação
TRANSGÊNICOS - Guerra à Monsanto.
A guerra dos produtores mato-grossenses à Monsanto – multinacional detentora da tecnologia de sementes transgênicas da soja, conhecida como RR (Roundup Ready) – está declarada. Depois de esgotadas todas as tentativas de diálogo com a empresa, os produtores já pensam em acionar a Justiça. Em Cuiabá, a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja) prepara ação judicial contra a Monsanto. E, em Sinop (500 Km ao Norte de Cuiabá), os produtores também estudam entrar na Justiça contra a empresa.
A reportagem é de Marcondes Maciel e Tania Rauber, publicada pelo Diário de Cuiabá e reproduzida por Amazonia.org.br, 29-01-2010.
A Aprosoja quer saber se os valores pagos em royalties pelos sojicultores são devidos. “Queremos saber que tipo de patente que está gerando esta cobrança, pois dependendo da patente, a empresa não direito de cobrar nada. Precisamos saber também o período de validade da patente”, explica o presidente da Aprosoja, Glauber Silveira.
Em Mato Grosso, os produtores elevaram a área plantada de transgênicos de 2,6 milhões de hectares (safra 2008/09) para cerca de três milhões de hectares na safra deste ano. A expansão da área vai aumentar também o lucro da Monsanto, que saltará de R$ 39 milhões para R$ 45 milhões de uma safra para outra, incremento de 15,38%. O valor cobrado pela Monsanto pelo uso da patente, de acordo com cálculos dos produtores, é de R$ 15 por hectare.
A Aprosoja pretende fazer uma notificação para que a Monsato apresente justificativas para a cobrança do royalties. “Temos informações de que a Monsanto está induzindo as sementeiras do Estado a produzir somente sementes transgênicas”, denuncia Silveira. Em Mato Grosso, os transgênicos já ocupam metade de toda a área plantada de soja, cerca de 6 milhões de hectares.
SINOP - Depois de várias conversações, sem resultado, o Sindicato Rural de Sinop estuda propor ação contra a Monsanto. Atualmente, cerca de 50% das lavouras da região Norte de Mato Grosso são cultivadas com variedades transgênicas. Estas se diferenciam das convencionais por serem tolerantes à herbicida à base de glifosato, usado para dessecação pré e pós-plantio, para eliminar qualquer tipo de planta daninha.
Essa tolerância faz com que o agricultor possa aplicar apenas esse herbicida sobre a soja, reduzindo assim seus custos de produção e o número de aplicações. Porém, o questionamento do setor é quanto a cobrança dos royalties pelo uso da semente.
O presidente do Sindicato, Antônio Galvan, explicou que são feitas duas cobranças. A primeira delas na compra da semente, por meio de boletos. “Em janeiro, eles cobraram R$ 0,45 cada quilo de semente, o que equivale a cerca de 30% do preço da saca”.
O principal questionamento é quanto a segunda cobrança, que é feita na saída do produto. Ao chegar nos armazéns, o grão passa por um teste que vai apontar se é transgênico ou não. O problema ocorre porque, em muitos casos, a oleaginosa convencional é contaminada e os produtores acabam tendo que pagar os royalties sem ter adquirido sementes transgênicas.
Isso ocorre tanto na lavoura, por meio de polinização ou na hora do plantio, quanto na hora de estocar a safra. “Se tiver uma lavoura de soja transgênica ao lado de uma convencional, na época da florada, pode ocorrer a polinização. Se as máquinas, na hora do plantio, não forem bem limpas e ficar algumas sementes de transgênicos, também pode haver a contaminação. Desta forma, na hora dos testes, são consideradas transgênicas”.
Fonte:IHU
A reportagem é de Marcondes Maciel e Tania Rauber, publicada pelo Diário de Cuiabá e reproduzida por Amazonia.org.br, 29-01-2010.
A Aprosoja quer saber se os valores pagos em royalties pelos sojicultores são devidos. “Queremos saber que tipo de patente que está gerando esta cobrança, pois dependendo da patente, a empresa não direito de cobrar nada. Precisamos saber também o período de validade da patente”, explica o presidente da Aprosoja, Glauber Silveira.
Em Mato Grosso, os produtores elevaram a área plantada de transgênicos de 2,6 milhões de hectares (safra 2008/09) para cerca de três milhões de hectares na safra deste ano. A expansão da área vai aumentar também o lucro da Monsanto, que saltará de R$ 39 milhões para R$ 45 milhões de uma safra para outra, incremento de 15,38%. O valor cobrado pela Monsanto pelo uso da patente, de acordo com cálculos dos produtores, é de R$ 15 por hectare.
A Aprosoja pretende fazer uma notificação para que a Monsato apresente justificativas para a cobrança do royalties. “Temos informações de que a Monsanto está induzindo as sementeiras do Estado a produzir somente sementes transgênicas”, denuncia Silveira. Em Mato Grosso, os transgênicos já ocupam metade de toda a área plantada de soja, cerca de 6 milhões de hectares.
SINOP - Depois de várias conversações, sem resultado, o Sindicato Rural de Sinop estuda propor ação contra a Monsanto. Atualmente, cerca de 50% das lavouras da região Norte de Mato Grosso são cultivadas com variedades transgênicas. Estas se diferenciam das convencionais por serem tolerantes à herbicida à base de glifosato, usado para dessecação pré e pós-plantio, para eliminar qualquer tipo de planta daninha.
Essa tolerância faz com que o agricultor possa aplicar apenas esse herbicida sobre a soja, reduzindo assim seus custos de produção e o número de aplicações. Porém, o questionamento do setor é quanto a cobrança dos royalties pelo uso da semente.
O presidente do Sindicato, Antônio Galvan, explicou que são feitas duas cobranças. A primeira delas na compra da semente, por meio de boletos. “Em janeiro, eles cobraram R$ 0,45 cada quilo de semente, o que equivale a cerca de 30% do preço da saca”.
O principal questionamento é quanto a segunda cobrança, que é feita na saída do produto. Ao chegar nos armazéns, o grão passa por um teste que vai apontar se é transgênico ou não. O problema ocorre porque, em muitos casos, a oleaginosa convencional é contaminada e os produtores acabam tendo que pagar os royalties sem ter adquirido sementes transgênicas.
Isso ocorre tanto na lavoura, por meio de polinização ou na hora do plantio, quanto na hora de estocar a safra. “Se tiver uma lavoura de soja transgênica ao lado de uma convencional, na época da florada, pode ocorrer a polinização. Se as máquinas, na hora do plantio, não forem bem limpas e ficar algumas sementes de transgênicos, também pode haver a contaminação. Desta forma, na hora dos testes, são consideradas transgênicas”.
Fonte:IHU
ELEIÇÕES - Movimentos sociais propõem mobilização eleitoral.
Um calendário de mobilizações voltado às eleições de 2010 foi lançado ontem pela Assembleia de Movimentos Sociais do Fórum Social Mundial, incluindo uma reunião nacional para 31 de maio sob a palavra de ordem de "barrar a volta do neoliberalismo" ao País.
A reportagem é de Wilson Tosta e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-01-2010.
Conduzido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e com forte presença de oradores do PC do B, o encontro no último dia da etapa gaúcha do fórum aprovou sem votação um documento que considera a mobilização da oposição contra o governo em 2005, na crise do mensalão, uma tentativa de golpe equiparada a outros episódios na América Latina, como na Venezuela, em 2002, e em Honduras, em 2009.
Apesar do tom do texto, organizadores demonstraram não temer a acusação de uso político-partidário do fórum. "Não temos medo, não", disse o sindicalista que comandou a reunião na Usina do Gasômetro, zona portuária da capital gaúcha, Antônio Carlos Spis, da Federação Única dos Petroleiros, filiada à CUT. "Estamos do lado do trabalhador, do movimento social, dos estudantes e não estamos preocupados com candidatura, mas com o possível avanço do neoliberalismo nessas eleições."
Spis afirmou que os movimentos vão construir um "projeto nacional e popular" para apresentar aos candidatos na assembleia nacional dos movimentos em maio, em São Paulo, além de uma conferência nacional dos trabalhadores em 1 de junho. "Duvido que qualquer candidato aceite nossa pauta. O primeiro ponto será a implementação da reforma agrária já", adianta Spis. "Queremos democratizar os meios de comunicação, quebrar a espinha dorsal da Globo, da Bandeirantes, do SBT. Essas coisas não vão acontecer. O pessoal tem receio."
Batizado de 10 anos de FSM - um outro mundo acontece!, o documento proposto pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) apresenta 38 bandeiras de luta. "As elites se utilizam e fortalecem novos instrumentos de dominação. Sua principal arma hoje é a grande mídia e os grandes veículos de comunicação", diz o texto. "São esses organismos que funcionam como verdadeiros porta-vozes das elites conservadoras e golpistas. Nesse sentido ganham força os movimentos de cultura livre que conseguem driblar o monopólio midiático e influenciar a opinião de milhares de pessoas e a necessidade do fortalecimento das rádios comunitárias", afirma o texto, que foi recebido com aplausos.
O documento, contudo, também recebeu críticas. "Acho complicado sair de um fórum de organizações sociais proclamando o Estado como solução", disse o diretor do Sindicato dos Professores de Campinas, José Roberto Cabrera.
A reunião, na Usina do Gasômetro, na zona portuária da capital gaúcha, depois de começar com mais 500 pessoas, terminou esvaziada, com menos da metade desse número. Uma passeata final, que iria do Gasômetro até a Assembleia, foi cancelada por falta de manifestantes.
Fonte:IHU
A reportagem é de Wilson Tosta e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-01-2010.
Conduzido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e com forte presença de oradores do PC do B, o encontro no último dia da etapa gaúcha do fórum aprovou sem votação um documento que considera a mobilização da oposição contra o governo em 2005, na crise do mensalão, uma tentativa de golpe equiparada a outros episódios na América Latina, como na Venezuela, em 2002, e em Honduras, em 2009.
Apesar do tom do texto, organizadores demonstraram não temer a acusação de uso político-partidário do fórum. "Não temos medo, não", disse o sindicalista que comandou a reunião na Usina do Gasômetro, zona portuária da capital gaúcha, Antônio Carlos Spis, da Federação Única dos Petroleiros, filiada à CUT. "Estamos do lado do trabalhador, do movimento social, dos estudantes e não estamos preocupados com candidatura, mas com o possível avanço do neoliberalismo nessas eleições."
Spis afirmou que os movimentos vão construir um "projeto nacional e popular" para apresentar aos candidatos na assembleia nacional dos movimentos em maio, em São Paulo, além de uma conferência nacional dos trabalhadores em 1 de junho. "Duvido que qualquer candidato aceite nossa pauta. O primeiro ponto será a implementação da reforma agrária já", adianta Spis. "Queremos democratizar os meios de comunicação, quebrar a espinha dorsal da Globo, da Bandeirantes, do SBT. Essas coisas não vão acontecer. O pessoal tem receio."
Batizado de 10 anos de FSM - um outro mundo acontece!, o documento proposto pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) apresenta 38 bandeiras de luta. "As elites se utilizam e fortalecem novos instrumentos de dominação. Sua principal arma hoje é a grande mídia e os grandes veículos de comunicação", diz o texto. "São esses organismos que funcionam como verdadeiros porta-vozes das elites conservadoras e golpistas. Nesse sentido ganham força os movimentos de cultura livre que conseguem driblar o monopólio midiático e influenciar a opinião de milhares de pessoas e a necessidade do fortalecimento das rádios comunitárias", afirma o texto, que foi recebido com aplausos.
O documento, contudo, também recebeu críticas. "Acho complicado sair de um fórum de organizações sociais proclamando o Estado como solução", disse o diretor do Sindicato dos Professores de Campinas, José Roberto Cabrera.
A reunião, na Usina do Gasômetro, na zona portuária da capital gaúcha, depois de começar com mais 500 pessoas, terminou esvaziada, com menos da metade desse número. Uma passeata final, que iria do Gasômetro até a Assembleia, foi cancelada por falta de manifestantes.
Fonte:IHU
MST - Desafio do Movimento é triunfar a agricultura familiar.
Por: Osvaldo Luiz Colibri Vitta
Desafio do MST é triunfar a agricultura familiar, diz Stédile
Porto Alegre - Entrevistado pela Rádio Brasil Atual durante o Fórum Social Mundial, o coordenador nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), João Pedro Stédile, disse que o sucesso da reforma agrária no Brasil passou a ter um componente a mais desde a década de 1990, quando a globalização econômica transformou grande parte da agricultura do país em centro de produção do agronegócio.
"Antes, o problema era o latifúndio, agora são as grandes indústrias. O país virou um grande consumidor de agrotóxicos, deixou de privilegiar as sementes nacionais e passou a promover ainda mais desemprego no campo."
Segundo o ativista, o trabalho do MST teve de ser reformulado para fazer frente ao poder econômico que tenta se implantar na zona rural do país. "O movimento está sendo desafiado a fazer triunfar a agricultura familiar sobre o agronegócio, não basta mais apenas invadir terras considerada improdutivas".
Durante a conversa com o jornalista Osvaldo Luiz Colibri Vitta, na manhã da sexta-feira (29), Stédile falou também sobre a organização do Estado e o papel do sistema financeiro, entre outros assuntos.
Desafio do MST é triunfar a agricultura familiar, diz Stédile
Porto Alegre - Entrevistado pela Rádio Brasil Atual durante o Fórum Social Mundial, o coordenador nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), João Pedro Stédile, disse que o sucesso da reforma agrária no Brasil passou a ter um componente a mais desde a década de 1990, quando a globalização econômica transformou grande parte da agricultura do país em centro de produção do agronegócio.
"Antes, o problema era o latifúndio, agora são as grandes indústrias. O país virou um grande consumidor de agrotóxicos, deixou de privilegiar as sementes nacionais e passou a promover ainda mais desemprego no campo."
Segundo o ativista, o trabalho do MST teve de ser reformulado para fazer frente ao poder econômico que tenta se implantar na zona rural do país. "O movimento está sendo desafiado a fazer triunfar a agricultura familiar sobre o agronegócio, não basta mais apenas invadir terras considerada improdutivas".
Durante a conversa com o jornalista Osvaldo Luiz Colibri Vitta, na manhã da sexta-feira (29), Stédile falou também sobre a organização do Estado e o papel do sistema financeiro, entre outros assuntos.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
TRANSGÊNICOS - Aumenta a desconfiança no mundo.
Aumenta a desconfiança sobre os transgênicos no mundo
Relatório do Greenpeace lançado na última semana mostra que os produtos geneticamente modificados não conquistaram produtores, governos e consumidores.
A notícia é da Agência Envolverde, 29-01-2010.
A reação negativa que os transgênicos causam em produtores, consumidores e governos continua crescendo pelo mundo, revela um documento lançado pelo Greenpeace na última semana. Está cada vez maior reação global contra a engenharia genética, que em 2006 se expandiu basicamente por três países – Estados Unidos, Argentina e Brasil.
“Governos, produtores e consumidores por todo o mundo reconhecem cada vez mais que a engenharia genética não é confiável, nem viável, além de ser perigosa”, afirma Jeremy Tager, campaigner do Greenpeace Internacional.
“A reação do mercado para o recente escândalo do arroz contaminado foi de iminente epidemia. Alguns países estão banindo os organismos geneticamente modificados como um todo. A Romênia, por exemplo, que tinha 85 mil hectares plantados com soja em 2005, vai reduzir a zero este ano, para atender à nova política do governo local de banir cultivos transgênicos de soja no país.”
A mais significativa demonstração de rejeição aos transgênicos foi o escândalo da contaminação de arroz nos Estados Unidos por um produto geneticamente modificado da Bayer.
Em agosto de 2006, o governo americano anunciou que quantias significativas de arroz do país foram contaminadas com uma variedade geneticamente modificada não aprovada, o LLRICE601, da Bayer. A notícia provocou fortes reações de produtores e processadores de arroz, e também de governos de outros países, causando sérios problemas às exportações americanas do produto, praticamente reduzidas a zero.
O Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAA na sigla em inglês), ONG patrocinada pela indústria de biotecnologia, também lançou esta semana um relatório, comemorando o aumento da área plantada com transgênicos pelo mundo em 2006, mas não destaca que esse aumento aconteceu praticamente em países em desenvolvimento. Na Europa, os transgênicos vem sendo questionados e, em alguns casos, banidos.
“A ISAA pode afirmar que a engenharia genética tem sido um sucesso, com consistente aumento de área plantada pelo mundo, mas a reação que houve à contaminação do arroz americano revela que o cenário atual não é tão bonito quanto pintado por eles,” afirmou Tager.
Relatório do Greenpeace lançado na última semana mostra que os produtos geneticamente modificados não conquistaram produtores, governos e consumidores.
A notícia é da Agência Envolverde, 29-01-2010.
A reação negativa que os transgênicos causam em produtores, consumidores e governos continua crescendo pelo mundo, revela um documento lançado pelo Greenpeace na última semana. Está cada vez maior reação global contra a engenharia genética, que em 2006 se expandiu basicamente por três países – Estados Unidos, Argentina e Brasil.
“Governos, produtores e consumidores por todo o mundo reconhecem cada vez mais que a engenharia genética não é confiável, nem viável, além de ser perigosa”, afirma Jeremy Tager, campaigner do Greenpeace Internacional.
“A reação do mercado para o recente escândalo do arroz contaminado foi de iminente epidemia. Alguns países estão banindo os organismos geneticamente modificados como um todo. A Romênia, por exemplo, que tinha 85 mil hectares plantados com soja em 2005, vai reduzir a zero este ano, para atender à nova política do governo local de banir cultivos transgênicos de soja no país.”
A mais significativa demonstração de rejeição aos transgênicos foi o escândalo da contaminação de arroz nos Estados Unidos por um produto geneticamente modificado da Bayer.
Em agosto de 2006, o governo americano anunciou que quantias significativas de arroz do país foram contaminadas com uma variedade geneticamente modificada não aprovada, o LLRICE601, da Bayer. A notícia provocou fortes reações de produtores e processadores de arroz, e também de governos de outros países, causando sérios problemas às exportações americanas do produto, praticamente reduzidas a zero.
O Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAA na sigla em inglês), ONG patrocinada pela indústria de biotecnologia, também lançou esta semana um relatório, comemorando o aumento da área plantada com transgênicos pelo mundo em 2006, mas não destaca que esse aumento aconteceu praticamente em países em desenvolvimento. Na Europa, os transgênicos vem sendo questionados e, em alguns casos, banidos.
“A ISAA pode afirmar que a engenharia genética tem sido um sucesso, com consistente aumento de área plantada pelo mundo, mas a reação que houve à contaminação do arroz americano revela que o cenário atual não é tão bonito quanto pintado por eles,” afirmou Tager.
ANOS DE CHUMBO - Ditadura militar ainda está presente.
'Ditadura militar ainda está presente no Brasil', diz Boaventura
Para o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, professor da Universidade de Coimbra, a ditadura militar ainda está presente no Brasil de hoje. "Se a anistia perdoa torturadores, então a anistia ainda está presente", afirmou nesta quinta-feira, durante o seminário "Impunidade: marcas das ditaduras nos direitos humanos", de iniciativa do projeto Direito à Memória e à Verdade, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. O projeto Direito à Memória e à Verdade busca recuperar os registros dos desaparecidos durante a ditadura militar.
A reportagem é de Jair Stangler e publicada pelo portal do jornal O Estado de S. Paulo, 28-01-2010.
Segundo ele, o Brasil vive uma transição da ditadura para a democracia e vê um embate entre "os que não conseguem esquecer e os que não querem lembrar". Para o sociólogo, é preciso "democratizar o passado, para democratizar o presente e democratizar o futuro". Boaventura acredita que o Brasil está avançando mais em Direitos Humanos que Portugal.
'Lula está nos devendo'
"O governo Lula está nos devendo muito" disse o jornalista e sociólogo Marcos Rolim. O ex-deputado do Rio Grande do Sul, que deixou o PT em 2009, elogiou a proposta para o Programa Nacional de Direitos Humanos, mas fez críticas ao governo, sobretudo na causa específica da divulgação dos documentos da ditadura militar. "O governo recorreu contra a decisão da Justiça de abrir os documentos da ditadura."
Rolim recusou o rótulo de "revanchista" e disse ver uma campanha contra o movimento para tornar públicos o movimento para abrir os documentos da ditadura militar.
"Os jornais voltaram a usar o termo 'terrorista' para definir o guerrilheiro de esquerda. Então fica aquela coisa de 'ditadura' versus 'terrorismo'. Pode-se criticar os guerrilheiros sob muitos aspectos, mas não se pode dizer que eram terroristas. É como dizer que a revolução francesa foi feita por terroristas, ou que os judeus do gueto de Varsóvia eram terroristas", disse.
"A anistia surgiu no Brasil para que não conhecêssemos a verdade. Os atos e nomes da esquerda são conhecidos. Foram punidos. Agora queremos saber também os nomes e fatos do outro lado", afirmou ainda.
Crimes não prescrevem'
O procurador da República Domingos Sávio da Silveira, que completou a mesa, abriu sua exposição rebatendo os dois principais argumentos usados por quem se opõe a que se investiguem os crimes cometidos durante a ditadura, de que os crimes prescreveram e de que a Lei da Anistia pacificou o País.
Segundo Silveira, há duas razões para os crimes não terem prescrevido. Primeiro, porque a tortura é considerada crime contra a humanidade desde 1907 no Brasil e a ONU já decidiu que crimes contra a humanidade não prescrevem. Além disso, diz ele, como muitos dos presos continuam desaparecidos, o crime continua acontecendo.
Com relação à Lei da Anistia, ele lembra que a norma concedia anistia a "crimes políticos e os crimes conexos". Com base nisso, a tortura fora enquadrada como crime conexo. O argumento do procurador, bem como a de Rolim, é que a tortura não tem conexão com crime político. Além disso, diz o procurador, um Estado não pode se "autoanistiar".
Ele lembra ainda que buscar a verdade sobre a tortura no passado, além de ajudar que isso volte a ocorrer no futuro, pode ajudar a combater a prática da tortura feita de maneira sistemática contra os pobres no País.
"Se busca o reconhecimento que pessoas foram torturadas e assassinadas sob custódia do Estado", disse.
Fonte:IHU
Para o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, professor da Universidade de Coimbra, a ditadura militar ainda está presente no Brasil de hoje. "Se a anistia perdoa torturadores, então a anistia ainda está presente", afirmou nesta quinta-feira, durante o seminário "Impunidade: marcas das ditaduras nos direitos humanos", de iniciativa do projeto Direito à Memória e à Verdade, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. O projeto Direito à Memória e à Verdade busca recuperar os registros dos desaparecidos durante a ditadura militar.
A reportagem é de Jair Stangler e publicada pelo portal do jornal O Estado de S. Paulo, 28-01-2010.
Segundo ele, o Brasil vive uma transição da ditadura para a democracia e vê um embate entre "os que não conseguem esquecer e os que não querem lembrar". Para o sociólogo, é preciso "democratizar o passado, para democratizar o presente e democratizar o futuro". Boaventura acredita que o Brasil está avançando mais em Direitos Humanos que Portugal.
'Lula está nos devendo'
"O governo Lula está nos devendo muito" disse o jornalista e sociólogo Marcos Rolim. O ex-deputado do Rio Grande do Sul, que deixou o PT em 2009, elogiou a proposta para o Programa Nacional de Direitos Humanos, mas fez críticas ao governo, sobretudo na causa específica da divulgação dos documentos da ditadura militar. "O governo recorreu contra a decisão da Justiça de abrir os documentos da ditadura."
Rolim recusou o rótulo de "revanchista" e disse ver uma campanha contra o movimento para tornar públicos o movimento para abrir os documentos da ditadura militar.
"Os jornais voltaram a usar o termo 'terrorista' para definir o guerrilheiro de esquerda. Então fica aquela coisa de 'ditadura' versus 'terrorismo'. Pode-se criticar os guerrilheiros sob muitos aspectos, mas não se pode dizer que eram terroristas. É como dizer que a revolução francesa foi feita por terroristas, ou que os judeus do gueto de Varsóvia eram terroristas", disse.
"A anistia surgiu no Brasil para que não conhecêssemos a verdade. Os atos e nomes da esquerda são conhecidos. Foram punidos. Agora queremos saber também os nomes e fatos do outro lado", afirmou ainda.
Crimes não prescrevem'
O procurador da República Domingos Sávio da Silveira, que completou a mesa, abriu sua exposição rebatendo os dois principais argumentos usados por quem se opõe a que se investiguem os crimes cometidos durante a ditadura, de que os crimes prescreveram e de que a Lei da Anistia pacificou o País.
Segundo Silveira, há duas razões para os crimes não terem prescrevido. Primeiro, porque a tortura é considerada crime contra a humanidade desde 1907 no Brasil e a ONU já decidiu que crimes contra a humanidade não prescrevem. Além disso, diz ele, como muitos dos presos continuam desaparecidos, o crime continua acontecendo.
Com relação à Lei da Anistia, ele lembra que a norma concedia anistia a "crimes políticos e os crimes conexos". Com base nisso, a tortura fora enquadrada como crime conexo. O argumento do procurador, bem como a de Rolim, é que a tortura não tem conexão com crime político. Além disso, diz o procurador, um Estado não pode se "autoanistiar".
Ele lembra ainda que buscar a verdade sobre a tortura no passado, além de ajudar que isso volte a ocorrer no futuro, pode ajudar a combater a prática da tortura feita de maneira sistemática contra os pobres no País.
"Se busca o reconhecimento que pessoas foram torturadas e assassinadas sob custódia do Estado", disse.
Fonte:IHU
Assinar:
Postagens (Atom)