sábado, 23 de janeiro de 2010

CHILE - O original e a cópia.


Eleições no Chile: o original e a cópia

Para a Concertação, o triunfo da direita (na verdade, de sua variante mais virulenta: a pinochetista) nas eleições presidenciais chilenas poderia ser considerado como mais um exemplo de uma “crônica de uma morte anunciada”. A progressiva assimilação do legado ideológico da ditadura militar pelos principais quadros da aliança democrata-cristã-socialista fez com que a diferenciação entre a Concertação e os herdeiros políticos do regime militar, Renovação Nacional (sua ala “moderada”, se é que um “pinochetismo moderado” pode ser outra coisa que um oximoro) e a União Democrata Independente, seus batalhões mais cavernícolas, fosse se desvanecendo até se torna imperceptíveis para o eleitorado. Fernando Henrique Cardoso gostava de repetir a seus alunos que “com o tempo, os povos sempre vão preferir o original à cópia”. E tinha razão. Neste caso, o original era o pinochetismo e seu herdeiro: Sebastián Piñera; a Concertação e seu inverossímil candidato, a cópia.

O comentário é de Atilio A. Boron, sociólogo argentino, e publicado pelo jornal Página/12, 22-01-2010. A tradução é de Vanessa Alves.

Isso constitui um exagero injusto? Não. Ouçamos o que dizia Alejandro Foxley, um dos pró-homens da Concertação e ministro das Relações Exteriores do governo de Michelle Bachelet entre 2006 e 2009: “Pinochet ... teve o mérito de antecipar-se ao processo de globalização... É preciso reconhecer sua capacidade visionária (para) abrir a economia ao mundo, descentrar, desregular. Além disso, ... acabou mudando o modo de vida de todos os chilenos para melhor, não para pior”. Com dirigentes “progressistas” que sustentavam um discurso como este (que muitos compartilhavam apesar de que poucos se atreviam a manifestar com tanto descaramento), podia a Concertação ser crível como uma alternativa superadora do pinochetismo?

O triunfo da direita gravitará e muito no palco sul-americano. As coisas se tornarão mais difíceis para os governos da Venezuela, Bolívia, Equador e Cuba; a ampliação do Mercosul com a plena incorporação da Venezuela sofrerá renovados tropeços, e com Piñera, o bloco direitista controla, com a honrosa exceção do Equador, todo o flanco do Pacífico latino-americano. Além disso, o “efeito demonstração” do desenlace eleitoral chileno poderia chegar a exercer um negativo influxo sobre as eleições presidenciais de outubro de 2010 no Brasil e as que terão lugar no ano seguinte na Argentina. Por outra parte, o belicista contra-ofensiva imperial dos Estados Unidos (Quarta Frota, bases militares na Colômbia, golpe em Honduras, reconhecimento das fraudulentas eleições desse país etc.) contará a partir de março com um novo aliado, liberado de qualquer compromisso, mesmo que seja retórico, com o projeto emancipatório latino-americano. É preciso lembrar que ainda sob os governos progressistas da Concertação, o papel que estes desempenharam foi sempre o de um operador privilegiado de Washington na América do Sul. Na Cúpula do Mar del Plata que culminou com o naufrágio da ALCA, as vozes cantantes a favor desse acordo foram as de Ricardo Lagos e Vicente Fox, sob o comprazido olhar de George W. Bush. Agora essa tendência “isolacionista” – e, no fundo, antilatino-americana– se acentuará mais ainda, revertendo uma profunda vocação latino-americana que o Chile soube ter e que sob a presidência de Salvador Allende chegou ao seu apogeu. Mas esse país mudou, “para melhor” como lembrava o ex-chanceler da Concertação.

Por isso, os necessários processos de integração supranacional atualmente em andamento na América latina – desde o Mercosul até a Unasur, passando pelo Banco do Sul e outras iniciativas semelhantes – não haverão de cobrar novos brios com Piñera no Palácio de la Moneda. Com Frei as coisas não teriam sido muito diferentes, mas pelo menos este tinha um vago compromisso com o eleitorado que no caso de seu contendor não existe. O que há por trás de Piñera, entretanto, é a raivosa gritaria de seus partidários realizando a vitória de seu candidato com imagens e bustos de Pinochet e cântico exortando a acabar com os “comunistas” infiltrados no governo da Concertação. A década não podia ter começado pior. Mais que nunca, em tempos como estes adquire vigência aquele sábio conselho de Gramsci: “Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”.

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